Passos guiados pela educação

. 16 outubro 2009


Era uma típica tarde ensolarada de sábado em Juazeiro, norte da Bahia, o calor era insuportável. O relógio marcava 16h, estava atrasada e perdida no bairro Castelo Branco, em Juazeiro. Não encontrava a residência de Maria Patrocínio de Souza, local onde marcamos a entrevista. Resolvi perguntar a uma moradora. Ela rapidamente me deu todas as informações. Descobri, então, que Maria Patrocínio não é uma simples moradora do bairro, ela é conhecida por todos, pois muitos já foram seus alunos.

Antes mesmo de nascer, sua trajetória foi marcada por muitas estórias. Sua mãe estava grávida da sétima gestação e como não havia exame para saber o sexo do bebê, havia um mistério se seria menino ou menina. “Diziam que, após seis filhos homens, o sétimo virava lobisomem. Todos queriam que eu virasse lobisomem”, revela.


Maria Patrocínio nasceu em meio às lendas e fantasias da época, em 18 de junho de 1926, no antigo Saco do Meio, hoje Porto de Sobradinho. Quando completou três anos de idade, toda a família, inclusive dois primos, mudou-se para Juazeiro. O pai trabalhava fora e só retornava para casa uma vez por mês. O primo mais velho assumia a responsabilidade do lar.

Quando foi para a escola, Maria Patrocínio já sabia ler. A primeira série do curso primário foi numa instituição evangélica. Os três anos seguintes ela concluiu em uma escola da rede particular, onde hoje se encontra a Diretoria Regional de Educação (DIREC). No meio do ano letivo, a mãe avisou que ela não iria mais para escola por falta de dinheiro para mantê-la. Ao chegar à escola, contou a professora que aquele era seu último dia de aula. A professora não permitiu: “você virá todos os dias até o fim do ano. Se você perder um dia, mando te buscar”, retrucou a professora. Patrocínio continuou na escola e nunca faltou dinheiro para pagar.

Para cursar o ginasial, era preciso fazer admissão nos colégios particulares de Petrolina, Dom Bosco para meninos e Maria Auxiliadora para meninas. “Eu não fiz admissão, pois não tinha dinheiro. Fiquei sem estudar”, relata Maria Patrocínio.

Aos 18 anos, empregou-se na Sapataria Lima, mas continuava sem concluir os estudos. O dono da Sapataria decidiu colocá-la no Colégio Dom Bosco, na mesma escola em que seus filhos estudavam. Ela dividia seu tempo entre o trabalho pela manhã e os estudos à tarde, cursando a primeira série do ginásio. No ano seguinte, mudou-se para Salvador com uma família amiga dos seus pais. Estudou em colégio particular tradicional da capital baiana, junto com a filha do casal. Ao concluir o ginásio, voltou para Juazeiro, onde fez um curso técnico em contabilidade.

Foi durante este período que iniciou sua luta pela implantação de um curso ginasial público em Juazeiro. Participou de manifestações, comícios, palestras em praças públicas da cidade. Ao lado de Agostinho José Muniz e outros professores da região, fundaram o Ginásio Rui Barbosa. O nome foi dado por ela mesma, em homenagem ao jurista baiano que tanto admirava. Dentro do colégio, desenvolveu diversas atividades. Foi secretária, professora de matemática, assistente de direção e diretora. No último cargo, ficou por 17 anos e seis meses. Ao longo de 36 anos de trabalho, dedicou-se à educação no Colégio Estadual Rui Barbosa, fazendo-o referência de ensino na região do Vale do São Francisco.

Não se casou, nem teve filhos. Criou quatro sobrinhos, seus filhos de coração. Cursou por dois anos a Universidade Aberta da Melhor Idade (UAMI), na Faculdade São Francisco de Juazeiro (FASJ). Este ano, aos 83 anos, retornou à sala de aula e cursou o primeiro módulo da Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI), na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Desde criança, parece que o destino de Dona Maria é se dedicar à educação. Mas, o importante para ela é saber que sua luta não foi em vão e que nunca é tarde para se aprender um pouco mais.


Por Natália Carneiro
Emerson Rocha (foto)