Representantes de órgãos públicos municipais, do ambiente acadêmico e
pesquisadores(as) discutiram os impactos do assédio em suas diversas formas, destacando
questões relacionadas à saúde mental, contexto histórico de opressões patriarcais,
interseccionalidades, ações jurídicas de denúncia e processos diante de situações de
assédio. Foi discutida ainda sobre a assistência oferecida pelo poder público de Juazeiro e
Petrolina, como as ações do Conselho Municipal de Defesa dos direitos das pessoas
LGBTQIAPN+ e da Delegacia da Mulher.
FOTO: Aylla Bomfim |
Milenna Silva, estudante de Ciências Sociais (Univasf) e poetisa, abordou o contexto
histórico relacionado ao assedio ao período da colonização, regime de escravidão e
construção da nacionalidade brasileira, apontando que as mulheres negras foram e são
quem mais sofrem com as opressões, de diversas formas. Segundo Milena, o regime
escravocrata e seus impactos fizeram com que a mulher negra fosse vista como a última
“classe” na hierarquia social, abaixo até mesmo dos homens negros, e isso se mantém
atualmente, através das estruturas sociais. Para ela, isso tem justificado a cultura da
violência contra a mulher, sobretudo a cultura do estupro e do assédio. Questões
relacionadas à criação masculina, levando os homens a adotarem condutas e práticas de
dominação em relação às mulheres e seus corpos, também ajudam a explicar a reiteração
de práticas de assédio.
Autora do livro “Racismo de memória “, do projeto Tessituras Literárias, Milena considera
que é necessário que, para além da prevenção e do combate, a universidade lute para a
decolonização do saber, rompendo as estruturas machistas e atuando nos imaginários
sociais, por meio da criação de novas epistemologias de conhecimento e leitura de
pesquisadoras antirracistas e feministas, como Rita Segatto e Angela Davis.
“É necessário, para além do combate e denúncia ao assédio, entender aparelhos que nos
oprimem, como surgiram e se mantêm, e ir nas raízes dos problemas. Devemos construir
nossas epistemologias de ruptura, e romper a lógica. Isso parte também da presença de
homens em espaços como este”, explica.
Da esquerda para direita, Milenna Silva e Rayanne Moraes. FOTO: Ana Clara Silva |
Legislação
Rayanne Moraes, advogada especialista em advocacia feminista e direitos das mulheres,
abordou assuntos jurídicos referentes ao assédio, de aspectos que às vezes não se tem
conhecimento, e os casos acabam sendo negligenciados e não são levados para a esfera
jurídica. Rayanne diferenciou os tipos de assédio, destacando o moral do sexual, o qual
pode evoluir para outros mais graves, como o estupro.
Ela conta que é muito importante a construção de provas, que se dá através da gravação de
vídeos, de fotos, mensagens, bilhetes, laudos médicos e psicológicos. “Infelizmente,
somente a palavra da vítima não é validada como prova, por isso a importância de indícios
que houve o assédio. Essa é uma das muitas questões que a Justiça brasileira precisa
melhorar”, esclarece Rayanne.
Quanto às providências a serem tomadas em caso de assédio, ela aborda a possibilidade
da vítima procurar o Ministério Público, destacando que não há a necessidade de advogado
para isso. Recomendou ainda a leitura de informativos como a “Cartilha sobre Assédio
Sexual no Trabalho: perguntas e respostas”, organizada pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT), que objetiva orientar mulheres cis e não cis a combater e denunciar o assédio
sexual nos espaços de trabalho.
Rayanne apontou, ainda, a importância da criação de instrumentos preventivos e
combativos, e de resistir. “É preciso pensar em instrumentos para mudar as coisas, bem
como ocupar os espaços e pressionar, buscando a segurança das mulheres, a nossa
segurança”, alerta.
Assédio contra a população LGBTQIAPN+
O representante do Conselho Municipal para a população LGBTQIAPN+, que integra a
Secretaria de Desenvolvimento Social, Mulher e Diversidade, Andrey Anthonny, trouxe
esclarecimento sobre a política de assistência oferecida pelo órgão à população, chamadas
minorias como as mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, as quais mais são vítimas de assédio.
Ele destaca que a Secretaria desenvolve ações em parceria com programas sociais, como
o Bolsa Família, com universidades,atuando com as pessoas que enquadram como baixa
renda, “a fim de garantir direitos que historicamente foram e são negados”.
Apontou a importância de alguns serviços que a Secretaria oferece, como o Ambulatório
Trans, que resolve trâmites necessários e encaminha para o processo de transexualização,
além do atendimento psicossocial gratuito. Ele entende que o Conselho busca ser uma rede
de proteção às mulheres (cis e trans) e LGBTQIAPN+, porém não atua juridiciamente, mas
com encaminhamentos dos casos para atender os direitos.
Para que o assédio não continue sendo realidade, ele diz que a prevenção é o melhor
caminho, mas que uma vez acontecendo, se deve denunciar. “Não se pode deixar passar,
porque a civilidade inclui o respeito. É preciso que todos/as/es sejam civilizados e respeitem
uns aos outros. A melhor política que podemos fazer é a prevenção, em todos os níveis. A
denúncia se faz quando a prevenção deu “errado”.
Morgana Oliveira. FOTO: Juliana Pereira |
Psicóloga clínica, travesti, pesquisadora em Saúde Mental Morgana Oliveira, diz que é
importante pensar as questões que envolvem o assédio às pessoas LGBTQIAPN +
sobretudo, também como herança do patriarcado que fundou a sociedade brasileira, e não
somente a opressão com as mulheres. “Desde muito bom cedo, os homens são ensinados
a serem abusivos, compulsivos sexuais, são ensinados a querer o sexo a qualquer custo.
Por isso, eles precisam ser reeducados”, afirma.
Ela aponta que a LGBTfobia parte de complexidades e marcadores sociais diversos, e que
a hipersexualização a que corpos trans são expostos e muitas vezes se colocam, por
questões de sobrevivência, serve à estrutura que os desumaniza, excluindo suas
identidades e fazendo com que os assédios sejam uma prática sigilosa. “A pessoa às vezes
nem se dá conta de que foi assediada”.
A psicóloga, que pesquisa saúde mental, políticas públicas e marcadores sociais
(identidade de gênero, raça, classe e outros), alerta para a necessidade de se respeitar os
limites, mesmo que a pessoa esteja em situações complicadas. “Por mais vulnerabilidade
social que a pessoa esteja, os limites devem ser impostos e não ultrapassados”.
Para saber mais sobre as instituições que recebem denúncias e acolhem pessoas, seguem
informações.
CEPPSI - Centro de Práticas e Estudos em Psicologia, da Universidade Federal do Vale do
São Francisco (Univasf) que oferece atendimento psicológico gratuito, em Petrolina.
Link: https://portais.univasf.edu.br/ceppsi
Ouvidoria da Uneb - atendimento é de segunda à sexta, das 08h às 17h. Contato: (71) 3117-2438
Link: https://ouvidoria.uneb.br/index.php/estrutura-administrativa/
Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da População LGBTQIAPN+ de Juazeiro, BA
- funciona na Secretaria de Desenvolvimento Social Mulher e Diversidade, das 8h às 14h.
Contato: 74 3612-3050
Por Ana Beatriz Menezes, estudante de Jornalismo em Multimeios.