O ato de
dormir parece ser apenas um momento de descanso ou o mais desnecessário dos
comportamentos humanos. Contudo, o maior desafio de saúde pública que os países
industrializados enfrentam no século XXI é uma epidemia silenciosa da perda de
sono. É o que afirma o neurocientista britânico Matthew Walker, diretor do
Laboratório do Sono e Neuroimagem na Universidade da Califórnia em Berkeley, no
livro “Por que nós dormimos?”.
As
consequências dessa epidemia estão relacionadas desde o enfraquecimento do sistema imunológico, afetação do cérebro e suas funções de
memória e aprendizado, desenvolvimento de enfermidades psiquiátricas como
ansiedade, depressão e transtorno bipolar, doença de Alzheimer, até
adversidades no sistema reprodutivo masculino e feminino.
Com a
pandemia da Covid-19, dormir tornou-se ainda mais difícil. Pesquisa
realizada pela Royal Philips neste ano identificou que metade dos brasileiros teve o sono afetado
pela pandemia. A pesquisa que contou com a participação de 13 mil adultos em 13
países, incluindo o Brasil, aponta que, desde de março do ano passado, 74% dos
brasileiros adquiriram um ou mais problemas de sono, com 50% relatando que o surgimento da Covid-19 afetou diretamente a sua capacidade de dormir bem.
A constante
preocupação com a doença, o medo da morte, a saudade dos espaços que perdemos e
a tarefa de se adaptar a uma realidade onde não há toque, em que é preciso
estar em isolamento físico para proteger a vida, são algumas das questões que
alteraram a rotina e perturbaram o comportamento em relação ao
sono.
A cientista e
membro do comitê científico da Associação Brasileira do Sono (ABS), Bruna Del
Vechio Koike, afirma que "o tempo total de sono tem sido paulatinamente reduzido nas sociedades contemporâneas e, no cenário pandêmico, isso tem se agravado com a exposição exagerada às telas dos aparelhos tecnológicos".
Também existe o
fato de que normalizamos ser “workaholics” e o trabalho passou a ser uma atividade compulsiva. Na pandemia, o limite entre vida profissional e vida pessoal
ficou borrado, se tornou uma linha tênue, que não se consegue distinguir. "Como ficamos 24 horas dentro de casa, nossa casa se tornou
ao mesmo tempo lugar de trabalho, de descanso e de lazer”. Com isso, não separamos mais os dias, horários ou locais de trabalho. "A preocupação é constante", conta a cientista.
Vivemos em uma
sociedade que não desacelera, que se acostumou a ser multitarefas e a produzir até a exaustão. Marcos Gustavo, estudante do curso de licenciamento em história da
Universidade de Pernambuco (UPE), conta que sua insônia se agravou durante a
pandemia. Ele percebeu que estava perdendo o tempo de estudo pela manhã e como a
demanda de trabalhos na faculdade o pressionava, decidiu adotar a noite como o
seu momento de produção.
“Durante
esse período eu consigo ter uma melhor produção por causa do silêncio, de certa
forma sinto que melhoro também a minha criatividade e a única dificuldade que
tenho é quando preciso produzir em grupo que acaba acontecendo alguns
desencontros com os outros colegas”, diz o estudante de história.
Necessidade biológica
O que não
compreendemos é que dormimos justamente por uma necessidade biológica. Há em
nosso cérebro um relógio interno que transmite um sinal diário de 24 horas
chamado de ritmo circadiano. Walker explica que é esse ritmo quem determina
quando se quer estar acordado e quando se quer estar dormindo.
Mas o nosso
relógio interno só consegue transmitir esse sinal repetitivo de dia e de noite
para o cérebro e o corpo através de "um mensageiro móvel chamado
melatonina". Conhecida como o "hormônio do escuro", é ela quem
prepara o indivíduo para o momento do início do sono, sinalizando que já é
noite e é preciso ir dormir. O tempo de exposição à tela reduz a produção de
melatonina, piorando a qualidade e a quantidade de sono.
“A tela
oferece informação luminosa para os nossos olhos e como nossa sincronização ao ambiente é direcionada principalmente pelo ciclo claro/escuro, nós não nos expomos mais a luz
natural. Ficamos o dia de frente a tela e, à noite, ficamos frente à mesma tela, com
a mesma intensidade luminosa. Perdemos a sinalização da alternância entre o claro/escuro, o que confunde a
sincronização do organismo a esse ciclo. Como consequência, isso prejudica o início do sono e todo o sistema
de temporização circadiano. Não sabemos mais identificar que horas está
chegando a noite”, diz Bruna Del Vechio.
Um sono de
má-qualidade influencia de maneira direta a nossa saúde mental e emocional,
determinando se vamos enfrentar os desafios do dia com autocontrole ou se
sofreremos com a fadiga e oscilações de humor, comprometendo nossa aptidão
mental e vitalidade física.
Segundo a
pesquisadora, além de causar prejuízo no metabolismo e na secreção de
alguns hormônios, como a melatonina, a privação de sono causa ainda perda da
concentração, déficit de atenção, irritabilidade e fadiga. “Isso de forma
crônica vai se agravando e pode provocar até transtornos do humor”.
Para Walker,
“o prejuízo físico e mental causado por uma noite de sono ruim é muito maior do
que os causados por uma equivalente falta de alimento ou exercício. É difícil
imaginar qualquer outro estado – natural ou criado pelo uso de medicamentos –
que propicie uma reparação mais poderosa da saúde física e mental em todos os
níveis”. Dormir é necessidade vital.
DORMIR AINDA É A MELHOR DICA
Imaginamos
que se dormimos uma noite sim e outra não, nas noites seguintes vamos recuperar
o sono perdido. Lego engano! “Uma noite de sono perdida
nunca vai ser recuperada. Você não consegue recuperar os hormônios que não
foram produzidos na noite anterior”, afirma Bruna Del Vechio Koike. O melhor
que podemos fazer nesse caso é ter bom senso e desenvolver uma higiene do sono.
Koike
compartilhou cinco dicas para dormirmos melhor.
Crie um Hábito de Sono
É importante
dormir as horas necessárias para não ter sonolência durante o dia. Se você
geralmente dorme depois do almoço, é porque seu sono não está em dia. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma média de oito horas de sono
por noite para adultos. Descubra de quantas horas você precisa!
Higiene
do Sono
Desenvolva
um ritual do sono para que seu organismo perceba que você vai dormir. Nada de
ficar gastando tempo de tela perto da hora de dormir. Ao invés disso, faça um
chá, beba uma água, escove os dentes. Assim, o organismo vai se desligando e
reduzindo sua atividade.
Cama?
Apenas para Dormir!
Use a cama
apenas para dormir. A cama não é lugar de comer, estudar, ver filme ou ficar
mexendo no celular. Estabeleça que a cama é o seu local de dormir.
Evite Exposição de Luz
Evite se
expor a luz ambiente e principalmente a exposição de tela perto do horário de
dormir.
Gaste Energia Durante o Dia!
Pessoas que
se exercitam durante o dia gastam energia e acumulam o cansaço para ter uma
pressão maior de sono. É importante evitar exercícios intensos pelo menos duas horas antes do início do sono, Programe-se.
Para saber mais, leia a reportagem Os benefícios do sono.
Reportagem especial para Agência MultiCiência por: Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios. Email: jonataspereiradonascimento@gmail.com
Fotos/Divulgação: Shutterstock