Reflexões Discentes
Um vírus, invisível e algumas vezes, até mortal, fez o mundo parar. Talvez, a crise atual, causada pela Covid-19, seja a mais grave da história recente do planeta, fazendo o ano de 2020 marcante, pelas tensões que temos vivenciado. Os impactos provocados pela pandemia afetaram e, ainda afetam, diversos setores da sociedade, aumentando o índice de desemprego, acentuando as desigualdades econômicas e sociais, provocando alta demanda no sistema de saúde, dentre tantas outras consequências para a população global.
Nesse cenário, a educação no Brasil e no mundo vem sofrendo implicações com o distanciamento social, que até o momento é a medida de segurança efetiva contra o vírus. O fechamento repentino de instituições de ensino, desde março, trouxe um novo paradigma para a educação, exigindo a adaptação de professores, pais e alunos, acostumados com o formato de ensino presencial.
Ao contrário do que aconteceu com muitas escolas de educação básica, que tiveram que se adaptar à nova realidade de ensino remoto, a Universidade do Estado da Bahia(UNEB), diante do cenário atípico, sofreu um tipo de blackout, o que ocasionou o adiamento do início do semestre 2020.1, agora, felizmente com previsão de retorno. Assim, foi nesse contexto de apatia do ensino superior na universidade pública e como uma tentativa de ressignificação do momento atual, que surgiu o projeto “Conhecimento em Lives”, com a utilização de recursos entendidos como viáveis ao acesso da comunidade naquele momento, uma vez que, concordamos com Lupinacci (2020, p.2), que
Ao bagunçar o estado de normalidade e livre circulação de pessoas, a pandemia acaba tornando ainda mais complexas as nossas possibilidades de ‘estar no mundo’ através das tecnologias de comunicação, trazendo então as experiências ‘ao vivo’ digitalmente mediadas para o epicentro das nossas rotinas agora primordialmente caseiras. Uma vez em que você se encontra em uma situação de confinamento, qualquer coisa para além da porta de casa vira ‘remota’ ou ‘distante’, e acessível apenas através de tecnologias de comunicação.
Nesse sentido, o projeto nasce com o objetivo de tornar as experiências do isolamento significativas quanto aos saberes, proporcionando ‘novos’ diálogos. Assim, começa a emergir a ideia de algo que pudesse suprir a carência deixada pela ausência dessas trocas proporcionadas nas aulas presenciais, a partir do uso de um recurso que começava a se destacar nas redes sociais durante a pandemia, as lives, as quais possibilitaram transmissões em tempo real por meio de plataformas.
Para os idealizadores do projeto, a manutenção do vínculo era muito importante e, para isso foi escolhido o aplicativo Instagram, na página estudantil @_uneblf, atuando de forma bastante interativa e simplificada com aqueles que assistiam, ou ao vivo, “melhor solução para conectar pessoas e deixa-las fazer parte daquilo que importa para elas pessoalmente, instantaneamente, e independente de distâncias geográficas” (LUPINACCI, 2020, p. 6) ou gravado, em outro momento. Além do Instagram, onde era realizada a transmissão, a divulgação do projeto acontecia em diversas redes sociais (Facebook, WhatsApp, Instagram, Sites).
A partir dos estudos e da experiência prática, pudemos identificar os tipos performáticos das Lives como “musical, conversacional, instrutivo, de pronunciamento, e de companhia” (LUPINACCI, 2020, p.7) e relacioná-los com o projeto, que entendemos ser por vezes ‘lives de companhia’, com a intencionalidade de um laço afetivo claro, a partir de atividades cotidianas e da vontade de estar junto com aquele que está assistindo, além de conversacionais,
[...] o foco encontra-se em uma interação dialógica entre dois ou mais participantes. Tais conteúdos por vezes se assemelham a uma entrevista informal, em que um convidado apresenta questões sobre um tema, tópico ou problema específico, e o(s) outro(s) respondem. Em outras ocasiões, o caráter fático é mais preponderante do que a informação ou troca de ideias, e o importante é a manutenção do vínculo comunicativo por si mesmo, mais até do que qualquer que seja o tópico ou assunto discutido (LUPINACCI, 2020, p.7-8).
Em um primeiro momento pensamos em fortalecer os laços dos discentes com a Universidade, propondo à coordenação e professores dos cursos, um diálogo sobre temáticas voltadas à infância e saúde mental. Porém, não era suficiente às demandas dos estudantes e equipe organizadora que sugeriam músicas, contação de histórias, literatura, meio ambiente, saúde física, economia e projetos de todo o Brasil, que entendíamos fazer a diferença em situações críticas como o feminicídio e violência infantil. Nesse sentido, a proposta se caracterizava pela autonomia estudantil, idealizado por discentes do curso de Pedagogia e contando com a participação de outros estudantes para as mediações.
A metodologia de planejamento se dava a partir de reuniões com a equipe organizadora, para a escolha dos colaboradores a serem convidados. Muitos indicavam as lives como primeira a participar, assim, o roteiro era uma construção entre mediador e convidado. Os mediadores eram escolhidos a partir dos temas com maior interesse e disponibilidade nas datas escolhidas.
