O coronavírus parecia
estar do outro lado do oceano atlântico ou até mais, do outro lado do
mundo, por essa razão seguíamos sem compreender o quanto isso
alteraria completamente as nossas vidas. E assim foi. Contudo, o que vivemos hoje muda sobremaneira as formas de educação compreendidas
pela sociedade, principalmente por conta da incógnita ‘do que será o futuro’,
ou seja, o (re)início do ano letivo, interrompido pelo
surto.
Os desafios impostos pela crise constituem parte de um
processo ainda a ser interpretado e sistematizado, no momento paralisado e a
espera da ‘passagem’ do ‘pico de contágio’, sobre o qual, não temos ideia se
e quando chegará. A incerteza é a ordem do dia,
desafiando as instituições públicas e privadas que, entre a indecisão de férias
coletivas ou atividades enviadas para a casa, realizadas na modalidade EAD (Educação
a Distância), propõem ações para que não paralise completamente, principalmente em algumas escolas privadas.
Desta forma, a intenção deste texto é refletir a escola e a educação, especificamente
de crianças, adolescentes e jovens em tempos tão complexos, os quais são
envolvidos por demandas ainda não compreendidas, com um ‘detalhe’ a ser
observado nos tempos-espaços de interação com os outros e o mundo. A ‘nova’ demanda tem se apresentado como alternativa de efetivação da educação através da
internet, com lives e atividades enviadas pelos professores (sites,
portais, facebook, Instagram, Google meet, WhatsApp, etc). Esta demanda compreende a WEB como ambiente propício à sua continuidade que, de certa
forma, encontra na destreza e imbricamento destes sujeitos com os dispositivos
digitais uma possibilidade em aberto para sua promoção através do diálogo com
seus pares, configurando-se, ainda, como um ‘acréscimo’ aos profissionais de
educação que precisam ‘criar outras’ formas de atendimento à ‘feitura’ de como
ocorrerá: se com a ajuda dos pais e/ou responsáveis, dos professores e colegas
através da internet, ou farão sozinhos, na perspectiva da autodidaxia
(aprendizagem feita sem o mestre) e da discutida Home schooling.Assim, questiona-se: como estamos? A percepção é de quê, em tempos de quarentena nunca experimentada por esta geração, desde a gripe espanhola (aproximadamente há 103 anos ), tem sido de aprendizagem constante, com toques de ansiedade, incertezas, medos e, ao mesmo tempo, esperança de que vai passar, apesar das dissidências que surgem por conta das medidas necessárias, apontadas pela Organização Mundial da Saúde, entre elas a de isolamento social, o que leva ao fechamento das escolas.
Entretanto,
a diversidade das medidas tomadas pelas escolas, se de férias
coletivas ou de atividades a serem realizadas a distância, envolvem decisões e
expertise sobre a modalidade e as formas para o ‘enfrentamento’ à quarentena. Destaca-se que estas precisam ser elaboradas/definidas no coletivo, assim
como auxiliadas com seriedade pelos órgãos, instituições e entidades de como
podem ser encaminhadas. É preciso saber quais medidas tomar e propor nos diversos
segmentos de ensino e contextos sociais. São férias,
recesso ou ensino a distância? Na ausência destas orientações mais discutidas
democraticamente pelos diversos grupos, ou na multiplicidade delas, a tomada de
decisão de muitas escolas e instituições tem sido, em parte do ensino superior,
escolas privadas e até públicas, pela EAD, a partir da sugestão do Ministério da Educação.
Assim,
crianças, adolescentes e jovens hoje estão sob tutela em tempo
integral dos pais e/ou responsáveis, sendo estes provocados pelas instituições
de ensino a acompanharem as atividades em casa, com diversos níveis de interação que, dependendo da instituição e/ou docente, as orientações podem vir em formato
de exercícios, alguns acompanhadas de lives ou ainda, de devolutivas das
dúvidas enviadas pelos discentes. Mas, e o acompanhamento, o que dizer dos conteúdos
novos propostos? A formação se resume a conteúdos?
