Estou só, sendo e meio copo

. 16 abril 2010


Estava estudando para provas que só comprovarão a provocação de demonstrar a perfeição feérica. Cansei e disse ufa para mim mesma. Ufa!. Você não pode servir a dois senhores, resmunguei. Larguei de lado as apostilas que diziam de um conteúdo moderno demais, atrasado demais, consubstancial demenos. É assim mesmo, demenos, tudo junto. Quem decide sou eu. Não sou. Aliás, ser é uma coisa que me parece extremamente necessária e difícil. E ser assim, ser sendo eu sem ser me parece o mais correto e íntegro. Meu Deus! O que você diz aqui? Digo. Digo nada e sempre mais alguma coisa que esqueço de última hora. E penso. Penso nas notícias que leio, nas tragédias que ouço. Algumas tão sem imaginação. E volto para a questão de ser humano, desumano. Se quiser ouvir, sente-se, por favor! Não me faça cerimônias, pois estou cansada e preciso ser breve.

Um matou outro porque aquele ao lhe cumprimentar lhe deixou as digitais em sua engomada camisa. Outro matou mais um porque este não lhe obedeceu ao mandado de fechar a janela do ônibus porque o frio que nem era de neve, estava a lhe sufocar a aspereza de seu rude caráter. Há também o caso do rapaz que dizia ser Jesus e crucificou o cartunista para sua última charge: morrer pelo nome de Deus. Escute, não vá agora. É preciso mais paciência comigo, meu eu! Claro. Deus não tem nada a ver com a loucura do pseudo Jesus. Nem mesmo Glauco intencionou em se tornar um mito. Mas o fato é que Deus está lá de cima olhando tudo isso aqui e pensando: Por que não parei no barro mesmo? Estão todos decididos a serem cruéis e não veem mais ao outro como seu igual. E deve ser realmente muito duro pra Deus ter que encarar seu mais moderno software dar tiltes de caráter e empatia.


Calma! Eu nem pretendo fazer discurso de religião. Não. Eu não entende quando mim fala assim, eu só pretende mais amor e amor vem de dentro. Tempero de dentro do barro moldado. É no outro que precisamos nos ver. Preciso de um copo d’água, minha alma tem sede e essa sede pode me afogar. Vejo um copo vazio e mais uma vez paro e penso. Somos um copo cheio quando nascemos. Enquanto crianças respeitamos o outro. O outro não tem cor, idade, classe econômica, deficiências quando nos aproximamos para o mesmo intuito: universalizar os ofícios de criança. Partilhar. Somos um copo extravasando. Damos o que recebemos e mesmo sem receber, nós damos, nos damos. Na caminhada, crescer faz o copo se estorvar, se achar suficiente e querer jogar fora o líquido que temos. E jogamos fora de maneira fútil. Não mais partilhamos. O líquido se perde aqui e ali. Invejamos, infernizamos, maltratamos, matamos e secamos também a fonte que há no outro.

Ser é importante. Não? Pois para mim copo vazio não se sustenta vivo e quebra fácil. Ser copo vazio é viver à mercê das intempéries do ar, do tempo, das teias de aranha. Ser copo vazio é inutilidade. Larguei minhas apostilas pra lhe dizer que estou aqui. Meio copo. Pelo menos acho que sim. Meio copo. Ainda não matei ninguém, invejei uma inveja boa, maltratei mais a mim mesma e infernizei em algumas ocasiões, pois seria hipocrisia não confessar. Mas ainda há metade. Alguém se habilita a compartilhar um gole? Cachaça da boa não garanto não que sou fraca para álcool. Mas vá lá um espumante suave, daqueles que fazem cócegas no nariz, borbulhando gotas de amor sem fim.

Eu só queria lhe dizer isso e mais nada. Agora sigo introspectiva entre máquinas, livros e canetas. Estou só. Borbulhando. Estou só, sendo e meio copo. O amor nanja me deixará vazia, eu sei...


Jaquelyne de Almeida Costa
Jornalista em Multimeios, poetisa e escritora. Texto publicado na Folha do São Francisco.