“A Tardinha Cai”, mas a Bossa Fica: O legado de João Gilberto e o tributo juazeirense



Memorial Casa Bossa Nova, exposição sobre vida e obra de João Gilberto.
O toque suave do violão, em contraste com a melodia que embala a cidade, anunciava um novo ritmo prestes a transformar o mundo e reescrever a história da música popular brasileira. Era João Gilberto, com seu jeito reservado, que modificaria o fazer musical, projetando sua voz para além das margens do rio São Francisco e atravessando fronteiras. Assim, nascia a Bossa Nova.

Seis anos após sua partida, Juazeiro-BA, terra natal do compositor, revive suas melodias para celebrar os 94 anos de seu nascimento, em um tributo que ecoa não apenas a memória e o afeto, mas também o sentimento de pertencimento e a construção da identidade juazeirense. A história da música popular brasileira está profundamente ligada à figura de João Gilberto; seus acordes ainda ressoam como moldura sonora de uma era que permanece viva.

Na manhã do dia 10, as histórias, as lembranças e o sentimento de saudade tomaram forma no sarau “À Tardinha Cai”, que reuniu familiares, amigos, músicos e admiradores para celebrar o legado do pai da Bossa Nova. O evento, que foi realizado no Memorial Casa Bossa Nova, na Praça da Bandeira, contou com a participação de nomes importantes do cenário cultural, como o coordenador de cultura Hertz Félix e a professora Aleí Vitorino. A programação contou ainda com uma roda de conversa “A Bossa e João” com o músico Silas França e o compositor Mauriçola, além da presença dos familiares de João Gilberto e a presença dos representantes do poder público.

Uma Conexão Íntima: A relação de Silas França com o Mestre

Durante a celebração e reflexão sobre o legado de João Gilberto, o olhar para o mundo e para Juazeiro ganha contornos mais pessoais nas palavras do acordeonista Silas França. “Ele é um ícone não só pra Juazeiro, mas pro mundo. Ele é a divisão de um marco pra música brasileira e que expõe a música brasileira de verdade", declara Silas.

A sua ligação com João vai para além da admiração musical, ele revelou ter convivido diretamente com o compositor nos últimos anos de sua vida, uma experiência que descreve como ímpar e rara. “Por intermédio de Cláudia Faissol, pude estar convivendo com ele diretamente, eu ajudava na alimentação dele, ele precisava ir para algum lugar ou outro, e eu que levava ele", recorda Silas, que teve a oportunidade de conversar com João Gilberto em momentos de descontração, aproximando-se do homem por trás do gênio criador da Bossa Nova. "De fato, poucas pessoas conviveram com o João. E no momento final da vida dele, especialmente, eu tive essa oportunidade", enfatiza.

A relação de Silas com a música e com o legado de João Gilberto é, inclusive, de berço. Autodidata, influenciado por pais amantes da música, ele carrega em sua trajetória uma conexão familiar com o pai da Bossa Nova. Seu avô, Vadinho, era amigo íntimo de João em Juazeiro, uma amizade que Silas afirma ter comprovado pessoalmente. “Conversei com o próprio João sobre isso. Minha história com João Gilberto não é só eu e João. É algo que vem acontecendo há muito tempo, desde o início”, detalha.

Essa conexão profunda, tanto pessoal quanto familiar, impulsiona o envolvimento de Silas França no sarau. Para ele, o mundo já reconhece João Gilberto, é hora de Juazeiro fazer o mesmo. Hoje, sente orgulho de dar continuidade à história através do acordeon, instrumento que João tanto admirava.

A Voz da Família: Cláudia Faissol e a essência da Bossa Nova
O acordeonista Silas França ao lado de Cláudia Faissol
A celebração em Juazeiro ganhou uma camada ainda mais íntima com a presença de Cláudia Faissol, viúva de João Gilberto, que voltou à cidade natal do compositor para comemorar os 94 anos de seu nascimento e reencontrar Vivinha, uma familiar que não via desde a partida do mestre. Cláudia trouxe consigo um projeto pessoal, que busca contar a história de João por meio das artes plásticas, linguagem que traduz a essência da Bossa Nova para o público.

Para ela, a Bossa Nova vai muito além das composições isoladas como “Garota de Ipanema”, trata-se de uma linguagem musical singular, uma união íntima entre o violão e a voz, que encanta e conquista o mundo inteiro. “João embelezou tanto a musicalidade quanto a composição”, criando uma linguagem compreendida por todos. A companheira de João compara a inovação do compositor à forma coloquial e fluente com que cantava, lembrando músicas antigas como “Aos pés da Santa Cruz”, que ouvira na época da avó, mostrando como o artista transformou a música em uma conversa simples, clara e profundamente humana.

A raiz juazeirense do artista está presente em sua obra de modo inseparável. João aprendeu com a mãe Dona Patu a se comunicar coloquialmente com todos os tipos de pessoas, “desde o cachaceiro até o intelectual”, o que o ensinou a ser justo, humano e próximo do povo. Essa tropicalidade, essa fala do Brasil, influenciou a Bossa Nova a se tornar mais que música: uma conversa aberta e cheia de alma.

Cláudia recorda que o amor de João por sua cidade natal era sentido em cada gesto, “a primeira coisa que ele queria era a carne de bode de Juazeiro”, alimento de raízes e memórias afetivas. Essa cidade o acolhia como um filho, onde ele visitava familiares, reencontrava amigos e se emocionava profundamente ao retornar às suas origens. Para ele, estar em Juazeiro era quase como receber uma bênção. A viúva esteve ao lado do músico em sua última visita à Bahia, em 2008, quando conseguiu reunir os cinco irmãos para uma foto que ficou marcada na memória. Mesmo debilitado pela saúde, João tinha o desejo sincero de que a cidade fosse cuidada, seu coreto preservado, sua casa reconstruída, querendo que “tudo permanecesse igual”, guardando a essência do tempo.

