26 maio 2023

Sintoma de ansiedade cresce entre universitários

Estudante do terceiro período do curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro, Laila Michele afirma que a parte do seu dia em que se sente mais ansiosa é quando precisa ir à faculdade. Três dias por semana, Laila enfrenta esse problema de se sentir mal em um ambiente que deveria acolher.

Assim como acontece com Laila, os transtornos de ansiedade têm afetado o corpo acadêmico das universidades brasileiras. Estudo realizado pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes) em 2018 mostra que 80% dos estudantes de cursos superiores no Brasil sofrem com crises mais sérias da doença.

Estudante de Jornalismo, Laila Michele.

A ansiedade é um problema que deve ser visto com mais atenção pela comunidade acadêmica. O transtorno pode dificultar a vida acadêmica de vários estudantes assim como atrapalhou a de Laila. Ela revela que, quando cursava o segundo período, percebeu uma redução no rendimento escolar. “No semestre anterior, pagava seis disciplinas e fui reprovada em três. A ansiedade me afetava bastante”.

Sintomas de ansiedade podem levar a dificuldade de concentração, e levar os alunos a ter aproveitamento de aprendizado pouco satisfatório. “Tento fazer tudo de uma vez. Isso me atrapalha. Querer fazer tudo o mais rápido possível me afeta”, conta Laila.

Além de afetar os resultados nos estudos, a ansiedade pode levar os estudantes a querer desistir do curso. Aluna do quarto período de Jornalismo em Multimeios na UNEB, Roseane Santos lembra como quase chegou à decisão de interromper seu sonho de se tornar jornalista. “Quando cheguei ao terceiro período da faculdade de jornalismo, me senti um barco afundando, queria desistir”.

Psicóloga e professora, Clara Maria, esclarece sobre
fatores geradores de situação de ansiedade
   
Psicóloga, pedagoga, doutoranda em Psicologia e professora do curso de Pedagogia da UNEB, Clara Maria Miranda de Souza aponta que fatores externos à vida estudantil também pode ser fatores geradores de situações de ansiedade. “Há fatores de cunho pessoal, econômico e social que afetam os estudantes”. Além disso, os vários papéis sociais exercidos pelas pessoas geram reações diferentes no corpo e mente de cada indivíduo. “Claro que sempre há um agravamento, por exemplo, com um estudante que passa por um problema alimentar, que tem dificuldade de pagar o aluguel”. Para saber mais sobre o contexto da saúde mental, leia entrevista de Clara de Souza que aborda o cuidado de si  entre professores e alunos, neste link.

Relações Interpessoais

A forma como cada pessoa interage e desenvolve as relações interpessoais também pode levar a percepção de que são fatores desencadeadores da ansiedade. Para Roseane, esse é um dos pontos mais sensíveis. "Meu relacionamento com as pessoas também me causa ansiedade. Na verdade, essa é a maior causa. Eu dependo muito do jeito que as pessoas me tratam para ficar bem”, declara Roseane.

Roseane Santos pensou em desistir do curso 
    
Ter pessoas que incentivam e dão apoio é fator importante para amenizar sintomas de ansiedade e fazer com que os estudantes tomem decisões a respeito de sua vida. “Se não fosse o apoio dos meus amigos, professores e família, eu teria abandonado o curso. Graças a Deus, eu não abandonei, consegui conciliar meus pensamentos negativos com a faculdade”.

Roseane revela que não possui preocupações em relação aos trabalhos acadêmicos e apenas exercícios mais complexos a deixam nervosa. “Caso haja um trabalho que me dê dor de cabeça, um artigo ou qualquer coisa, aí fico preocupada”.

Mas, nem sempre as pessoas encontram esse tipo de apoio para conseguir viver melhor. Laila comenta que nem sempre sua família a compreendeu da melhor forma. “No começo, foi difícil, minha família não aceitava. Achava que não precisava de tratamento”. Além da questão familiar que só foi resolvida com o passar do tempo, houve também a percepção de um preconceito social. “As pessoas não entendem e isso dificulta nosso tratamento. Acham que é frescura, que fazemos porque queremos”.

Agravamento dos Casos na Pandemia de Covid-19

O estudo “Ansiedade, depressão e estresse em estudantes universitários: o impacto da COVID-19”, realizado pelos pesquisadores Berta Rodrigues Maia e Paulo César Dias, publicado na revista do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC - Campinas), mostrou que os estudantes que participaram das atividades universitárias durante o período pandêmico apresentaram níveis significativamente mais elevados de depressão, ansiedade e estresse em relação a aqueles que cursaram o ensino superior antes da Covid-19.

