Saúde mental em tempos de pandemia: estratégias e práticas para os estudantes

Multiciência 03 maio 2021

Desde março de 2020, estudantes brasileiros abandonaram as carteiras escolares, recolheram lápis, cadernos e livros e adotaram as telas como possibilidade para o ensino remoto. Enquanto o número de contágios e mortes crescia no decorrer de dias e semanas em virtude do coronavírus, itinerários habituais eram rompidos e situações de isolamento social se ampliavam, o que ocasionou a construção de uma crise silenciosa no que diz respeito ao bem-estar psíquico e emocional dos discentes. 

A experiência de vivenciar um evento traumático, tal qual uma pandemia, provoca múltiplos choques afetivos, cujos reflexos, ainda difíceis de serem dimensionados, têm potencial de se manifestarem a médio e longo prazo. De acordo com a pesquisa ‘Global Student Survey’, uma organização sem fins lucrativos ligada a empresa de tecnologia educacional norte-americana Chegg, sete de cada dez universitários brasileiros (76%) afirmaram que a pandemia trouxe impacto na saúde mental. Para a maior parte (87%), houve aumento de estresse e ansiedade. Apenas 21% buscaram ajuda, e 17% declararam ter pensamentos autodestrutivos.

“Tenho me sentido triste e inquieto. Era como se houvesse uma imagem em minha mente de como o ano poderia ser, tinha alguns planos e desejos e tudo foi transformado com a pandemia. Entramos em 2021 e as coisas ainda permanecem difíceis”, diz Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios da UNEB. Morador do povoado de Pau a Pique, em Casa Nova, ele precisou deixar a cidade de Juazeiro, por causa da interrupção das aulas, e retornar ao convívio familiar. “O isolamento social tem sido uma experiência intensa, sinto falta dos meus amigos, de conhecer novos lugares, mas também tenho aprendido muito sobre mim. A música e a escrita têm me ajudado a ficar mais calmo e focado, na medida do possível”, conta.

O quadro psicossocial resultado desse processo é fruto de numerosos agentes sociais. Fatores como a perda da rotina escolar, do convívio social com amigos e de familiares e conhecidos, semeiam um ambiente pouco favorável à manutenção da saúde mental. Como afirma o pesquisador e psicólogo Marcelo Ribeiro, existem marcas gerais, que independentemente da faixa etária e nível de escolarização, podem causar desdobramentos na saúde emocional dos estudantes.

“A primeira tem a ver com ruptura, quebra e perda de um cotidiano, porque antes você tinha uma rotina e isso é interrompido. Para além desses aspectos, temos também incertezas variadas, sobre a vacina, acerca de quando sairemos da pandemia e situações de restrições sociais. E esses dois contextos – rupturas e incertezas- podem desencadear depressão e ansiedade”, pontua o pesquisador. 

Marcelo Ribeiro, da Univasf.

A adoção de estratégias para lidar com o momento presente varia muito de acordo com cada caso, mas alguns procedimentos podem auxiliar os discentes a atravessar a pandemia pensando sua saúde psíquica e emocional. “Os estudantes não devem se cobrar tanto, porque estamos todos imersos numa situação atípica, e o desempenho que tínhamos antes pode não se manifestar da mesma forma no agora” explica Marcelo. O pesquisador recomenda também que é preciso ter a percepção de que o que acontece “Não é só comigo” e desenvolver atividades diferenciadas e estabelecer uma rotina. “Autocontrole e autodisciplina são igualmente fundamentais para se organizar e cumprir metas”

Outras iniciativas direcionadas a escuta e acolhimento dos estudantes são indispensáveis para auxiliar nessa jornada. Experimenta-se um tempo em que várias ocorrências podem confluir para perda de um emprego, do convívio social, do adeus a um ente querido ou, até mesmo, a despedida de uma vida que nunca será como antes. Saber ouvir empaticamente, nesse contexto, configura-se como uma maneira de contribuir para a criação de um diálogo saudável com o outro.

O projeto Erê – Vamos brincar? Promovendo saúde mental através de atividades lúdicas, coordenado pelo pesquisador Marcelo, constitui-se como uma dessas tentativas de agir a favor do bem-estar psíquico dos alunos. No projeto, quatro oficinas são realizadas para os estudantes de ensino superior com temáticas que abrangem os tópicos ‘Recomeço, Solidão, Saudades e Sonhos’.

Em virtude da pandemia, a iniciativa, que existe há cerca de 6 anos, foi adaptada para a modalidade remota com inscrições realizadas online. As oficinas têm duração de uma hora e meia à duas horas, e os estudantes são convidados a participarem das dinâmicas, trazendo suas vivências a partir das temáticas. “Essas pessoas têm a oportunidade de falar e serem ouvidas. E é muito importante elas perceberem que suas histórias, ao mesmo tempo que singulares, são comuns também. Eu costumo dizer que a gente trabalha a esperança e atua no sentido de reexistir mesmo”, diz Marcelo.

Exercitar as expectativas e confianças em terrenos tão sombrios, como o que a humanidade atravessa, pode se configurar como uma maneira de cultivar o bem-estar psíquico e emocional entre os estudantes. Certa vez o cientista social e antropólogo canadense, Erving Goffman afirmou, em sua obra “Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada”, que as vezes é necessário enxergar através de outras óticas para romper com os conceitos preconcebidos e enraizados na teia social.

Nessa conjuntura, atitudes simples são capazes de fazer emergir resultados positivos duradouros. Nas palavras de Goffman, “talvez, num certo sentido, eu possa ser um meio de abrir os seus olhos para as belezas que estão à nossa volta: coisas como um aperto de mão afetuoso, uma voz que está ansiosa por conforto, uma brisa de primavera, certa música, uma saudação amistosa. Essas pessoas são importantes para mim e eu gosto de sentir que posso ajudá-las."

Para participar do projeto, faça a inscrição neste link


Reportagem especial para Agência MultiCiência. 

Produzida por: Ruana Mirele, estudante de Jornalismo em Multimeios. 

Email: ruannamirele@gmail.com