Ela defende com fervor a importância de ensinar nas escolas a verdadeira raiz de João Gilberto, alertando para o perigo de reduzir sua história a crônicas superficiais. Cláudia destaca que o foco deve estar nas características sonoras da Bossa Nova, o baixo tão enfatizado por João e o jeito particular como ele cantava, “na forma da conversa e da coloquialidade”, pois ele não subia ao palco sem meses de treino e preparação. Para ela, músicos como Silas França, que conviveram de perto com o mestre, são verdadeiros tesouros para Juazeiro, pois podem revelar composições inéditas e histórias ainda não contadas, inclusive as dificuldades enfrentadas ao longo da vida.

A valorização do artista passa, segundo Cláudia, pelo reconhecimento financeiro e estrutural que permita a criação e o florescimento da arte, que é capaz de ajudar as pessoas a atravessar as dificuldades da vida com beleza e esperança. Emocionada, ela reafirma a certeza de que “a música não morre, ela é eterna”, pois permanece viva, pulsando nas cordas do violão, nas vozes que a carregam e na alma de quem a escuta.

O Legado na Educação e a Visão do Poder Público


 O pai da bossa nova vai além do segmento musical e cultural, também atingindo a educação do ponto de vista da pedagoga e coordenadora pedagógica do Instituto de Ensino Educar, Juliane Lacerda, que comenta a importância da valorização e inserção da carreira de João Gilberto na história da música juazeirense e do mundo na educação dos jovens e pequeninos. “É importante mostrar aos estudantes história da música, como ela se desenvolvia, quem ele era, e ensinar a eles que todos nós somos capazes, como João Gilberto que aqui nasceu, no interior da Bahia e ganhou o mundo inteiro com a sua música” afirma.

Mas para o Superintendente de Cultura de Juazeiro, João Leopoldo, a cidade ainda falta muito em valorizar a cultura juazeirense e os artistas regionais, como João Gilberto, que conquistou o mundo com suas partituras, pai da Bossa Nova, juazeirense, mas que pouco se discute sobre essa trajetória, além de datas comemorativas. “Nós estamos falando de mais de 50 anos de carreira, mas Juazeiro não consegue, inclusive, pautar João Gilberto nas escolas, nos espaços públicos, não consegue pautar na sua total dimensão do que representa João Gilberto para a sua cidade.”


Entre a carne de bode que evocava memórias de infância e os acordes minimalistas que reinventaram a canção brasileira, João Gilberto permanece vivo. Não apenas como pai da Bossa Nova, mas como um elo entre o Juazeiro e o mundo, entre a simplicidade da fala cotidiana e a sofisticação de uma harmonia que rompeu fronteiras. Em cada gesto narrado por Cláudia, em cada lembrança de Silas, ressurge o homem por trás do mito, tímido, meticuloso, profundamente brasileiro.

Enquanto a cidade redescobre sua própria história ao som daquilo que um dia nasceu entre seus becos e coretos, vozes como a da pedagoga Juliane lembram que ensinar a história de João Gilberto é também ensinar possibilidades. E, como reforça o superintendente João Leopoldo, é preciso ir além das homenagens pontuais e inscrever esse legado nas escolas, nas praças, na vida cotidiana do município.

Porque João é Juazeiro, e Juazeiro ainda precisa se reconhecer nele. Que o acorde delicado de João continue atravessando o tempo como um rio sereno cortando o sertão, guiando novos ouvidos e novas gerações. Porque, como lembra Cláudia, a música não morre. E quando cai a tardinha em Juazeiro, é ela quem ainda permanece suave, bela e humana.

Fotos: Maria Helena Almeida 

Por Maria Helena Almeida e Anne Carvalho, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do MultiCiência.




Contar para transformar: produções de estudantes sobre questões raciais ganham destaque em premiação estudantil


Estudantes de Jornalismo em Multimeios da UNEB e colaboradores da Agência de Notícias MultiCiência durante o evento de premiação do Concurso de Jornalismo Estudantil, realizado pelo Observatório Opará.

Três colaboradores da Agência Multiciência e estudantes do curso de jornalismo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) se destacaram na premiação do Concurso Jornalismo Estudantil, promovido pelo Observatório Opará em parceria com o curso de Jornalismo da UNEB/DCH III, no sábado (07/06), na sala do Observatório Opará, no Campus Centro da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em Petrolina (PE).

O evento, que reuniu estudantes que se destacaram pela produção de conteúdo jornalístico durante o 1º Simpósio sobre Questões Raciais, premiou produções nas categorias texto, audiovisual e fotografia, reforçando a importância da comunicação como instrumento de memória, denúncia e transformação social. A iniciativa valorizou trabalhos comprometidos com o enfrentamento do racismo e a valorização das vozes negras no território do Vale do São Francisco.

Vencedora da categoria matéria jornalística em texto, a estudante Laíse Ribeiro, de 23 anos, está no 7º período do curso e produziu a reportagem intitulada "Na luta por reparação, elas são maioria - Mulheres negras mostram o poder do aquilombamento no 1º Simpósio sobre Questão Racial no Vale do São Francisco". Para ela, participar de um edital com essa temática foi uma vivência profundamente significativa.
Foto: Inês Eugênia 
"Mais ainda enquanto uma mulher negra que busca se inserir e inserir os seus dentro dos textos jornalísticos, tratando as pautas de forma decolonial", afirmou. A ideia da reportagem surgiu ao observar a presença majoritária de mulheres negras no evento. “Isso dá a ideia e prática de um aquilombamento”, pontuou Ribeiro.

