“Uma coisa que quase ninguém sabe é que compartilhando um canudo de cocaína ou cheirando-a você pode contrair o HIV”

. 14 junho 2010

O autocuidado tem sido um termo bastante utilizado nos centros de redução de danos no uso de drogas, visando amenizar problemas trazidos em decorrência do uso excessivo dessas substâncias. Para pesquisadores e agentes sociais que estudam essa temática é através da informação sobre os danos causados que o usuário pode desenvolver o uso mais seguro e consciente. Uma das defensoras dessas medidas preventivas é a estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luana Malheiro, que participou da mesa redonda Redução de danos: uso e abuso de drogas no III Encontro de Pesquisas em Ciências Humanas do Vale do São Francisco – Vale Humanas. Em entrevista ao MultiCiência, ela falou sobre o projeto de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis associadas ao uso de crack e o os preconceitos que têm de enfrentar durante a realização de seu trabalho. A seguir, confira a entrevista.




MultiCiência: Como surgiu a idéia do projeto de capacitação da redução dos danos relacionada às drogas?

Luana Malheiros: É um projeto de capacitação da unidade de saúde da família. Dentro dessas unidades, tem uma equipe com um supervisor e quatro redutores de danos. Primeiro, fazemos a capacitação teórica, depois, a capacitação prática em redução de danos. Na primeira parte, usamos módulos que explicam sobre o uso de drogas, aspectos sócio-culturais e a questão da redução de danos, como é que trabalham com ela os agentes comunitários ou médicos. Depois, a prática, os redutores de danos vão a campo junto com os agentes comunitários de saúde e aí vão os médicos, enfermeiros e todos os outros profissionais da unidade de saúde.


MultiCiência: Vocês recebem apoio de alguma instituição governamental?
LM: Nós recebíamos apoio da Prefeitura de Salvador. Estamos parados há cinco meses, porque foi um projeto de três anos e agora estamos esperando um novo financiamento de mais três anos, mas teremos um momento para acertar as burocracias e mandar relatórios.



MultiCiência: Que medidas vocês utilizam para ocorrer a redução de danos causados pelas drogas, especificamente as do crack?

LM: A gente fornece informação, porque fornecendo informação você capacita e concede ao sujeito autocuidado, isso é extremamente importante para a redução de danos. Por vezes, o usuário está inserido naquele contexto de rua e as unidades de saúde e outros serviços não o acessam. A idéia é justamente que os agentes redutores de danos e os supervisores cheguem a campo, acessem esse usuário, descubram qual é a demanda dele para poder encaminhá-lo às unidades de saúde ou centros de testagem de algum elemento, caso seja HIV, ou levar para programas de tuberculose, já que essa população vive numa situação muito vulnerável, podendo ocorrer agravos na saúde. Com relação ao uso do crack, tem uma estratégia que é o uso da maconha como uma porta de
saída. Segundo estudo terapêutico, para sair de momentos de fissura da droga - porque o crack produz um efeito estimulante no sistema nervoso central, então ele acelera o metabolismo, o usuário não consegue comer nem dormir já a maconha produz o efeito contrário, ela relaxa e abre o apetite, então seria uma das formas para reduzir os danos causados pelo crack.


MultiCiência: Você tem uma pesquisa com ênfase na prevenção das DST. De que forma as drogas poderiam ser associadas a elas?

LM: Acreditamos que quando o sujeito está sobre efeito de drogas ele perde um pouco da capacidade do autocuidado. A idéia é que nós estejamos sempre em campo, lembrando a ele a necessidade do uso da camisinha, da necessidade de fazer as testagens, de tomar os medicamentos para quem é soropositivo e detectar quais são as formas de contágio relacionada ao uso de drogas. Quase ninguém sabe, por exemplo, é que compartilhando um canudo de cocaína ou cheirando-a você pode contrair o HIV sem saber por que pegou, não é necessariamente pela prática sexual. Como trabalhamos num contexto que existe muito a soro prevalência, enfatizamos essa questão.

MultiCiência: Houve alguma situação em que vocês foram discriminados por trabalharem essa temática?

LM: Sim, acho que o tempo inteiro. O problema maior que eu identifico é no trabalho de campo. Temos que convencer o usuário de que você não é uma figura que está ali para discriminá-lo ou pra atentar contra seus direitos. Estamos ali pelo contrário, para resgatar a autonomia dele, trabalhar com os direitos humanos. Temos também que convencer a parte repressora, a polícia. Já aconteceu, por exemplo, de estarmos em campo e os redutores terem que passar por revista de policiais. São situações bem desagradáveis mesmo. Não sei se é discriminação, mas acho que também é uma falta de compreensão das pessoas do que seja a redução de danos. Sempre surgem perguntas como: “Ah! Como é que você vai trabalhar com usuário de crack?! Eles têm que ter abstinência”. A redução de danos não acredita em abstinência, não interfere no uso ou desuso de drogas. É uma questão da autonomia do sujeito, ele tem vontade própria para escolher se quer ou não utilizá-las. Agimos para compartilhar informações de um uso mais seguro e consciente.


MultiCiência: Como é realizada a divulgação desse projeto?

LM: Apresentamos congressos, temos um trabalho na área da articulação de redes, procuramos fazer um mapeamento de outros projetos que trabalham com a questão. Uma iniciativa que tomei quando tive oportunidade foi a de sentar com outras pessoas que trabalham com um público similar, ver como poderíamos trabalhar juntos. Por exemplo, acessamos um público que o centro de testagem não consegue acessar, então, fizemos uma parceria, vou a campo, acesso o usuário e faço o encaminhamento dele à unidade de testagem e aconselhamento.


Por Taiane Sandes
Fotos Emerson Rocha