Comportamento suicida precisa ser discutido pela sociedade

Multiciência 09 junho 2017

O sociólogo Émile Durkheim definiu “suicídio” como toda morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo da própria vítima, que pode variar em função de variados aspectos seja a relação com a religião, família, trabalho, crises morais ou financeiras. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que é impossível ignorar este fenômeno de saúde pública. A cada quarenta segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo. O Brasil é o 4º colocado em crescimento de suicídios na América Latina e o 8º país com mais suicídios no mundo. Embora esses dados tenham números elevados, nove em cada dez casos podem ser prevenidos.

Embora haja estudos sobre a temática, em pleno século XXI, o silenciamento da sociedade e dos meios de comunicação a respeito do suicídio se torna uma zona de conforto. Quando não há o silêncio, mais grave são as violações dos direitos,  culpabilizando e  fazendo a exposição das vítimas e familiares.

O Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as estações de rádio e de televisão de transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico.  Já a Constituição Federal de 1988 prevê que a legislação deve estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defender, quando são expostos publicamente em programas de rádio e televisão. Qualquer abuso pode ser protocolado em uma denúncia ao Ministério Público Federal, que pedirá esclarecimentos à emissora e ao Ministério das Comunicações com relação ao conteúdo que foi veiculado.

Para garantir o direito à dignidade das pessoas e tratar a temática do suicídio como problema de saúde pública, os meios de comunicação devem esclarecer a respeito de tratamento psicoterapêutico e informar sobre grupos de acolhimento de ajuda e prevenção. Estas são estratégias para que os meios de comunicações e a sociedade se tornem parceiros na luta pela preservação da vida.

 “É o silêncio que faz a pessoa em dificuldade emocional, com o psiquismo abalado, sofrer”. Foi o que afirmou a psicanalista clínica e coordenadora do Núcleo de Prevenção ao Suicídio do Vale do São Francisco, Deisi Fabiane Schmitz, durante evento a respeito do ‘Comportamento Suicida e Suas Influências nos Meios de Comunicação', realizado nos dias 29 de maio e 01 de junho, no Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro. “A mídia se cala, porque a sociedade se cala. E a sociedade se cala porque a mídia se cala”, continua a psicanalista clínica. Deise afirma também que o silenciamento a respeito da questão e uma abordagem equivocada do tema podem impedir que as pessoas busquem ajuda para resolver problemas de natureza social, cultural e psíquica que podem conduzir a um comportamento suicida.  


Buscar alternativas para o silenciamento dos meios de comunicação é fator determinante para não estimular comportamento semelhante, principalmente em  pessoas que podem estar em situação vulnerável. Esta foi uma inquietação da jornalista e egressa do curso de Jornalismo em Multimeios da Uneb, Jaqueline Santos, que abordou a relação entre mídia e suicídio no Trabalho de Conclusão de Curso, defendido em 2013. Ela analisou a cobertura de dois veículos de comunicação de Juazeiro e conversou com profissionais da imprensa para saber como eles trabalham com a questão.  “Conversei com radialistas e  jornalistas que demonstraram um sentimento de revolta diante do silenciamento da mídia em relação ao tema, mas se colocaram como reféns do sistema de produção do veículo que ainda considera um tabu se referir à temática”, disse.



Por ser um assunto que abrange diversos elementos, as dúvidas em torno do tema são frequentes, como a forma de fazer a divulgação e o receio de produzir a notícia com uma postura inadequada, o que pode estimular o ato. Mas uma abordagem especializada, com respeito à variedade de fontes e priorizando o relato humanizado, pode esclarecer sobre os múltiplos fatores que são associados ao comportamento suicida.

Cartilha

Para garantir que a população seja informada corretamente a respeito dos fatores associados ao comportamento suicida, a Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, produziu uma cartilha com orientações para profissionais de imprensa. Nela podem ser encontradas sugestões formuladas por psiquiatras e profissionais da imprensa, que descrevem como a publicação deve ser feita. 