Laíse reconhece que o maior desafio foi conciliar a produção com a agenda apertada de fim de semestre, mas destaca que as entrevistas foram extremamente marcantes. “Principalmente os conselhos que recebi de uma das entrevistadas, levarei para a vida”, relembrou.

Na categoria audiovisual para redes sociais, a premiada foi a estudante Anne Carvalho, que ressaltou a importância de contar histórias como jornalista e participante do Simpósio. Em seu vídeo, ela destacou o papel do evento ao discutir a ineficácia da Lei nº 10.639/03 na prática, reforçando a urgência da reparação à população negra.
Foto: Inês Eugênia 
"Jornalista é contador de histórias, e poder contar essa história foi muito significativo. O simpósio nos lembra que essa luta ainda é necessária, porque até hoje lidamos com racismo institucional e práticas que deveriam estar superadas", relatou Anne. Ela também destacou como a experiência proporcionou aprendizado e conexões,“foi muito bacana conhecer o Observatório Opará e registrar tudo em formato audiovisual. Isso me motiva a continuar contando histórias que precisam ser ouvidas”.

Gian Gabriel Matos da Silva, 20 anos, aluno do 3º período de Jornalismo em Multimeios, foi o vencedor na categoria fotografia. Seu ensaio buscou evidenciar a presença negra em diferentes espaços sociais, seja em posições de liderança ou na expressão artística.

Foto: Inês Eugênia 
“Foi um prazer participar desse concurso, pois foi através dele que percebi que posso conquistar coisas que jamais imaginei. Pude mostrar a mim mesmo que sou capaz”, declarou Silva, emocionado com o reconhecimento da sua produção.

O Concurso Jornalismo Estudantil reforçou que a produção acadêmica pode — e deve — estar a serviço da transformação social. A atuação dos estudantes premiados é exemplo de um jornalismo ético, crítico e comprometido com as realidades que precisam ser narradas.

A cada reportagem, vídeo ou fotografia produzida, os estudantes reafirmaram que contar histórias é também uma forma de lutar por justiça, por memória e por um futuro mais igualitário. O Observatório Opará, ao valorizar essas iniciativas, segue como espaço de construção coletiva e fortalecimento das vozes negras no Vale do São Francisco.

Por Júlia Araújo, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.




Empreendedorismo, agroecologia e o protagonismo feminino: a força da Horta Povo Unido em Juazeiro (BA)

Foto: Aylla Bomfim (Horta Comunitária João Paulo II)

No coração do bairro João Paulo II, em Juazeiro (BA), a 9 km do paço municipal, na Rua do Umbuzeiro, floresce há quase quatro décadas uma experiência singular de agricultura coletiva, a Horta Comunitária João Paulo II, mais conhecida como Horta Povo Unido. O local funciona como um símbolo de resistência, empreendedorismo e transformação social, sustentada majoritariamente pelas mãos de mulheres, onde terra e vida crescem lado a lado.

Fundada oficialmente em 1987, por moradoras da comunidade, com apoio da Diocese de Juazeiro e das Irmãs Luzinhas da Congregação das Oblatas de São Luiz Gonzaga, a iniciativa nasceu como resposta direta à precariedade que atingia as mães de família. O terreno de quase seis hectares foi doado pelo então bispo Dom José Rodrigues, tornando-se solo fértil não apenas para alimentos, mas para sonhos.

A força da Horta Povo Unido
Foto: Aylla Bomfim (Associada da horta regando seu canteiro)
Atualmente, são cerca de 90 associados, sendo 88% mulheres, que mantêm viva a prática da agricultura orgânica e agroecológica, sem qualquer uso de agrotóxicos. Um modelo de produção que respeita o meio ambiente e promove a soberania alimentar, ao mesmo tempo em que assegura renda e dignidade às famílias envolvidas.

Mesmo com a presidência atual exercida por um homem, David Costa, a vice-presidenta Ana Cristina Novais é enfática: “Elas são a cara da Horta”. São as mulheres que lideram nas decisões, na produção, na organização diária e que sustentam o legado do projeto.
Foto: Aylla Bomfim (Maria Joaquina Barros e filha).
Maria Joaquina Barros, 78 anos, é um dos rostos históricos do projeto. São mais de 20 anos dedicados à horta. Ao lado das duas filhas e do genro, ela integra a equipe que cultiva alimentos com técnicas sustentáveis e profundo senso de coletividade. Sua trajetória é marcada pelo protagonismo feminino no campo, onde mulheres desafiam estigmas, assumem a gestão e constroem novas formas de viver da terra.

A história da Horta Povo Unido não vive apenas do passado. Ela respira o futuro nas mãos da juventude que cresce entre os canteiros. É o caso de Cheyenne Fernandes, 20 anos, segunda secretária da atual diretoria. Em sua fala, o elo entre gerações se revela uma característica matriarcal. “Desde nova eu trabalho lá, porque minha avó trabalhava, depois minha mãe entrou, e agora eu estou na associação”, afirma.

Cheyenne representa uma nova fase da horta, a que une tradição e inovação, com jovens que reconhecem na terra um lugar de cuidado, saúde e pertencimento. “É importante que os jovens deem continuidade, porque a horta ajuda várias famílias e é também um lugar terapêutico”, pontua.

David Costa, presidente da associação, reforça que “a juventude é o futuro da associação”. A sucessão geracional, em vez de ser um desafio, transforma-se em força estratégica. A permanência da juventude garante que a horta siga sendo um espaço intergeracional de resistência e aprendizado no Semiárido baiano.

Empreendedorismo sustentável

A comercialização dos alimentos segue múltiplos caminhos: venda direta na própria horta, participação em feiras agroecológicas e também revenda por atravessadores. Apesar de esta última reduzir a margem de lucro dos produtores, a diversidade de canais tem sido fundamental para a sustentabilidade econômica do projeto.

