O Reino do Grande Irmão

. 13 janeiro 2010
Noite de uma terça-feira... um pingo aqui outro ali e muitos relâmpagos indicavam que, após um dia bastante quente, viria uma chuvinha para refrescar. Ás margens do Rio São Francisco, um grupo de estudantes concluintes do curso de comunicação social (jornalismo) se encontram para matar as saudades das tardes que, durante cerca de quatro anos, passaram juntos na UNEB. Uma cervejinha, uma música diferente daquela ouvida nas rádios FM´s em horário comercial e muitas conversas gostosas marcavam a nossa noite.

Ali ao lado, um telão, algumas cadeiras brancas e pessoas que chegavam e iam ficando. O assunto virou pauta também na mesa dos estudantes, pois Juazeiro vivia naquele momento grande expectativa pela estréia do Big Brother Brasil 10, edição que conta com a PM juazeirense Anamara.

Antes de voltarmos para casa, decidirmos que registraríamos aqueles momentos que, no mínimo, dariam uma crônica a ser digerida em meio aos comentários que, certamente, alastrar-se-iam pela cidade no dia seguinte.

As fotos confirmam. Familiares, amigos, Guarda Municipal, vereador, imprensa local, Polícia Militar... crianças atentas e adultos inquietos vestindo camiseta com a foto da PFem povoavam o espaço reservado para o povo de Juazeiro prestigiar em praça pública o reality show. A imagem registrada pelos olhos e câmera fotográfica das/os estudantes lembrava os cine clubes das pequenas cidades onde a sala de cinema não existe. Bem lembrado, Juazeiro não tem cinema, não tem cine clube na praça, mas esta noite parou em frente a uma grande tela ao ar livre para ver a policial mais conhecida no Brasil, pelo menos neste momento.

Mas, assim que o programa inicia, eis que vem a chuva. Em busca de proteção, as pessoas saem correndo para o bar mais próximo e, sem pedir licença, logo se acomodam ocupando todo o espaço próximo à Tv de tela plana. Se estivéssemos falando de trabalhadores e trabalhadoras sem terra, talvez registrar-se-ia uma invasão do bar.

Naquele meio, jornalistas obrigados a cumprir pautas registravam cada detalhe, explorando bem a euforia do povo ao ouvir uma fala da jovem Anamara. Funcionários públicos também aguardavam o espetáculo terminar para recolher os equipamentos. Enquanto isso, a chuva continuava.

Tentando dividir um guarda-chuva para quatro pessoas, fomos à pastelaria. Na Av. Adolfo Viana, o retrato de uma cidade vazia ou pelo menos das pessoas recolhidas em suas casas. A chuva? Sim, não resta dúvida, mas ao longo do caminho, nos bares, lanchonetes e casas, televisores ligados e pessoas atentas à programação global da noite de verão.

Na calçada da loja, dois homens dormiam, provavelmente sem saber da existência da mobilização em torno do “grande irmão”. Grande irmão que expõe a mulher como um objeto de pouco valor, grande irmão que incentiva a disputa, a competitividade, que valoriza a espetacularização da intimidade das pessoas. Grande irmão que parece dizer que não é possível viver em coletividade, mas que sempre alguém tem de se dar bem, mesmo passando por cima dos demais.

Um show da realidade onde para ganhar um milhão e meio, basta conseguir conviver com outras pessoas numa casa e ganhar a simpatia do público. Um público que segue direitinho as regras impostas por interesses privados, interesses dos donos das redes de televisão, das empresas patrocinadoras, dos que sugam a cada dia o suor da classe trabalhadora. Uma classe trabalhadora que paga a conta de luz no final do mês, que consome os produtos divulgados pelo Big Brother, que acaba seguindo os comportamentos, a moda, formando opiniões a partir do que a Rede Globo permite que seja “espiado”.

Na pastelaria, a decepção de ver no vídeo a música de Jorge de Altinho (Nas margens do São Francisco nasceu a beleza...) antecipar a fala da PM que menciona a música “um tapinha não dói”, do grupo Furacão 2000. A chuva parece cessar.

Ainda na Adolfo Viana, a reflexão continua, junto com os passos molhados rumo ao ponto de ônibus. Uma amiga segue no transporte coletivo, o restante do grupo também ruma para suas casas fazendo diferentes leituras da noite desta terça-feira de estréia de BBB.

Já dizia uma música dos Titãs: “A televisão me deixou burro, muito burro demais! E agora eu vivo dentro dessa jaula junto com os animais...” Que o Brasil, em tempos de BBB e em outros tempos também, possa lembrar de outra música também dos Titãs que diz: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte... a gente quer saída para qualquer parte”.


Por Érica Daiane