Como exemplo, a redução das matrizes a conteúdos de forma
isolada, a precarização do trabalho docente, a ausência de formação para lidar
com as demandas ainda por construir, em um contexto não vivenciado, entre
tantas outras.
Um dos
desafios aos pais, além de estarem em quarentena, com todas
as complicações do processo (físicas, psíquicas, econômicas e de saúde) é a
organização de uma nova rotina para a educação. Para as estudiosas Sonia Livinstone e Sherry Turkle, o que as experiências e
os estudos contemporâneos nos demonstram diante da
internet e redes sociais é que
crianças, adolescentes e jovens
preferem a conexão - por tempo indeterminado e livremente - a uma rotina educativa
que foge completamente do compreendido. É
difícil dizer-lhes neste momento que precisam pensar e agir como se estivessem
estudando, a partir da própria autonomia e disciplina com as etapas que
precisam construir, uma vez que estes não são conceitos presentes no cotidiano
do fazer nas práticas pedagógicas em nossa realidade.
Assim,
mesmo com a insistência de que devem organizar-se e
estudar, ler, tocar um instrumento (se tiverem oportunidade), entre outras ações
educativas/formativas, em muitos contextos é claro que sem acompanhamento optam
por outros direcionamentos, como a preferência pelos jogos eletrônicos e/ou online,
conversas com os amigos pela internet, vídeos no youtube, assistir TV,
etc. Isso para falar da rotina conhecida por muitos, de que as telas têm
atravessado suas experiências como um “filtro”, como se refere o pesquisador Andrea Tagliapietra, e agora
com a ‘pausa’ temporal para a realização de suas formações envolvendo-as, fica
a dúvida sobre os modos de interação e realização. É fácil esse entendimento e
apropriação? Sua negativa, nos deixa entre a possibilidade de conhecer em
diversidade (papel da escola e família) com as necessidades das outras formas
que compõem o mundo. Ficarão limitados a vê-los
apenas pelas telas dos dispositivos? Ainda não temos resposta.
Decretar férias (não foi uma unanimidade) seria no mínimo coerente, entretanto, os pais e responsáveis devem oferecer outras formas de interação que somente as mídias e as tecnologias, estas já fazem parte, e se deixarmos, tomam ainda mais o espaço das aprendizagens. Seu alastramento é já sabido, entretanto, o que conta para a educação das crianças, adolescentes e jovens? Além da defesa de não ser exclusivamente conteudista, o que mais oferecemos? Educação pode (deve!) ter mais qualidade, equidade no acesso, não reduzindo a educação escolar apenas a definição de conteúdo a ser socializado, pois, é manipulando e compreendendo seus significados, que o reinventamos.
Decretar férias (não foi uma unanimidade) seria no mínimo coerente, entretanto, os pais e responsáveis devem oferecer outras formas de interação que somente as mídias e as tecnologias, estas já fazem parte, e se deixarmos, tomam ainda mais o espaço das aprendizagens. Seu alastramento é já sabido, entretanto, o que conta para a educação das crianças, adolescentes e jovens? Além da defesa de não ser exclusivamente conteudista, o que mais oferecemos? Educação pode (deve!) ter mais qualidade, equidade no acesso, não reduzindo a educação escolar apenas a definição de conteúdo a ser socializado, pois, é manipulando e compreendendo seus significados, que o reinventamos.
Os professores que continuam atuando lançam-se
às tentativas de práticas pedagógicas online e/ou orientadas a distância,
fazendo lives e acompanhamento de trabalhos, os quais já demonstram, através de
breves reflexões sobre os modos como estão compreendendo, que desta forma o
trabalho é “muito maior que presencialmente”. Enquanto na aula
socializam suas interpretações e propõem atividades, a distância, a criação de
conteúdos e enunciados por si já têm um complicador a mais, pois devem ser
claros suficientes para ‘todos’ e isso não é fácil. Pois, 10 alunos
solicitando esclarecimentos, são 10 mensagens feitas de muito cuidado com as ‘palavras’,
pois têm menos interação (face-to-face) a seu favor, as tentativas são
construídas a cada demanda e isso requer organizações diferentes das que
estamos acostumados a realizar em presença, inclusive exigindo mais tempo e
preparo formativo.