A parceria com o Empório Sertão, por meio do Centro Público de Economia Solidária - CESOL Sertão do São Francisco, fortalece ainda mais essa rede. O CESOL é um projeto que oferece assistência técnica a empreendimentos de economia solidária e da agricultura familiar no Território Sertão do São Francisco, na Bahia, envolvendo 10 municípios. Para Aline Craveiro, coordenadora do projeto, os produtos dessa horta, especialmente hortaliças e plantas medicinais com certificação orgânica, são essenciais para atrair consumidores conscientes e fomentar a visibilidade de empreendimentos solidários.
Foto: Aylla Bomfim (Produtos da horta no Empório Meu Sertão)

“A parceria com a Horta João Paulo II é muito significativa. Ela representa exatamente o que o CESOL busca, que é fomentar o fortalecimento da economia solidária a partir dos territórios”, comenta Craveiro.

Além da comercialização, o CESOL oferece suporte técnico, visitas regulares e contribui com a qualificação dos produtos, da produção à rotulagem. A comunicação também é parte da estratégia: identidade visual, redes sociais e certificações ajudam a posicionar a marca da Horta Povo Unido no mercado.

Mais do que produzir alimentos, a Horta Comunitária João Paulo II cultiva autonomia, equidade e pertencimento. Mulheres como Maria Joaquina Barros, jovens como Cheyenne Fernandes e lideranças como Ana Cristina Novais demostram que é possível viver da terra com dignidade, inovação e compromisso coletivo. Entre as mãos que plantam esperança e contribuem com o florescimento de um modelo de empreendedorismo sustentável, há um verdadeiro patrimônio comunitário enraizado na força feminina e na promessa de um amanhã sem agrotóxicos, justo e solidário.


Por Meiwa Magalhães e Aylla Bomfim, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do MultiCiência.

Cavalgada à Pedra do Reino: Cultura, tradição e desenvolvimento

A reportagem em vídeo “Cavalgada à Pedra do Reino: Cultura, tradição e desenvolvimento”, é uma produção do aluno do curso de Jornalismo Marcus Luan e conta a história da Cavalgada à Pedra do Reino e seu impacto na economia do município de São José do Belmonte (PE) através de depoimentos de moradores e comerciantes locais. A festa é realizada tradicionalmente no último fim de semana de maio e transforma por três dias todo o cenário da cidade.



A reportagem pode ser assistida no canal do YouTube do MultiCiência:



Miscelânea: a continuação de um legado de amor pelo artesanato em couro

Foto: Laíse Ribeiro
Quando criança, eu costumava passar por uma rua e já, desde o início, sentia um forte cheiro e perguntava à minha mãe o que era. A resposta era sempre a mesma: “são sandálias de couro”. Nunca entramos naquela loja, mesmo eu pedindo muito uma sandália de couro. Curiosa, como toda criança é, eu queria ter uma também, já que sempre passava por ali. Nunca tive. Mas aquele cheiro nunca me saiu da cabeça.

Eis, então, que me surge numa sexta-feira, 31 de Maio de 2024, um momento de reconexão com aquela memória. O sol, característico do Sertão baiano, deu as caras ainda cedo. Saí para trabalhar em uma reportagem. Inicialmente, pautaria as lojas da Baixa dos Sapateiros, na cidade de Juazeiro, Bahia. Mal sabia que uma lembrança de infância mudaria os rumos daquele trabalho. 

Naquela paisagem da Baixa dos Sapateiros, há uma loja onde chinelos de couro são expostos na entrada e no interior dela, há bainhas de facão, selas, arreios, chocalhos para animais, chapéus e bolsas, também de couro. À primeira vista, logo na porta, há um senhor sentado em um banquinho de madeira. Ele observa a rua, os outros comerciantes e os possíveis clientes que passam e o cumprimentam. Aquele senhor e sua loja são bastante conhecidos por quem frequentemente passa por aquela rua. No intuito de apenas tomar as minhas notas jornalísticas, fui eu tomada por aquele mesmo cheiro dos meus tempos de criança, quando por aquela rua passava na companhia da minha mãe. Resolvi escutar o ímpeto de curiosa e finalmente entrei. Não era mais criança. Mas pela primeira vez, senti que finalmente poderia descobrir o que aquela loja guardava. Eu mal podia esperar pelo que estava por vir.
Foto: Laíse Ribeiro
Estava diante da primeira loja de artigos em couro da rua conhecida como Baixa dos Sapateiros, na cidade de Juazeiro, Bahia. Além da primeira loja, ela se destaca por ser a última daquele tipo em funcionamento na rua, resistindo ao tempo, às mudanças de espaço, advindas das reorganizações comerciais e a passagem de gerações. A loja não tem placa de identificação. É conhecida por um guarda sol verde, os chinelos de couro e o cheiro. Naquele dia eu descobri que ela tem nome. Ela se chama “Miscelânea”. 
                 

Foi esse o nome que “Seu Chiquinho”, como era conhecido, escolheu para sua loja, pioneira e referência em produtos em couro na região do Vale do São Francisco. O negócio familiar vem resistindo e atravessando gerações desde 1972, ano em que foi inaugurado. A loja é especializada em produtos artesanais e possuiu, por muitos anos, uma curadoria minuciosa feita por ele, na Feira de São Joaquim, localizada na capital baiana. “Ele começou a misturar, então colocou o nome de Miscelânea, porque não tinha só um produto. Tudo o que ele via de novidade trazia pra cá”, relata Josué, o então herdeiro do patrimônio .

