Foto: Aylla Bomfim (Horta Comunitária João Paulo II) |
No coração do bairro João Paulo II, em Juazeiro (BA), a 9 km do paço municipal, na Rua do Umbuzeiro, floresce há quase quatro décadas uma experiência singular de agricultura coletiva, a Horta Comunitária João Paulo II, mais conhecida como Horta Povo Unido. O local funciona como um símbolo de resistência, empreendedorismo e transformação social, sustentada majoritariamente pelas mãos de mulheres, onde terra e vida crescem lado a lado.
Fundada oficialmente em 1987, por moradoras da comunidade, com apoio da Diocese de Juazeiro e das Irmãs Luzinhas da Congregação das Oblatas de São Luiz Gonzaga, a iniciativa nasceu como resposta direta à precariedade que atingia as mães de família. O terreno de quase seis hectares foi doado pelo então bispo Dom José Rodrigues, tornando-se solo fértil não apenas para alimentos, mas para sonhos.
A força da Horta Povo Unido
Foto: Aylla Bomfim (Associada da horta regando seu canteiro) |
Mesmo com a presidência atual exercida por um homem, David Costa, a vice-presidenta Ana Cristina Novais é enfática: “Elas são a cara da Horta”. São as mulheres que lideram nas decisões, na produção, na organização diária e que sustentam o legado do projeto.
Foto: Aylla Bomfim (Maria Joaquina Barros e filha). |
Maria Joaquina Barros, 78 anos, é um dos rostos históricos do projeto. São mais de 20 anos dedicados à horta. Ao lado das duas filhas e do genro, ela integra a equipe que cultiva alimentos com técnicas sustentáveis e profundo senso de coletividade. Sua trajetória é marcada pelo protagonismo feminino no campo, onde mulheres desafiam estigmas, assumem a gestão e constroem novas formas de viver da terra.
A história da Horta Povo Unido não vive apenas do passado. Ela respira o futuro nas mãos da juventude que cresce entre os canteiros. É o caso de Cheyenne Fernandes, 20 anos, segunda secretária da atual diretoria. Em sua fala, o elo entre gerações se revela uma característica matriarcal. “Desde nova eu trabalho lá, porque minha avó trabalhava, depois minha mãe entrou, e agora eu estou na associação”, afirma.
Cheyenne representa uma nova fase da horta, a que une tradição e inovação, com jovens que reconhecem na terra um lugar de cuidado, saúde e pertencimento. “É importante que os jovens deem continuidade, porque a horta ajuda várias famílias e é também um lugar terapêutico”, pontua.
David Costa, presidente da associação, reforça que “a juventude é o futuro da associação”. A sucessão geracional, em vez de ser um desafio, transforma-se em força estratégica. A permanência da juventude garante que a horta siga sendo um espaço intergeracional de resistência e aprendizado no Semiárido baiano.
Empreendedorismo sustentável
A comercialização dos alimentos segue múltiplos caminhos: venda direta na própria horta, participação em feiras agroecológicas e também revenda por atravessadores. Apesar de esta última reduzir a margem de lucro dos produtores, a diversidade de canais tem sido fundamental para a sustentabilidade econômica do projeto.
A parceria com o Empório Sertão, por meio do Centro Público de Economia Solidária - CESOL Sertão do São Francisco, fortalece ainda mais essa rede. O CESOL é um projeto que oferece assistência técnica a empreendimentos de economia solidária e da agricultura familiar no Território Sertão do São Francisco, na Bahia, envolvendo 10 municípios. Para Aline Craveiro, coordenadora do projeto, os produtos dessa horta, especialmente hortaliças e plantas medicinais com certificação orgânica, são essenciais para atrair consumidores conscientes e fomentar a visibilidade de empreendimentos solidários.
Foto: Aylla Bomfim (Produtos da horta no Empório Meu Sertão) |
“A parceria com a Horta João Paulo II é muito significativa. Ela representa exatamente o que o CESOL busca, que é fomentar o fortalecimento da economia solidária a partir dos territórios”, comenta Craveiro.
Além da comercialização, o CESOL oferece suporte técnico, visitas regulares e contribui com a qualificação dos produtos, da produção à rotulagem. A comunicação também é parte da estratégia: identidade visual, redes sociais e certificações ajudam a posicionar a marca da Horta Povo Unido no mercado.
Mais do que produzir alimentos, a Horta Comunitária João Paulo II cultiva autonomia, equidade e pertencimento. Mulheres como Maria Joaquina Barros, jovens como Cheyenne Fernandes e lideranças como Ana Cristina Novais demostram que é possível viver da terra com dignidade, inovação e compromisso coletivo. Entre as mãos que plantam esperança e contribuem com o florescimento de um modelo de empreendedorismo sustentável, há um verdadeiro patrimônio comunitário enraizado na força feminina e na promessa de um amanhã sem agrotóxicos, justo e solidário.
Por Meiwa Magalhães e Aylla Bomfim, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do MultiCiência.