Professor do curso de Jornalismo em Multimeios da Uneb e do Programa de Pós-graduação Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGSA), João José de Santana Borges afirma que, durante as aulas remotas no período de pandemia, o quadro de ansiedade cresceu de forma perceptível entre seus alunos. A imprevisibilidade do momento e como a instituição precisou resolver para conseguir conviver naquele contexto foram também geradores de ansiedade, segundo o professor.

Para além das questões trazidas pela Covid-19, João José avalia que outros fatores podem levar ao agravamento da saúde mental entre os estudantes de cursos superiores. O professor avalia como um processo de alienação o que acontece com os universitários. “É uma alienação de si mesmo, de suas condições, em prol de uma artificialidade gerada pela própria compulsão que a vida acadêmica produz”.

João José aponta a dissociação dos sujeitos como ato de alienação  
   
Os estudantes parecem perder o poder de reflexão sobre sua subjetividade, sobre seus corpos e sobre suas experiências. “A academia tende a dissociar os sujeitos. São indivíduos que vivem para prazos, para produzir uma objetividade incessante e, no entanto, não se veem nesse processo”, reflete João José.

É preciso olhar o cenário da ansiedade de maneira integral, não apenas na universidade. É necessário observar como as pessoas agem fora do meio acadêmico. A professora Clara Maria explica sobre cultura de excelência criada nas faculdades e como é fundamental buscar flexibilidade no processo. “A universidade, acaba muitas vezes, sinalizando a partir de professores, das teorias, sobre a alta performance. Isso significa que a gente tem que ser o melhor, tem que fazer o melhor, tem que fazer sempre mais. Mas é preciso ter um equilíbrio nas questões relacionadas a cobrança e auto cobrança".

Clara esclarece sobre o conceito de sociedade do desempenho do escritor coreano Byung-Chul Han que é apresentado no livro Sociedade do Cansaço. A sociedade do desempenho se apresenta na necessidade de fazer cada vez mais, de produzir sempre mais. “No caso dos estudantes, quanto mais estudo, mais preciso estudar. Tenho que deixar de sair no final de semana para estudar. Preciso deixar de lado algumas relações para me dedicar a faculdade”.

Esses fatores que geram ansiedade e atrapalham o rendimento entre os alunos são perceptíveis para os professores. O professor João José assegura que percebe a diferença de aprendizado entre os alunos que possuem e não possuem quadros generalizados de ansiedade. “Quem administra sua ansiedade consegue produzir mais, escrever melhor, se dedicar a uma leitura”.

Para ajudar os universitários com quadros mais graves de ansiedade a lidarem com seus problemas, Clara Maria busca promover um ambiente acolhedor e seguro. “Como trabalho com a formação de professores, compreendo que este deve ser um espaço de cuidado, um espaço para falar e narrar sobre si”. Ela compreende que, à medida que os universitários tomem ciência dos processos de cuidado durante a formação, isso pode ajudar quando estiverem nos meios profissionais.

Por conta do campus de Juazeiro não possuir atendimento psicológico especializado, Clara Maria ressalta a necessidade de lutar pela conquista de um núcleo de profissionais voltados apenas para o atendimento psicológico dos universitários, professores e funcionários da instituição. A identificação de alunos que precisam de uma atenção maior para lidar com seus problemas psicológicos pode acontecer nas aulas. Nesses espaços, pode ser feito um plano de acolhimento e passadas as devidas instruções para o universitário buscar ajuda.

O professor João José concorda com as alunas Roseane e Laila quanto a precariedade do fornecimento de recursos por parte da universidade. Antes da pandemia existia o projeto chamado Saúde e Vida, mas que foi completamente desativado durante a Covid-19. Atualmente, o professor reitera que o campus não oferece nenhum tipo de recurso. “Não temos algo sistemático, institucionalizado, não temos um lugar de acolhimento”.

Necessidade de Atividades Culturais 

Para o professor do curso de Pedagogia há 30 anos e vice-diretor do DCHII/UNEB, Josemar Martins, a universidade sempre buscou criar um ambiente acolhedor para alunos e profissionais. Para formular algo oficial, o campus tem discutido a implementação de um serviço de assistência psicológica, contudo, o projeto é embrionário. “Este é o momento onde há mais casos de ansiedade e depressão. Nós estamos numa universidade pública que lida com um conjunto de precariedades. A gente vem forçando a universidade a criar esses amparos”.