Foto: Laíse Ribeiro 
O senhor simpático que avistei na porta não era Seu Chiquinho. Ele faleceu no ano de 2023, deixando um legado construído com muito amor pelo artesanato em couro, que agora pode ter continuidade através de seu filho, Josué Mendes. Após a perda do pai, Josué, que já não residia na cidade de Juazeiro, se viu diante de uma escolha: voltar para a cidade de em que havia construído uma nova vida e que precisou deixar para trás para voltar a Juazeiro e cuidar do pai em seus últimos dias ou continuar o legado da família e memória de seu pai através da continuação de seu trabalho em sua cidade natal, Juazeiro (BA). Josué então decidiu ficar. “Eu nasci nesse largo aqui, a gente morou aqui e aqui era o ponto da gente, desde criança”, conta Josué.

Josué, relata com muita clareza sobre os momentos vividos naquela loja, desde sua infância até o dia de hoje. Ele lembra de cada comerciante, vizinho, que ao longo dos anos foram se tornando amigos e família. “Tinha Leocádio com um minimercado, Antônio de Santana os cereais... Meu avô também era comerciante, minha família inteira, oriundos do Ceará e do Pernambuco”, relembra entusiasmado.

Laís Lino, fotógrafa e pesquisadora de acervo sobre a história do Vale do São Francisco, é uma das responsáveis pelo Acervo Maria Franca Pires, que documenta fatos e memórias importantes da cidade de Juazeiro. Ela conta entusiasmada parte da história daquela rua. “Havia ali a concentração de alfaiatarias e sapatarias, das lojas mais finas às mais populares, para todos os gostos e bolsos, além de lojas de produtos de couro. Vocação natural de Juazeiro, que desde meados dos anos de 1950/60 exportava couro. Por anos, a exportação de couro gerou desenvolvimento econômico e social; gerou renda e empregos para várias camadas da população”.

Laís era frequentadora assídua da Travessa Ribeiro, nome oficial da Baixa dos Sapateiros, e da Miscelânea. “Falar da loja e de Seu Chiquinho é mexer em baús de memórias, inclusive, a minha. Porque meu pai tinha uma relação de amizade com seu Chiquinho, além de ser cliente, então frequentávamos a loja. Todos nós, em algum momento, já compramos lá, seja para presentear, seja para uso pessoal. Todos nós temos um tio, tia, avó, prima que foi cliente. Ali, seu fundador tirava seu sustento e da sua família, e também mantinha funcionários”, relata a pesquisadora.


Seu Josué faz parte de um percentual de empresários que herdam os negócios de suas famílias e continuam a gestão. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em um estudo recente, 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar. Porém, segundo um estudo do Banco Mundial, só 30% dessas empresas sobrevivem até a 3ª geração. Diante desse desafio, Josué procura estar cada vez mais ativo nas atividades da loja, levando aquele empreendimento não só como sustento, mas como a continuação de um sonho, de um legado, de uma família. 


O filho dedicado escolheu fazer do sonho do pai o seu sonho. Segue tocando a loja mesmo em meio às dificuldades que norteiam a ideia de manter um empreendimento de artesanato em couro no mesmo ponto comercial por duas gerações, ainda que muitos dos companheiros comerciantes não tenham conseguido se manter na Baixa dos Sapateiros. A Miscelânea segue sendo espaço de continuação de um legado de amor pelo artesanato em couro, mas sobretudo uma importante contribuição histórica no que diz respeito as recordações de boa parte da história da cidade de Juazeiro, pois muito daquela rua e daquele espaço estão na memória do povo juazeirense como parte crucial para a cidade, mesmo estando pouco documentada nos livros, sites e acervos. Agora, essa história é recontada através da oralidade de quem fez parte e da documentação dessas memórias.
Foto: Laíse Ribeiro
Quem conhecia Seu Chiquinho e passa pela Miscelânea não pode deixar de notar a semelhança entre os dois. Não conheci o pai, mas ao ser apresentada a uma foto logo vi que são idênticos, não só no sonho e no amor pelo artesanato. Termino aquela tarde respirando leve e com a mente cheia de histórias novas e olhares para a vida. Estava guardando os equipamentos para ir embora e seu Josué me chamou para perguntar que número eu calçava. Respondi, 36. Ele então tirou da prateleira uma sandália de couro com listras amarelas, verdes e rosa e disse: “experimente”. Calcei a sandália e parecia que tinha sido feita com a forma dos meus pés. Quando tirei para devolver, ele disse: “é sua, pra você brincar São João”. Agradeci o presente, a sandália que sempre quis ter. Curioso que durante a entrevista não havia comentado sobre isso. 
Foto: Laíse Ribeiro
Seu Josué me conduziu até a porta, naquele gesto habitual de quem deseja que a visita volte outra vez. Foi então que pediu que aguardasse e sumiu para os fundos da loja. De lá, retornou com sorriso no rosto vestindo o chapéu que foi de seu pai. Em seus olhos transparecia o orgulho de ser e estar na Miscelânea. Em ser filho de seu pai. Agradeci a disponibilidade e a honra em contar parte de sua história. Cumprimentei e ele me disse: “sucesso, menina!” Agradeci, virei as costas e segui meu caminho. Ao olhar para trás, me deparei com Seu Josué na mesma posição que os populares comentam que seu pai costumava ficar. Seu Josué e a Miscelânea permanecem com os pés plantados ali, em meio ao seu monte de coisas, lembranças e um legado eterno.
Foto: Laíse Ribeiro

Por Laíse Ribeiro, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.


Mulheres em ação: empreendedorismo feminino transforma a vida das pessoas em Jaguarari (BA)


“Mulheres em ação” reunidas na antiga unidade (ano não localizado). Da esquerda para a direita: Marinalva Silva, Irene Lopes, Sandra Fernandes, Lúcia Fernandes, Elba Silva, Luizete Menezes e Cleide Menezes.
Foto: Arquivo pessoal de Irene Lopes.