Estes momentos mobilizavam pensar sobre o protagonismo discente, importante alicerce em todo o projeto, pois, entendemos que, a partir das práticas desenvolvidas nos ‘bastidores’ ou nas mediações, fortalecemos laços com a comunidade acadêmica e afins, além de construir sentimento de pertencimento.
Os encontros resultaram em reflexões férteis, intensas e inspiradoras sobre os mais diversos temas, vinculando a ação e trocas significativas. Nesse sentido, acreditamos que a nossa formação está no caminho certo, pois, como traz Paulo Freire (2000, p. 47) “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção.”
Linley Martins, uma das mediadoras do projeto, traz um depoimento sobre aprendizagens e sentimentos despertados no decorrer do processo:
“Quando recebi o convite para ser mediadora, foi um misto de felicidade e medo. Eu estaria conversando com convidados diversos, sobre temas diversos em um projeto de duas queridas, que queriam diminuir a saudade em meio ao distanciamento social que estávamos vivendo. […] foi um projeto lindo, que tenho orgulho de ter feito parte. Aprendi muito, conheci pessoas, conversei sobre temas relevantes em um momento de dificuldade, uma pandemia. Saber que muitas pessoas estariam assistindo me dava um "frio na barriga", porém perceber que pelo menos durante 1h aproximadamente estaria conversando com colegas, professores e que poderia diminuir esse distanciamento matando um pouquinho a saudade, me dava a segurança que precisava para fazer. Tenho muito a agradecer […] pelo convite, aos profissionais com quem conversei pelo aprendizado compartilhado e a todos que assistiram e ainda assistem às lives gravadas. Foi uma experiência ímpar!”
Ao todo foram mais de cinquenta temas abordados no projeto envolvendo profissionais de diversas áreas entre elas, educação, saúde, direito, contabilidade, jornalismo, dentre outros. Foram realizadas dez edições com convidados de diferentes regiões do Brasil e até mesmo fora dele, mostrando que o conhecimento atravessa fronteiras e liga pessoas. Segue abaixo quadro com os temas abordados.
CONHECIMENTO EM LIVES | |||
Ed. | Tema | Convidado | Data |
1ª | A importância da UNEB em Lauro de Freitas | Maria Helena Amorim | 04/05/2020 |
1ª | A Saúde Mental dos Universitários | Andreza Mendes | 05/05/2020 |
1ª | Conhecendo a Brinquedoteca Cora Coralina | Marta Pereira | 06/05/2020 |
1ª | A importância do DCE para os estudantes | Gustavo Mascarenhas | 06/05/2020 |
1ª | A minha experiência de monitoria na brinquedoteca Cora Coralina | Linley Martins | 07/05/2020 |
1ª | Filtro do momento da Saúde Mental | Emily Brandão | 08/05/2020 |
1ª | Momento Musical | Nadine Braga | 08/05/2020 |
2ª | A importância da mediação no autismo | Maria Carolina Silva | 18/05/2020 |
2ª | As implicações da pandemia no trabalho da gestão escolar | Cláudia Dias | 19/05/2020 |
2ª | O retrato holográfico da educação escolar e universitária em tempos de pandemia | Antônio Amorim | 20/05/2020 |
2ª | Ansiedade em tempos de isolamento social e na vida universitária | Marivaldina Bulcão | 21/05/2020 |
2ª | Novas tecnologias e redes sociais como ferramenta pedagógica | Hugo Ricardo Silva | 22/05/2020 |
2ª | Live show: Sábado à noite voz e violão | Drica Neves | 22/05/2020 |
3ª | Oficina: ludicidade Corporal | Marta Pereira | 01/06/2020 |
3ª | Competências de professores para a educação durante e pós a pandemia | Gabriella Santana | 02/06/2020 |
3ª | Educação inclusiva em tempos de pandemia | Mamary Lopes | 03/06/2020 |
3ª | Transformação e Resistência: A atuação do educador social em projetos | Liliane Rocha | 04/06/2020 |
3ª | Momento Musical | Eduardo Conceição | 05/06/2020 |
4ª | Conversa da tarde | Carlos Correia | 15/06/2020 |
4ª | Pandemia e vivências contemporâneas: Vidas negras importam? | Ariane Munique | 16/06/2020 |
4ª | Novas perspectivas e conjuntura de vida mediante cenário do distanciamento social | Leticia Figueredo | 17/06/2020 |
4ª | Live Musical | Rodrigo Metais | 18/06/2020 |
4ª | Literatura e relações étnico-raciais | Marcos Aurélio Souza | 19/06/2020 |
5ª | Ressignificando os espaços da nossa casa | Gisele Lopes | 29/06/2020 |
5ª | A literatura e a formação do leitor | Silvio Carvalho | 30/06/2020 |
5ª | Ensino Remoto, Ensino online e EAD – Compreendendo e diferenciando os conceitos e práticas | Kátia Marise Sales | 01/07/2020 |
5ª | A criatividade literária na idade escolar | Fabiana Mariano | 02/07/2020 |