 
Seguindo as orientações da cartilha, é possível evitar o denominado “Efeito Werther” , termo utilizado pela medicina para designar a imitação de suicídio. Essa expressão foi utilizada após a publicação de um livro chamado “Os sofrimentos do  Jovem Wether” trazia a discussão do suicídio como resultado da melancolia.  A obra literária, produzida no século XVIII, relata a história do rapaz que se apaixona por uma mulher inalcançável e decide tirar a própria vida. Após a publicação do livro, alguns jovens cometeram o suicídio, utilizando o mesmo método do personagem. Outro caso que pode ser usado como referência é o da cobertura sensacionalista de um incidente que aconteceu no metrô de Viena em 1986, que acabou estimulando muitos casos de suicídio em um curto período.

Recentemente, a série  americana ‘13 Reasons Why’ ( ‘13 porquês’), baseada na obra ‘Thirteen Reasons Why’, de Jay Asher, e adaptada para a Netflix, tem preocupado especialistas em saúde. A série apresenta cenas nas quais os métodos da prática de suicídio são exibidos com detalhes.

Um outro exemplo são as notícias publicadas a respeito do jogo ‘Baleia Azul’, no qual os participantes deveriam cumprir vários desafios propostos até chegar a sua conclusão. O enfoque no jogo e a perspectiva de epidemia causou uma sensação de pânico na população. A divulgação sensacionalista poderia incentivar pessoas vulneráveis a participar do jogo. A partir desses exemplos, é possível recomendar ao profissionais da mídia que eles não devem divulgar o método, fotos, ou informar detalhes. É necessário produzir uma reportagem com discrição e evitar  a dramatização.

Abordagem da Mídia   

Entrevistar profissionais da área de psicologia para que a questão seja retratada de forma menos individualista também faz parte das recomendações da cartilha. Em alguns casos, o esclarecimento de um especialista pode nortear a reportagem. Como aconteceu com a radialista Sibelle Fonseca que resolveu abordar a temática no programa radiofônico e no blog Preto no Branco. Ela conta que a abordagem sempre foi uma dúvida em momentos em que pretendia discutir a temática, mas procurou uma profissional da área para auxiliá-la. “Convidei especialistas várias vezes para fazer debate e saber abordar o tema,  mas procurava tratar com bom senso, responsabilidade, sensibilidade e sem julgamentos”, concluiu.  

A alternativa encontrada por ela foi a de alternar o foco do acontecimento para a prevenção, através de um tratamento psiquiátrico, esclarecer as consequências do ato, como os impactos para a família e amigos. Esse modo de noticiar o tema pode intervir e auxiliar pessoas que precisam de ajuda. Também procurava informar possíveis locais de ajuda quando há sinais de que uma pessoa apresenta comportamento suicida.

Um desses espaços é o Centro de Valorização da Vida,
CVV, localizado em Petrolina- Pe. A associação possui atendimento voluntário e gratuito, 24 horas e todos os dias. Nesse local é disponibilizado apoio emocional e prevenção do suicídio a todas as pessoas, que podem conversar sob total sigilo por telefone, email, chat ou Skype.

Outro centro importante é o Centro de Atenção Psicossocial, CAPS, que realiza serviço específico através do acompanhamento clínico e suporte social.  Espaços que possuem profissionais de saúde preparados para acolher de forma adequada as vítimas são muito relevantes. É preciso considerar uma tentativa de suicídio com seriedade. Em alguns casos, as pessoas que não concretizaram a ação são tratadas com descaso em hospitais e passam por humilhações, o que torna o processo extremamente traumático. Uma intervenção humanizada pode diminuir o impacto do ato sobre as vítimas e ajudar a preservar a vida humana, com respeito e dignidade. 

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Texto: Esther Santana e Beatriz Braga 
Fotos: NAC - Uneb