Gameleira é uma árvore típica da Caatinga, associada à longevidade e a resistência. Na zona rural de Jaguarari (BA), essa árvore nomeia um pequeno distrito, onde há 23 anos atrás, um grupo de mulheres se reuniram para resistir à situação de extrema pobreza das suas famílias. O grupo, intitulado “Mulheres em ação”, que tem como marca “Delícias de Gameleira”, é uma iniciativa inovadora no local, que produz o beneficiamento e a venda de produtos derivados de frutas nativas como umbu, tamarindo, maracujá e acerola, dentro do prisma da economia solidária.

Doce feito com o carro-chefe do grupo: o umbu, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.


A fundação
Segundo Irene Lopes, 67 anos, fundadora da “Mulheres em ação”, a história do grupo perpassa por duas questões: a primeira tem relação com o trabalho realizado pela instituição financiadora italiana Amici Di Bambini (AiBi), que apoiava um projeto feito pela Associação Parceira das Crianças (Apac) no distrito de Gameleira, oferecendo reforço escolar para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica que moravam no povoado, em um prédio comunitário. Irene, que à época fazia parte dessa instituição, sentiu a necessidade de criar algo que beneficiasse as mães também, não somente as crianças e adolescentes, visto que o local tinha muitas pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza. A outra questão que a influenciou a tomar essa decisão foi um curso sobre Convivência com Semiárido e Economia Solidária, realizado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), em Juazeiro, no início do ano 2000. 

Foi através desse contato na formação do Irpaa, com esse desejo que já tinha, que o desejo de fundar um grupo de mulheres que trabalhassem com o beneficiamento de frutas, e gerasse renda na comunidade, foi começando a virar realidade”, aponta Irene.

Essa inquietação, motivada por tais fatores, a faz se reunir com colegas e criar, em 2002, um grupo, que ainda não tinha nome, mas um propósito: colocar as mulheres para agir, para ganhar seu próprio dinheiro, utilizando elementos da natureza local, como as frutas típicas da caatinga. Como ela queria empoderar essas mulheres, incentivá-las a agir, surge o nome “Mulheres em ação”.

As principais experiências
As “Mulheres em ação” começam a produzir na própria cozinha do prédio, onde a AiBi funcionava, pois não tinham sede própria, era tudo incipiente e informal. Como não tinham pomares, iam conseguindo as frutas por meio de doações dos moradores e as colhendo de seus próprios quintais. Com o passar dos anos e com muito trabalho, elas foram conquistando mais espaço na comunidade. 

Depois, elas firmaram uma parceria com a Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Gameleira, que as permitiu ter uma articulação maior e participar de formações oferecidas pelo Centro de Economia Solidária do Piemonte Norte do Itapicuru (CESOL), que atua na região e funciona em Senhor do Bonfim (BA), e pelo Instituto Federal Baiano, campus de Senhor do Bonfim, para aprender com mulheres de outros grupos. Assim, foram se organizando financeiramente e se constituindo como um grupo firme, que era o que Irene queria. “A minha ideia era formalizar tudo mesmo, para que a gente se organizasse e pudesse trabalhar melhor, aprendendo sempre, tendo esses apoios, que são importantes”, destaca ela.

O tempo foi passando e a falta de lucros individuais significativos — devido à questão da economia solidária, na qual os rendimentos são divididos —, fez com que algumas integrantes do grupo saíssem, ficando apenas as que mantinham o interesse principal, que era o pensar coletivo, dividindo tudo o que fosse ganho, na busca da independência financeira dessas mulheres e do crescimento do grupo. “Elas ficavam tristes e insatisfeitas com a demora em receber, e queriam mais dinheiro, o que não é o nosso foco principal no grupo”, afirma Valdenita Lima, que junto com Irene, fundou o “Mulheres em ação”.

Mas, a saída de mais de 90% das mulheres que chegaram a compor o grupo não foi algo que desmotivou as que ficaram, pelo contrário: as fez trabalhar ainda mais. Nesses mais de 20 anos de existência, diversas experiências foram vividas, e muito aprendizado foi adquirido, como, por exemplo, as formações de produção dos materiais, ou sobre a economia solidária e gestão de negócios, que Irene participou em outros estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, e as lutas para conseguir a unidade fixa. Além disso, dezenas de famílias foram beneficiadas com as ações do grupo, na renda, sobretudo. Embora não sejam valores altos arrecadados, a iniciativa contribui para o sustento de famílias. 

Desafios
Atualmente, mesmo depois de se consolidarem como um grupo que consegue se manter financeiramente e que se destaca na região, um dos maiores desafios é fazer com que as pessoas do próprio distrito de Gameleira consumam os produtos por elas produzidos, o que não ocorre como deveria ser, na visão delas. “O pessoal aqui não valoriza, a gente vende muito para fora, nas feiras e tal, em outras cidades, mas aqui os produtos não são tão procurados, infelizmente”, lamenta Valdenita.

Para Bernadete Lopes, que mora no local, o trabalho das mulheres é essencial, leva o nome da comunidade para fora e gera renda através do comércio de produtos com muita qualidade. “”Eu acho muito importante e potente o trabalho delas, elas conseguem fazer bem o trabalho, os produtos são ótimos, feitos sem agrotóxicos, e representam a comunidade Brasil afora”, afirma Bernadete.

O grupo hoje
Depois de anos funcionando no prédio comunitário que funcionou a AiBi, de lutas e articulações políticas com a associação local, as “Mulheres em ação” conseguem uma sede própria, uma unidade de beneficiamento de frutas, com o maquinário para a continuação e melhoramento dos produtos, que passa a funcionar na Rua do Sisal, no povoado de sua fundação - Gameleira, por meio do projeto Bahia Produtiva — iniciativa do Governo da Bahia, executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural – (SDR), a partir de um Acordo de Empréstimo firmado entre o Estado e o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial). Para elas, essa conquista foi um passo muito importante, que faz a luta valer. 