Vale lembrar que muitas dessas
iniciativas vem se dando nos sistemas privados, em que prevalecem outros
interesses, imaginemos a falta de perspectiva em sistemas educacionais menos
preparados e que na maioria das vezes dependem dos programas e ações
desenvolvidos pelos estados e mesmo do Ministério da Educação.
Assim, atenção
e cuidado com os excessos conteudistas! Nesse
momento, seria prudente que as escolas antecipassem as férias coletivas
dos profissionais da Educação. Essa medida seria facilitada se tivéssemos
instituições que regulamentassem a educação nacional
com precisão e fundamentada em princípios democráticos,
discutidos com os demais contextos e segmentos comprometidos com a educação do
país, o que não está claro. Ou seja, perecemos, em momento tão
peculiar, pela inexistência de um sistema educacional articulado nacionalmente.
É possível
acrescentar, ainda, que os modos como as medidas são tomadas
deveriam ‘gerar’ sistematizações seguindo uma coerência que atinja o coletivo,
porém, o que vemos são ‘experimentos e tentativas’ que precisam de maiores
reflexões e aprimoramentos nos seus formatos e manuseios. Se o Estado
brasileiro tivesse assumido com maior coerência, qualidade e equidade o
desenvolvimento de programas como o de um computador por aluno e professor
conectado, investindo na formação docente, no processo de mediação do
conhecimento e na ampliação da garantia e popularização do acesso à banda larga
de internet, seja por via de rádio, fibra ótica e outras possibilidades que a
ciência e os avanços tecnológicos poderiam contribuir, talvez os impactos na
Educação e nos processos educativos não seriam tão severos, principalmente no âmbito
da Educação Pública. Precisamos estudar mais sobre isso e construir orientações
para o futuro da educação pós quarentena.
Artigo sobre Educação no contexto da Covid-19, produzido por:
Edilane Carvalho Teles - Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com
Edmerson dos Santos Reis - Doutor em Educação pela UFBA, Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia, DCH III, Membro do Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), Membro da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), Professor permanente do Programa de Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da UNEB. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território (EDUCERE). E-mail: edmerson.uneb@gmail.com
Referências citadas no artigo:
LIVINGSTONE, Sonia. Ragazzi online. Crescere con internet nella società digitale. Milano, Italia: Vita e pensiero, 2010.
TAGLIAPIETRA, Andrea. Esperienza. Filosofia e storia di un’idea. Milano, Italia: Raffaello Cortina Editore, 2017.
TURKLE, Sherry. La conversazione necessaria. La forza del dialogo nell’era digitale. Torino, Italia: Einaudi Editore, 2016.
Artigo sobre Educação no contexto da Covid-19, produzido por:
Edilane Carvalho Teles - Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com
Edmerson dos Santos Reis - Doutor em Educação pela UFBA, Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia, DCH III, Membro do Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), Membro da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), Professor permanente do Programa de Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da UNEB. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território (EDUCERE). E-mail: edmerson.uneb@gmail.com
Referências citadas no artigo:
LIVINGSTONE, Sonia. Ragazzi online. Crescere con internet nella società digitale. Milano, Italia: Vita e pensiero, 2010.
TAGLIAPIETRA, Andrea. Esperienza. Filosofia e storia di un’idea. Milano, Italia: Raffaello Cortina Editore, 2017.
TURKLE, Sherry. La conversazione necessaria. La forza del dialogo nell’era digitale. Torino, Italia: Einaudi Editore, 2016.
Edição: Emanuela Varjão
Ilustração: Mello @aaaeooua