Professor Josemar Marrtins defende uma politica ligada à questão cultural

Um dos aliados na luta contra os transtornos de ansiedade são atividades recreativas, que ajudam a reduzir o estresse como atrações culturais, atividades esportivas e afins. “Temos atividades recreativas, mas são poucas. Precisamos de uma política ligada à questão cultural. As atividades esportivas no campus são praticamente zeradas. Agora temos um coral, que é um espaço interessante, mas ainda é pouco”.

O excesso de trabalho é um dos fatores causadores de estresse e que podem levar as pessoas a desenvolverem problemas psicológicos. Para Josemar, o campus tem se especializado em inventar trabalho para professores e alunos. Essa criação de atividades de forma exagerada prejudica tanto o rendimento dos docentes, quanto o dos discentes.

“No curso de pedagogia, nós criamos um projeto chamado núcleo de aprofundamento. Essa atividade obriga todos a vim para cá aos sábados. Nem alunos, nem professores gostam de estar na faculdade aos sábados, no entanto, o projeto segue”, declara.

Uma saída para acolher melhor os alunos com problemas psicológicos seria a instalação de um serviço dedicado a ajudá-los. “Precisamos de um projeto que se dedique a diagnosticar os problemas dos alunos. Nem sempre esses problemas são gerados aqui, mas eles aparecem aqui e temos que lidar com isso”.

Programa Dois Altos

Apesar da UNEB possuir o “Dois Altos”, que é um sistema de escuta e acolhimento psicológico, o programa não consiste em ações de psicoterapia e funciona apenas de forma remota. Roseane relembra que, ao pensar em desistir do curso, não teve uma assistência institucional. “Se fosse pela UNEB, eu teria desistido, porque não tem um programa de apoio psicológico”.

Laila também afirma que não sente que a universidade acolhe da forma correta, mas acrescenta que a boa vontade de alguns professores em entender seus problemas é essencial para seguir na vida academia. “Vejo que alguns professores conseguem compreender. Eles realmente nos acolhem, conseguem entender o nosso lado e até nos ajudar.  Mas, nem todos compreendem”, declara.

Experiência da Univasf 

A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) oferece aos seus alunos, por meio da Pró-reitoria de Ensino (Proen), um programa de suporte psicológico. O campus sede, em Petrolina, e o de Senhor do Bonfim, contam com o programa de cuidado à saúde mental dos discentes, possui psicólogos formados e que trabalham na instituição com essa única função.

Psicólogo e supervisor do projeto de suporte à saúde mental dos estudantes da Univasf em Senhor do Bonfim, Diego Ximenes, explica quais os sintomas mais comuns entre os universitários atendidos diariamente por ele: nervosismo antes de começar a aula, taquicardia, esquecimentos diante de avaliações, cansaço mental, irritabilidade e insônia, dentre outros sintomas físicos.

O psicólogo exemplifica como funciona o sistema de cuidado dos alunos. “A gente tem escutas individualizadas para estudantes em situação de ansiedade. Geralmente aparecem aqueles que estão no fim do curso, em fase de TCC, no início do ensino superior e possuem dificuldades de adaptação ou quem está com dificuldades em seminários e provas”.

Além das escutas no acompanhamento psicológico, o projeto oferece outras ações que ajudam a reduzir a carga de estresse e ansiedade entre os universitários. São organizadas campanhas, palestras e oficinas voltadas para temas ligados à saúde mental. Um dos últimos trabalhos realizados foi pensado para apresentação do TCC. O núcleo de atenção observou que a apresentação do trabalho de conclusão era geradora de uma carga ansiosa muito grande, com isso foi feita uma ação pontual sobre o assunto.

Laila, que está em menos da metade do curso – Jornalismo em Multimeios tem a duração de nove períodos – relatou à equipe de reportagem que pensar no seu trabalho de conclusão de curso causa desassossego. Com lágrimas nos olhos e voz embargada, ela expõe que refletir sobre o TCC é uma tarefa dolorosa. "Tenho medo de não conseguir dar conta. É um tema complexo, não me sinto capaz de concluir. Mas não é somente sobre o TCC, em muitas atividades acadêmicas eu sinto essa insegurança".

O psicólogo Diogo Ximenes destaca que muitos estudantes enfrentam problemas de adaptação ao chegar no ensino superior. “A adaptação à vida universitária é difícil, principalmente entre estudantes que saem do ensino médio e ingressam direto”. Esse processo adaptativo é ainda mais complicado entre jovens que precisam mudar de cidade para entrar na faculdade. Ficar longe da família e amigos, pode gerar estresse, insegurança e influenciar na autoestima.

Reportagem para a Série Acessibilidade para Além das Barreiras: a Luta por Direitos realizada por Levi da Silva Varjão para Agência MultiCiência