Unidade de beneficiamento de frutas Maria Gorette dos Santos e Santos, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.


Parte do interior da Unidade de beneficiamento de frutas, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.

No entanto, apesar dos benefícios que a unidade trouxe para o grupo, elas dizem que há muitas dificuldades ao exercício do trabalho diário no local: falta de formações técnicas para manusear corretamente as máquinas, alguns materiais foram entregues sem que elas pedissem, e outros, solicitados, não foram entregues, ausência de equipamentos de proteção individual (EPI’s) básicos, o que precisa ser resolvido.
“Faltam muitas coisas ainda para a gente aqui, nós estamos precisando de uma atenção maior por parte do governo, das entidades que nos entregaram a unidade de beneficiamento, porque não é só entregar e deixar pra lá. Nós queríamos fazer muito mais, mas com todas essas dificuldades, é impossível no momento, e é triste, porque nós fazemos isso a tanto tempo”, conclui Irene, aflita.
Atualmente, cinco mulheres compõem o grupo, que já chegou a ter 30 integrantes. Como o mercado ainda é pequeno, as vendas mais consistentes dos produtos — compotas, geléias, doces e outros — são realizadas em Feiras de Economia Solidária da região, seja em Jaguarari ou em cidades próximas, como Senhor do Bonfim, Juazeiro, Pindobaçu, Campo Formoso e Jacobina, como o Ecofestival do Café da Serra dos Morgados, e o Festival de Inverno — ambos de Jaguarari —, que ocorrem periodicamente.

O grupo na II Feira da Economia Solidária de Jaguarari, 2023. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.

Mesmo com uma quantidade pequena de mulheres, com a desvalorização vivida no próprio local de funcionamento e com as dificuldades para se manter funcionando, o grupo consegue desenvolver um trabalho que, além de gerar renda, orgulha e inspira outras mulheres de Gameleira a agir, resistir e a se empoderar, pensando no coletivo e na relação equilibrada com a natureza. “É uma coisa que a gente faz porque é da nossa natureza. Eu e as outras trabalhamos por amor, o dinheiro quando chega é bom, mas eu faço por amor. Se chegar a não ter rendimento, não vamos deixar de trabalhar. Esse grupo faz parte da minha vida, de quem eu sou”, conclui Valdenita, emocionada.

Por Beatriz Menezes, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.








Artistas de “Óbvio - Kuey & Godóia” conversam com o Multiciência

Os artistas Coelhão Assis e Odomaria Macedo conversaram com o MultiCiência sobre seu espetáculo, o show “Óbvio - Kuey & Godóia”, falaram um pouco da história da dupla e projetos futuros. O espetáculo realizado neste sábado (31), no Teatro Dona Amélia, em Petrolina(PE), conta um pouco sobre a história e cultura de Juazeiro(BA) e o Vale do São Francisco e é um desdobramento de um projeto maior que ambos participaram juntos na década de 1970 - o grupo de artes e música chamado Êxodus de Artes.


Multiciência: Como vocês se conheceram e decidiram trabalhar juntos?

Coelhão: A gente se aproximou em Salvador, eu cursava Engenharia Civil e Odomaria cursava história, ambos na Universidade Federal da Bahia.

Odomaria: Nós dois participamos de teatro na época e nesse ambiente criativo nossa amizade foi se construindo.

Coelhão: E o primeiro trabalho juntos, começamos justamente a ensaiar lá, em Salvador ainda. Houve uma roteirização de uma apresentação que intitulamos de “Fragmentos”. A primeira apresentação foi aqui em Juazeiro, que contou com Mauriçola, Odomaria e Expeditinho Poeta e o grupo Êxodus, fazendo o fundo musical.

Odomaria: E a partir disso, continuamos a nos encontrar e trabalhar juntos.

Multiciência: Como surgiu a ideia do show?

Coelhão: A gente vem trabalhando nesse projeto voltado para o universo do grupo Êxodus, que existiu lá na década de 1970. Então, o Indivíduo Coletivo, que é capitaneado por Eneida Trindade e Moésio Belfort, nos fez o convite para apresentar o show no projeto deles o “Canta Baixinho”, que era realizado no Centro de Cultura João Gilberto, um show musical com músicas autorais, que é exatamente o cerne do projeto deles.

Odomaria: O nome do show é o meu apelido e o de Coelhão, que foram definidos pelo meu primeiro marido, que era membro da turma e que fazia parte do grupo Êxodus. Ele apelidava Coelhão de Kuey e Godóia pra mim.

Coelhão: E o primeiro trabalho juntos, começamos justamente a ensaiar lá, em Salvador ainda. Houve uma roteirização de uma apresentação que intitulamos de “Fragmentos”. A primeira apresentação foi aqui em Juazeiro, que contou com Mauriçola, Odomaria e Expeditinho Poeta e o grupo Êxodus, fazendo o fundo musical.

Odomaria: E a partir disso, continuamos a nos encontrar e trabalhar juntos.

Multiciência: Como surgiu a ideia do show?

Coelhão: A gente vem trabalhando nesse projeto voltado para o universo do grupo Êxodus, que existiu lá na década de 1970. Então, o Indivíduo Coletivo, que é capitaneado por Eneida Trindade e Moésio Belfort, nos fez o convite para apresentar o show no projeto deles o “Canta Baixinho”, que era realizado no Centro de Cultura João Gilberto, um show musical com músicas autorais, que é exatamente o cerne do projeto deles.

Odomaria: O nome do show é o meu apelido e o de Coelhão, que foram definidos pelo meu primeiro marido, que era membro da turma e que fazia parte do grupo Êxodus. Ele apelidava Coelhão de Kuey e Godóia pra mim.

Coelhão: E aí esse escopo foi o que nos fez apresentar esse título, Kuey e Godóia.

