Desde março de 2020, estudantes brasileiros abandonaram as carteiras escolares, recolheram lápis, cadernos e livros e adotaram as telas como possibilidade para o ensino remoto. Enquanto o número de contágios e mortes crescia no decorrer de dias e semanas em virtude do coronavírus, itinerários habituais eram rompidos e situações de isolamento social se ampliavam, o que ocasionou a construção de uma crise silenciosa no que diz respeito ao bem-estar psíquico e emocional dos discentes.
A experiência de vivenciar um evento traumático, tal qual
uma pandemia, provoca múltiplos choques afetivos, cujos reflexos, ainda
difíceis de serem dimensionados, têm potencial de se manifestarem a médio e
longo prazo. De acordo com a pesquisa ‘Global Student Survey’, uma organização
sem fins lucrativos ligada a empresa de tecnologia educacional norte-americana
Chegg, sete de cada dez universitários brasileiros (76%) afirmaram que a
pandemia trouxe impacto na saúde mental. Para a maior parte (87%), houve
aumento de estresse e ansiedade. Apenas 21% buscaram ajuda, e 17% declararam
ter pensamentos autodestrutivos.
“Tenho me sentido triste e inquieto. Era como se houvesse
uma imagem em minha mente de como o ano poderia ser, tinha alguns planos e
desejos e tudo foi transformado com a pandemia. Entramos em 2021 e as coisas
ainda permanecem difíceis”, diz Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em
Multimeios da UNEB. Morador do povoado de Pau a Pique, em Casa Nova, ele
precisou deixar a cidade de Juazeiro, por causa da interrupção das aulas, e
retornar ao convívio familiar. “O isolamento social tem sido uma experiência
intensa, sinto falta dos meus amigos, de conhecer novos lugares, mas também
tenho aprendido muito sobre mim. A música e a escrita têm me ajudado a ficar
mais calmo e focado, na medida do possível”, conta.
O quadro psicossocial resultado desse processo é fruto de numerosos agentes sociais. Fatores como a perda da rotina escolar, do convívio social com amigos e de familiares e conhecidos, semeiam um ambiente pouco favorável à manutenção da saúde mental. Como afirma o pesquisador e psicólogo Marcelo Ribeiro, existem marcas gerais, que independentemente da faixa etária e nível de escolarização, podem causar desdobramentos na saúde emocional dos estudantes.
“A primeira tem a ver com ruptura, quebra e perda de um cotidiano, porque antes você tinha uma rotina e isso é interrompido. Para além desses aspectos, temos também incertezas variadas, sobre a vacina, acerca de quando sairemos da pandemia e situações de restrições sociais. E esses dois contextos – rupturas e incertezas- podem desencadear depressão e ansiedade”, pontua o pesquisador.
A adoção de estratégias para lidar com o momento presente
varia muito de acordo com cada caso, mas alguns procedimentos podem auxiliar os
discentes a atravessar a pandemia pensando sua saúde psíquica e emocional. “Os
estudantes não devem se cobrar tanto, porque estamos todos imersos numa
situação atípica, e o desempenho que tínhamos antes pode não se manifestar da
mesma forma no agora” explica Marcelo. O pesquisador recomenda também que é
preciso ter a percepção de que o que acontece “Não é só comigo” e desenvolver
atividades diferenciadas e estabelecer uma rotina. “Autocontrole e
autodisciplina são igualmente fundamentais para se organizar e cumprir metas”
Outras iniciativas direcionadas a escuta e acolhimento dos estudantes são indispensáveis para auxiliar nessa jornada. Experimenta-se um tempo em que várias ocorrências podem confluir para perda de um emprego, do convívio social, do adeus a um ente querido ou, até mesmo, a despedida de uma vida que nunca será como antes. Saber ouvir empaticamente, nesse contexto, configura-se como uma maneira de contribuir para a criação de um diálogo saudável com o outro.
O projeto Erê – Vamos brincar? Promovendo saúde mental
através de atividades lúdicas, coordenado pelo pesquisador Marcelo,
constitui-se como uma dessas tentativas de agir a favor do bem-estar psíquico
dos alunos. No projeto, quatro oficinas são realizadas para os estudantes de
ensino superior com temáticas que abrangem os tópicos ‘Recomeço, Solidão,
Saudades e Sonhos’.
Em virtude da pandemia, a iniciativa, que existe há cerca de
6 anos, foi adaptada para a modalidade remota com inscrições realizadas online.
As oficinas têm duração de uma hora e meia à duas horas, e os estudantes são
convidados a participarem das dinâmicas, trazendo suas vivências a partir das
temáticas. “Essas pessoas têm a oportunidade de falar e serem ouvidas. E é
muito importante elas perceberem que suas histórias, ao mesmo tempo que
singulares, são comuns também. Eu costumo dizer que a gente trabalha a
esperança e atua no sentido de reexistir mesmo”, diz Marcelo.
Exercitar as expectativas e confianças em terrenos tão
sombrios, como o que a humanidade atravessa, pode se configurar como uma
maneira de cultivar o bem-estar psíquico e emocional entre os estudantes. Certa
vez o cientista social e antropólogo canadense, Erving Goffman afirmou, em sua
obra “Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada”, que as
vezes é necessário enxergar através de outras óticas para romper com os
conceitos preconcebidos e enraizados na teia social.
Nessa conjuntura, atitudes simples são capazes de fazer
emergir resultados positivos duradouros. Nas palavras de Goffman, “talvez, num
certo sentido, eu possa ser um meio de abrir os seus olhos para as belezas que
estão à nossa volta: coisas como um aperto de mão afetuoso, uma voz que está
ansiosa por conforto, uma brisa de primavera, certa música, uma saudação
amistosa. Essas pessoas são importantes para mim e eu gosto de sentir que posso
ajudá-las."
Para participar do projeto, faça a inscrição neste link.
Reportagem especial para Agência MultiCiência.
Produzida por: Ruana Mirele, estudante de Jornalismo em Multimeios.
Email: ruannamirele@gmail.com