Liderança jovem no combate ao racismo

Multiciência 15 julho 2021

Genderson Souza

Filho de mãe empregada doméstica e pai agricultor de toda sua família, tanto materna quanto paterna, Genderson Kaio Costa de Souza foi o primeiro a ingressar no ensino superior. Inserido em uma realidade preconceituosa e interessado por política, decidiu focar na área do combate ao racismo. “Era tratado diferente em relação ao meu irmão mais novo que é branco. Familiares diziam: bem que você poderia ter um cabelo igual ao do seu irmão - cabelo liso - Colegas da escola falaram que eu poderia esclarecer minha pele com tal coisa ou poderia alisar meu cabelo que ficaria bonito, não seja mais pixaim.”

Gender, de 24 anos, nasceu na cidade de Mossoró duzentos e oitenta e seis quilômetros da capital do Rio Grande do Norte, Natal. Residente do bairro Dom Jaime Câmara, conhecido em Mossoró como Malvinas, em sua infância já demonstrava interesse por política, pois em seu bairro existia o Grupo Mulheres em Ação (GMA), que assistiu sua família. “Participava das aulas de percussão, flauta doce, teatro e do Grupo Ousadia Juvenil, e tinha discussões voltadas para o combate a violência contra a criança e adolescente, combate ao racismo e ao machismo. Acredito que nesse espaço construído no bairro fez com que eu tivesse mais interesse pela luta política”. 

Suas vivências o levaram ao movimento estudantil/ juvenil. Gender começou a compreender o racismo estrutural e percebeu que ele passava por situações que as pessoas brancas ao seu redor não passavam. No ensino médio, foi se apropriando do assunto e em 2016 participou de uma ocupação na reitoria da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em prol da regularização dos pagamentos de bolsas permanência que estavam três meses atrasadas, além de outras demandas envolvendo questões estruturais da universidade.

- A entrada de estudantes negros e negras nas universidades é bem recente. Isso faz com que nossas demandas sejam colocadas em debate, mas, além disso, faz com que a gente, enquanto sujeitos negros queiramos incidir de alguma forma, pois historicamente o Movimento Estudantil foi um espaço ocupado por pessoas brancas e de classe média. Particularmente, consegui participar mais do Movimento estudantil porque durante toda a graduação tive acesso a um auxílio permanência estudantil.

Ato da UNE - União Nacional dos Estudantes - em Mossoró - RN  

Formado em Serviço Social pela UERN, Gender está concluindo sua gestão na UNE 2019/2021, na qual ocupa a função de Diretor de Combate ao Racismo e atua no Movimento Kizomba, organização presente em diversas frentes como Movimento Estudantil, Movimento Popular, Economia Solidária, Feminismo, combate a Lgbtfobia entre outras.

Gender buscou em sua gestão discutir e construir o debate antirracista para dentro e fora da entidade a partir da construção de espaços de organização dos negros e negras e recentemente, nos dias 11 e 12 de Junho de 2021, realizou o 7º encontro de estudantes negros e negras - ENUNE - que contou com a participação de mais de 1.5 mil pessoas de forma virtual. Ele também organizou o movimento "Future-se", para aprovar o adiamento da data de realização do ENEM no contexto da pandemia.

- Neste ano, diante da pandemia, com os constantes ataques não somente à educação, mas também à saúde e à vida do povo brasileiro, a construção de atos de rua é  essencial para frear um pouco os desmanches, mas ainda não é suficiente para parar todos ataques que estamos vivendo. O projeto do Governo Bolsonaro é um projeto de subserviência ao grande capital e destruição da soberania nacional, nenhum compromisso com o povo.”

Passar confiança em momentos de crise é um desafio para a liderança jovem, mesmo como todos os movimentos, e constituindo uma quantidade significativa da população, o jovem ainda é silenciado na sociedade.

-  É um desafio ser uma liderança jovem, pois há sempre quem queria deslegitimar por eu ser jovem. Mas é muito importante ocupar espaços de liderança e construção. Isso faz com que a gente aprenda muito. Ser uma liderança jovem é importante para que outros jovens também tenham interesse em construir o espaço da luta política, que visualizem nesse espaço uma oportunidade de mudar algo para melhor na sua vida e de outras pessoas.”

É importante a existência de jovens como Gender, para mostrar que podemos ter esperança em mudanças significativas no âmbito social mundial e que ele inspire mais pessoas. 

- Não esqueçam que nossa dor é coletiva, assim como nossa vitória será coletiva. Ergam suas vozes e não deixem nos silenciar mais uma vez. Organizem-se em algum coletivo que tenha como central o debate antirracista. É muito importante compreender que só a luta coletiva muda a vida das pessoas. 

 

Reportagem de Aléxia Viana para Agência Multiciência.