Odomaria: E a palavra “óbvio” como título, não caiu do nada, ela veio de um poema que faz parte do repertório das músicas que nós estaremos apresentando. É uma palavra forte, óbvio, que, no poema, é uma marcação constante no texto de exaltação à ciência, à filosofia, às artes, à resistência, que é muito assinalado com esse poder do que é óbvio. E essa palavra é repetida como uma força que nos conduz, então é um poema que, na verdade, é um texto de filosofia bem interessante.

Multiciência: O show “Óbvio” é descrito como uma viagem atemporal dos anos 1970 até 2025. Como vocês construíram essa narrativa no palco?

Coelhão: Antes do “Show Óbvio”, a gente vem trabalhando com esse repertório, para fazer mais adiante, um outro trabalho voltado exclusivamente para essa pesquisa. Quando nós fomos convidados para fazer o “Canta Baixinho”, fomos coletar e pesquisar de onde surgiu a raiz do projeto, o grupo Êxodus, e trazemos um conjunto de músicas de vários autores dessa turma e mesclamos com algumas produções minhas.

Odomaria: O “Óbvio” é um show mais focado na produção autoral de Coelhão como um membro do grupo Êxodus, e com esse anúncio do que virá depois, que é um conjunto de músicas produzidas exatamente daquele coletivo, criações de artistas que conviveram nos anos 1970, adaptando para a atualidade, acaba trazendo essa viagem atemporal.

Multiciência: Qual é a principal mensagem ou provocação que o espectáculo deseja transmitir para o público?

Coelhão: Nós temos, dentro desse trabalho conjunto, o entendimento que esse repertório do grupo Êxodus é muito rico e precioso, e não pode ser esquecido lá atrás. Naquela época, a gente tinha influência da Bossa Nova, da Tropicália, dos Novos Baianos com aquela força total, então achamos que essa potência precisa ser trazida para o momento atual.

Odomaria: Nas outras três edições do show, os ambientes não nos permitiam um desenvolvimento cênico, mas quando a proposta surgiu para fazermos em um palco, um teatro, entendemos que precisávamos de outra formação para ocupar aquele espaço do palco, e que necessitava uma movimentação cênica e que isso de alguma forma se relacionasse com o roteiro e as canções, e que relacionasse à poética que estava exposta na canção.

Multiciência: O que o público pode esperar de seus futuros projetos após o encerramento do show “Óbvio”?

Coelhão: O que se pode esperar é essa proposta de uma apresentação sobre o repertório de músicas que estamos trabalhando e pesquisando, e anunciamos esse repertório nesse show “Óbvio”. Nós traremos a seguir um projeto mais adiante, que está em andamento.

Foto: Gabriel Matos

Por Anne Carvalho e Gabriel Matos, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradores do MultiCiência.


Protocolos de avaliação ambiental mostram níveis de preservação variados dentro da Uneb Juazeiro

Foto: Letícia Duarte / NAC


Com o objetivo de preservar o bioma da caatinga dentro do campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro, a instituição adotou o Protocolo de Avaliação Rápida (PAR), que consiste em um método de verificação de integridade ambiental que utiliza uma abordagem qualitativa com a finalidade de auxiliar no monitoramento da qualidade da área selecionada, visando a conservação da região. Por ser interdisciplinar, pode ser aplicado por profissionais do setor ambiental, gestores, estudantes e, ainda, comunidades locais.
O PAR é uma ferramenta de baixo custo e pode passar por adaptações conforme os contextos e necessidades observadas. Contudo, a importância desse tipo de diagnóstico é um dos pontos que precisa ser discutido dentro e fora da comunidade acadêmica para que a conservação ambiental, principalmente no local, seja trabalhada de maneira mais eficaz.

Segundo Rosangela Botelho, geógrafa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Rio de Janeiro, a avaliação possui níveis de integridade que podem ir do ruim ao ótimo e a partir dos resultados obtidos é possível identificar quais elementos estão com notas baixas e intervir. A perda da integridade tem ligação com a presença do ser humano no ambiente."A trilha não é um elemento natural dentro de uma área protegida e, com isso, o ambiente começa a sofrer os impactos causados pela atividade humana”, explica a geógrafa.

Foto: Letícia Duarte / NAC

Dentro do perímetro do Campus III da UNEB, as classes de integridade variam de ruins a boas nas trilhas e lagoas presentes no terreno. A professora Luzineide Dourado, coordenadora do projeto CONVIVERDE - Programa de Redes Ambientais na cidade de Juazeiro/BA - comenta que o PAR foi aplicado pela primeira vez na trilha José Theodomiro de Araújo, onde foram identificados vários trechos da trilha em situações muito ruins, enquanto outros estavam bons.

Foto: Letícia Duarte / NAC
A partir de diagnósticos como o PAR, a preservação ambiental de cidades e áreas verdes ganham mais visibilidade e servem como sinal de alerta sobre os prejuízos que ações humanas podem causar para o ecossistema. O conhecimento produzido dentro da universidade pode mudar a relação da população com a zona em que vive. O professor Lindemberg Almeida realizou o PAR Áreas Verdes Escolares - metodologia de diagnóstico ambiental escolar - que destaca a importância de manter o verde nativo vivo na educação. “Dentro da universidade surgem as possibilidades com o olhar voltado para a educação que pensa o local, semiárido, o chão que pisa. A escola não pode ficar alheia.”, destaca.


Para Rubens Carvalho, docente do curso de Engenharia Agronômica na UNEB, “esse é um dos protocolos de avaliações que a gente tem informações importantes para preservar e conservar de forma atenuada no presente, mas bem acentuada no futuro. Trazendo para o cotidiano acadêmico é onde vamos conseguir conduzir a nossa visão ambiental”, ressaltou.

Por Aylla Bomfim, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.