5ª | A importância da literatura infantil na Bahia e seu papel em tempos de pandemia | Palmira Heine | 03/07/2020 |
6ª | A vivência do Yoga na infância | Luiza Moura | 13/07/2020 |
6ª | COVID-19: Como e quando diagnosticar, mitos e desafios na saúde pública | Tereza Rocha | 14/07/2020 |
6ª | Conhecendo o Portal do trabalhador (in) formal (Educação Contábil Custos; Educação Contábil Fiscal/Trabalhista; Projeto Abaê Motô; Educação financeira e a RBE para trabalhadores informais; Educação Empreendedora; | Gisele Gomes; Júlia Mariana; Viviane Barbosa; Milena Costa; Amanda Polidade; Clayton Rocha | 15/07/2020 |
6ª | Meio Ambiente e Pandemia: Como será daqui pra frente? | Luan Lessa | 16/07/2020 |
6ª | Momento Musical | Banda Brisas | 17/07/2020 |
7ª | Memórias afetivas dentro da educação | Winnie Lorena | 27/07/2020 |
7ª | Ressignificando o luto no contexto da pandemia COVID-19 | Leticia Figueiredo | 28/07/2020 |
7ª | O desafio da inclusão no ambiente escolar | Jadson Santos | 29/07/2020 |
7ª | Nós por Elas | Emily Brandão | 30/07/2020 |
7ª | As experiências estéticas em tempos de pandemia | Mônica Bitencourt | 31/07/2020 |
8ª | Agosto é o mês das Marias | Celina de Almeida | 10/08/2020 |
8ª | Reeducação alimentar e pandemia | Vanessa Santos | 11/08/2020 |
8ª | O brincar da criança com deficiência | Verena Ballalai | 12/08/2020 |
8ª | Live Musical | Rodrigo Metais | 13/08/2020 |
8ª | A invisibilidade da mulher na historiografia brasileira | Tainara Moraes | 14/08/2020 |
9ª | Afinal...O que é autismo? | Maria Carolina Silva | 24/08/2020 |
9ª | Imagem na Educação Infantil | Adriana Campana | 25/08/2020 |
9ª | Reforma Tributária | Ricardo Xavier | 26/08/2020 |
9ª | Educação Afrocentrada | Taisa de Sousa Ferreira | 27/08/2020 |
9ª | Sextando com a Braga | Nadine Braga | 28/08/2020 |
10ª | Direito Trabalhista | Joelma Boaventura | 07/09/2020 |
10ª | Eu me protejo: Educação acessível e inclusiva contra a violência | Patrícia Almeida | 08/09/2020 |
10ª | Suicídio: Perspectivas para além do setembro amarelo | Leticia Figueiredo | 09/09/2020 |
10ª | Conhecendo o projeto Setembro Expressões | Marta Pereira e Maiara Santos | 10/09/2020 |
10ª | Live Musical | Rodrigo Metais | 11/09/2020 |
O Conhecimento em Lives possibilitou aprendizados únicos, a cada dificuldade tínhamos a oportunidade de exercitar a resiliência, paciência, foco, empatia (antes, durante e após). A cada nova edição, percebemos no decorrer do processo a evolução profissional em formação de cada mediador. Os conhecimentos adquiridos foram além dos temas discutidos durante os encontros e tivemos que aprender coisas novas para estruturar no projeto desde a organização, contato com convidados e imprensa, produção de flyer de divulgação, gerenciamento de redes sociais, até chegar aos estudos dos temas mediados, um processo de construção diária que pode ser percebido a cada nova edição.
Em meio a pandemia, foi possível conhecer novos “rostos”, ouvir seus amores e dores acerca do momento vivenciado, e fortalecer um movimento em prol de uma educação que permita ao sujeito agir com criticidade e reflexão sobre a ação; o distanciamento físico não poderia ser uma barreira na luta por uma educação de qualidade e de trocas entre os sujeitos, pois, sem diálogo, sem as várias vozes, nada acontece, nada muda. Nós, Ana Bárbara Vieira e Carina Ribeiro acreditamos em uma educação autônoma e de constante trocas por todos e para todos.
Colaboradores e mediadores do projeto: Daniela Jacó, Linley Martins, Mario Omar, Saul Queiroz e Gisele Gomes.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
LUPINACCI, Ludmila. "Da minha sala pra sua": Teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Disponível em: file:///C:/Users/didaa/Downloads/960-Preprint%20Text-1433-2-10-20200714.pdf. Acesso em 05 out. 2020.
Autoras e idealizadoras do projeto:
Ana Barbara Santos Vieira
Estudante de Pedagogia, Universidade do Estado da Bahia - DEDC I / CALFRE
Monitora voluntária da Brinquedoteca Cora Coralina
Membro participante do Projeto Polifonia
Faz parte da equipe de gestão das redes sociais dos estudantes da UNEB LF
Carina Rosa Alves Ribeiro
Estudante de Pedagogia, Universidade do Estado da Bahia - DEDC I / CALFRE
Monitora voluntária da Brinquedoteca Cora Coralina
Membro participante do Projeto Polifonia
Responsável pela administração das redes sociais dos estudantes no Instagram e Facebook da UNEB CALFRE