Os Desafios da Reforma Psiquiátrica: Juazeiro(BA) é uma das cidades em que o Hospital psiquiátrico teve a atividade encerrada

Multiciência 02 outubro 2024

Foto: Meiwa Magalhães

A palavra que mais gosto é liberdade. Gosto do som desta palavra." — Nise da Silveira. Essa frase sintetiza o princípio central da luta antimanicomial: o cuidado deve ser exercido em liberdade, com respeito à dignidade do ser humano. E é nesse contexto que indagamos qual o contexto do Dia Mundial da Saúde Mental?! Celebrado em 10 de outubro.  Esse é pensado como um dia dedicado à educação, conscientização e à defesa da saúde mental global, com o objetivo de combater o estigma que atravessa a sociedade diariamente.


Em 2024, a Lei da Reforma Psiquiátrica completa 23 anos. A lei que articula políticas públicas para uma caminhada para um tratamento mais humanizado para pacientes com diagnósticos de doenças mentais . Essa legislação estabelece que o tratamento deve ser realizado em unidades apropriadas, com equipes multidisciplinares – incluindo psicólogos, médicos e outros profissionais – para promover a reintegração dos pacientes ao convívio social.


Conheça a rede de saúde mental de Juazeiro 

Fachada do antigo Hospital psiquiátrico do Município de Juazeiro (BA) 

Foto:Meiwa Magalhães 


No município de Juazeiro, a saúde mental tem passado por transformações significativas e desafios, especialmente com o fechamento do hospital psiquiátrico Nossa Senhora de Fátima em 2024. Hoje, a cidade conta com três unidades do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS): CAPS I, CAPS II e CAPS AD III. Além disso, há serviços de acolhimento disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), no Ambulatório de Saúde Mental e na Residência Terapêutica, conforme informado pela Secretaria de Saúde (Sesau).


A Sesau destaca que a rede de saúde mental local é "fortalecida" e que existe um esforço contínuo para expandir os serviços, com a implantação de um CAPS III e novas unidades de acolhimento. Um aspecto dessa integração é a realização de fóruns intersetoriais, onde casos mais complexos são discutidos e ocorre o matriciamento das UBS e dos serviços de urgência e emergência, com o objetivo de promover um cuidado próximo e integrado. 


Em relação à reforma psiquiátrica em Juazeiro, a Sesau informou que fez uma avaliação criteriosa dos pacientes internados no Hospital Psiquiátrico  antes de seu fechamento. Aqueles com condições foram reintegrados ao convívio familiar e redirecionados aos serviços de saúde mental de seus municípios. Apenas dois casos de Juazeiro necessitam de cuidados mais intensivos e foram atendidos no CAPS AD III antes de serem reconduzidos às suas famílias.


A luta antimanicomial 


Arquivo pessoal: Helisleide Bomfim

Na luta pela liberdade e dignidade do tratamento, a técnica de enfermagem, usuária da Rede de atenção psicossocial (RAPS) e militante da luta antimanicomial, Helisleide Bomfim enfatiza o papel transformador da arte e como as expressões artísticas podem ser uma poderosa ferramenta terapêutica no cuidado em saúde mental. "A arte cura", afirma Bonfim. A atriz que fala com muito orgulho sobre a questão de gênero e saúde mental, atua no “Papo de Mulher”, uma associação de mulheres usuárias do Sistema de Saúde Mental, e através do teatro e sua presença nos palcos conquistou o prêmio Braskem Relevelação, em 2019, com a atuação no o espetáculo Holocausto Brasileiro, baseado na obra de Daniela Arbex.  


Foto: Meiwa Magalhães

No sertão do São Francisco, na divisa entre Bahia e Pernambuco, durante o 2° Fórum Antimanicomial, Elisleide ajudou a fundar uma das associações que articulam o cuidado em liberdade nomeado a “Loucura de Nós”, que une usuários do Raps na Mobilização Antimanicomial na região.


Para a secretária executiva da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), Renata Guerra, é de suma importância uma perspectiva interseccional ao discutir as políticas de saúde mental no Brasil, visto que a história da saúde mental é marcada por essas desigualdades. "Hoje, não podemos pensar em política pública sem considerar uma perspectiva de gênero, raça, classe e sexualidade”, ressaltou. 


Foto de arquivo do RENILA


O papel da RENILA é lutar contra as desigualdades, por meio de debates sobre questões como o encarceramento de populações negras e o funcionamento das comunidades terapêuticas, consideradas por muitos uma atualização dos antigos manicômios, que funciona como uma ferramenta de disciplinamento sobre corpos marginalizados, como mulheres, negros e pobres. Nessa perspectiva, a instituição defende uma abordagem que privilegie os direitos humanos e um cuidado em liberdade.

"A RENILA luta pelo fechamento total dos hospitais psiquiátricos e pela construção de dispositivos de atenção psicossocial que incluam as famílias e as redes de apoio. É preciso que as políticas públicas garantam o retorno dessas pessoas à convivência social de forma digna, com acesso a serviços de saúde, educação, cultura e trabalho", explica Guerra. Ela ainda ressalta que a reintegração plena depende de um esforço conjunto entre diferentes áreas do governo e da sociedade.

Ao abordar o Dia Mundial da Saúde Mental, Renata enfatiza a importância de tratar a data sob a ótica dos direitos humanos. "A Luta Antimanicomial é, acima de tudo, uma luta por uma sociedade mais justa. O 10 de outubro e o 18 de maio são marcos fundamentais para reforçarmos a defesa da saúde mental como um direito. Neste ano, precisamos ocupar as ruas em defesa da democracia, pois a democracia é, por natureza, antimanicomial", finaliza.

Foto de arquivo do RENILA 


O 10° Fórum Antimanicomial ocorreu entre os dias 25 e 27 de setembro de 2024, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em Juazeiro-BA. Durante o evento, foi discutido o cuidado em saúde mental em liberdade, no 1° Encontro Nacional de cuidado em liberdade e a 6° mostra de atenção psicossocial que resultou na produção do "Manifesto do Sertão para os Brasis", que reforçou a importância de um cuidado plural e antimanicomial nos territórios do Sertão do São Francisco com foco em resistir a diversas formas de opressão.

Por Meiwa Magalhães, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.