Nós não fazemos esse cinema industrializado, nós procuramos fazer um cinema educativo"

. 21 outubro 2009

Com esta afirmação, o roteirista e diretor de cinema, Hertz Félix, defende que o artista cumpre uma função de educador. Conhecido pela sua contribuição para os segmentos do teatro e o cinema na região, Hertz acredita que não se deve fazer “arte pela arte”, mas o ator deve se comprometer com a educação, pois a arte vai muito além da estética, do artístico. Responsável por várias adaptações de obras literárias para o campo audiovisual, como o filme Açúcar Amargo, adaptado e dirigido por ele, este ano fez o espetáculo que tratou sobre a transposição do Rio São Francisco, fazendo uma analogia à vida, morte e ressurreição de Cristo. Em entrevista as graduandas de Jornalismo em Multimeios Nilzete Brito e Meg Macedo, do Jornal Mural Repórter, Hertz comenta sobre a importância das produções culturais na formação dos cidadãos e na capacidade de transformar o mundo.

Jornal Mural Repórter: Como é fazer cinema regional?
Hertz Félix: É muito gratificante trabalhar com as pessoas e cenários da região, a gente grava numa casa de farinha que está abandonada e de repente incentiva o dono da casa de farinha a voltar a produzir. Isso para nós é uma grande vitória. Buscar atores num povoado desses e vesti-los como personagens faz com que se sintam valorizados de tal maneira que eles voltam a fazer as coisas que faziam antes, voltam a trabalhar. Esse não é um tipo de cinema que paga para eles. O filme Açúcar Amargo teve a participação de muitas crianças, e eu pensei como eu posso fazer um filme sobre a erradicação do trabalho infantil, se eu estou colocando crianças para trabalhar? Então, entrei em contato com a editora Ática e nós entramos num acordo, decidimos que as escolas onde essas crianças estudavam receberiam livros, como uma forma de fazer uma contrapartida. Nós não fazemos cinema industrializado, nós procuramos fazer um cinema educativo.

JM: Seus filmes tratam de temáticas sociais, na sua avaliação, qual a importância desses filmes para a sociedade?
HF: No filme Açúcar Amargo, mostramos o trabalho de crianças nas pedreiras, em carvoarias. Filmar no lixão de Juazeiro foi a experiência mais dolorosa que eu já tive, nunca vi tamanha degradação do ser humano. Euclides da Cunha disse que o nordestino é antes de tudo um forte, hoje a realidade nos diz que o nordestino é antes de tudo um sobrevivente, é um herói. É uma situação desumana, parece que não existe sociedade, que não existe poder público. Procuro fazer algo para mudar isso, mas é uma dificuldade enorme desenvolver um trabalho social porque não há investimento.

JM: Qual é a relação da transposição do Rio São Francisco com a peça teatral Vida, Paixão e Morte do Velho Chico?
HF: A água tem um percentual mínimo, que vem diminuindo cada vez mais e o ser humano ainda fala em transposição. Procurei fazer essa comparação entre a vida, paixão e morte de Jesus Cristo com a vida, paixão e possível morte do Rio São Francisco, relacionando as duas histórias. Nós apresentamos e, apesar de ter sido uma produção muito alta, não tivemos a platéia que esperávamos. Nosso desejo era ir para as telas, mas isso não é possível porque quem administra as telas de TV e até mesmo de cinema é a favor da transposição.

JM: Como você analisa as produções artísticas da região?
HF: Tenho uma preocupação muito grande com a frequência dos estudantes. Em Petrolina há espetáculos muito bons como os do Grupo de Teatro de Domingo Soares que apresenta trabalhos de Ariano Suassuna com responsabilidade, e, no entanto, não há platéia para assistir. Mas quando se apresenta um besteirol, tem platéia e a gente é obrigada a fazer. Como profissionais ficamos tristes porque não é preciso de técnicas para se fazer caras e bocas em cima do palco. Quem trabalha por dinheiro se presta a esse tipo de coisa. Os atores fazem um trabalho de deboche “esculhambado” e os estudantes gostam, sendo que nosso maior público é este segmento. Tudo bem, a comédia é louvável, mas quando o ator se deixa levar por essa “prioridade” porque é o que dá dinheiro, outras produções, como é o caso do grupo de Domingos Soares, sofrem grandes prejuízos, porque a platéia não comparece, são poucas pessoas que costumam ir ao teatro. Eu avalio essa situação como preocupante, pois essa comercialização pode dar certo para o bolso do artista, mas ele mesmo tem prejuízos. Ele começa a valorizar esse tipo de espetáculo e depois de um tempo não consegue mais fazer um teatro de Dias Gomes, de Gianfrancesco Guarnieri, pois já está tão acostumado a fazer "besteirol" que desaprende a fazer outras coisas. Contudo, o ator tem por obrigação saber fazer todo tipo de personagem e, se possível, vários num mesmo espetáculo

JM: As empresas incentivam os projetos realizados na região?
HF: As micro-empresas são as que mais incentivam. Outro dia falei do espetáculo a um grande empresário de Juazeiro, e antes que terminasse de expor os nossos objetivos ele disse: “Não me interessa, pois o meu produto não é vendido aqui na região.” Para ele, pouco importa a formação do cidadão, os nossos objetivos enquanto educadores. Se eu vendo cerveja e no seu evento vai haver consumo da minha cerveja, não importa se vão explorar crianças lá, se vão vender cocaína, não importa. O que importa é o consumo da cerveja. Que tipo de cultura é esse que as pessoas ainda investem com patrocínio? Fica essa interrogação na cabeça de quem luta por mudanças, por uma transformação social.

Nilzete Brito e Meg Macedo