14 junho 2023

Natalia Levien Leal: Desinformação é multifacetada e multissetorial, é um “fenômeno por si”

No cenário de disseminação de mensagens instantâneas pelas plataformas, verdade e mentira se tornaram termos e antônimos complexos,  havendo dificuldade para criar diferenciação entre elas. Atualmente, considerar  algo como “mentira” é tornar superficial a discussão do que é falso ou real, pois envolve conjunto de valores, crenças que são disseminadas por grupos interessados. Um meio pode desinformar quem o consome, até mesmo um texto com formato jornalístico, pois uma informação  pode circular descontextualizada ou incompleta pela falta de apuração do acontecimento.

Para a jornalista e CEO da Agência Lupa, Natalia Levien Leal, a desinformação é um complexo estruturado, como também pode ser um fenômeno singular. Para a jornalista, a desinformação é multifacetada e multissetorial, então não existe uma causa única ou específica. Nesse sentido, Natália entende o processo como um fenômeno que “reflete muitos outros aspectos, mas um fenômeno por si”. 

Para evitar a disseminação de informações falsas, o Congresso Nacional colocou em tramitação em maio desse ano o Projeto de Lei 2.630 de 2020, mais conhecido como PL das Fake News. 


Natalia Levien Leal é jornalista e CEO da Agência Lupa
Foto: Amanda Rodrigues


Em março de 2022, o presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, escreveu um artigo sobre o PL das Fake News no blog do Google Brasil. Nesse texto, ele explica a posição da empresa sobre o projeto de lei e afirma que o PL "pode facilitar a ação de pessoas que querem disseminar desinformação, pode tornar mais difícil que veículos de comunicação de todo o país alcancem seus leitores e pode tornar nossos produtos e serviços (do Google) menos úteis e menos seguros para os milhões de brasileiros e empresas que os usam todos os dias." Além disso, a própria empresa exibiu no mês passado, em sua página principal e em outros aplicativos, uma mensagem sobre a confusão que o projeto de lei pode trazer na questão da divulgação de definir o que seja falso ou verdadeiro na disseminação de informação.

A jornalista e coordenadora da produção de conteúdo da agência de checagem de informação Lupa conversou com a Equipe Multiciência sobre a complexidade entre os espectros de falso e verdadeiro contidos em uma informação não verificada e sobre o Projeto de Lei 2.630 de 2020, mais conhecido como PL das Fake News.

CEO da Lupa desde 2017, Natália participou do debate Combate à desinformação: reflexões sobre o papel do jornalismo, na última terça-feira (06), no qual apresentou aos alunos da Universidade do Estado da Bahia, campus Juazeiro, aspectos da desinformação e o trabalho da Agência Lupa na checagem das informações.

Para saber mais sobre desinformação, leia a entrevista realizada por João Pedro Tinel e Laíse Ribeiro.

Multiciência: Qual é o limite da interferência das grandes empresas do segmento de plataformas digitais sobre o Projeto de Lei? 

Natália Leal (NL):  Precisamos entender que as grandes empresas trabalham com a economia da atenção, ou seja, quanto mais tempo as pessoas utilizam a plataforma melhor e mais lucro para as empresas. Nós, jornalistas, estamos dentro desse ecossistema, trabalhamos dentro das plataformas, e os veículos de informação não têm campanhas suficientes de acesso ao próprio site.  Acho esse cenário extremamente nocivo.  O Google mente ao dizer que vai existir um grande impacto na perspectiva dos pequenos negócios, já que eles controlam a indústria a partir do dinheiro que eles investem. Ceder a esse tipo de abordagem é fazer um jornalismo pior e por isso eles devem ter um compromisso, porque as plataformas são as novas praças públicas onde podemos ter liberdade de expressão garantida. Não é, porque são empresas ditadas por interesses individuais e com zero transparência sobre algoritmos, que elas não podem agir com premissas que permitam interferir dentro do ecossistema do jornalismo.

MultiCiência: Caso haja a aprovação do projeto de lei, as agências de checagem se tornariam obsoletas ou se fortaleceriam como instrumentos da manutenção e fiscalização da lei?

NL: As agências iriam se fortalecer, mas não com o objetivo de ser um órgão validador de qualquer legislação. Esse trabalho está fora das atribuições da imprensa, é uma questão resolvida pela regulamentação da lei. Continuaremos fazendo um jornalismo de investigação da desinformação e do monitoramento dela e como ela impacta a vida das pessoas, mas sem a intenção de ser um órgão fiscalizador.

MultiCiência: No site da agência existem textos de sua autoria sobre política e, de certa forma, você acompanhou o crescimento da direita e da extrema-direita na política brasileira desde 2017, assim como o maior personagem dessa jornada, o ex-presidente Jair Bolsonaro. No PL das Fake News, é possível enxergar uma contradição: a imunidade parlamentar. Esse dispositivo constitucional impediria que políticos respondessem por crimes comuns em decorrência de seus discursos e opiniões expostas em plenários ou compartilhadas nas plataformas digitais, sendo somente possível, serem processados pelo Supremo Tribunal Federal. Se aprovada, quais seriam os desafios de checagem e verificação das informações e declarações políticas? Ainda existiria eficácia na denúncia?

NL: Acredito que sim, a nossa denúncia não está voltada a punição do parlamentar, mas sim para a qualificação do debate público e empoderamento da audiência. A Lupa não vai denunciar alguma informação para criar um ranking de mentirosos. O nosso objetivo é entregar informações verdadeiras para as pessoas, e que isso possa ajudar a elas tomarem decisões no dia a dia, seja seu voto ou vacinar o filho.

MultiCiência: O Google e contrários a PL trazem uma visão pessimista sobre a remuneração e circulação do jornalismo e dos jornalistas, já Associações Brasileiras de comunicação, imprensa e emissoras, assim como apoiadores observam como uma valorização do jornalismo e abertura de espaço para o jornalismo independente. 
Na sua visão, o que é preciso fazer para valorizar o jornalismo e o profissional da área?

NL: O cenário atual do jornalismo independente é o melhor que já vimos no Brasil, a sua sustentabilidade tem se provado. Já a questão da remuneração no PL é controversa e só vai funcionar com uma transparência absoluta, no mesmo peso para a empresas grandes e para empresas pequenas. Temos uma experiência na Austrália, que teve um investimento maior das big techs, mas isso favoreceu empresas grandes, com contratos com pouquíssima transparência. A gente não sabe exatamente para onde foi esse dinheiro e isso atrapalha a valorização do jornalista. Então, atrelar a ideia de remuneração do jornalismo, dentro de uma perspectiva das plataformas e valorização do jornalista, para mim, é uma premissa falsa.

Natália discute aspectos da desinformação
Foto: Amanda Rodrigues

MultiCiência: É possível observar no Instagram da Lupa, posts de verificação que desmentem informações falsas, a imagem mentirosa vem sempre e somente depois da verdadeira. Qual seria a estratégia que vocês usam para esse tipo de post na agência? É no sentido de fixar o público que aquele conteúdo é falso?

NL: É realmente uma estrutura que privilegia a informação verdadeira. A gente apresenta a informação falsa de maneira editada para que ela não seja reproduzida novamente, mas que possa ser reconhecida por quem está consumindo. A pessoa pode não ter prestado atenção à informação, mas manteve a memória visual daquilo, então a imagem aparecendo no segundo card, faz quem está consumindo conectar e interpretar aquilo como falso.

Entrevista realizada por João Pedro Tinel e Laise Ribeiro cedida à Agência Multiciência.