Ana Paula Severo expõe produtos na Feira da economia solidária em Juazeiro (BA) Foto: João Pedro Tínel |
Geleia e licor de palma, de manga com cachaça, de tomate, de maracujá, sequilhos e petas. Esses são alguns dos produtos produzidos e comercializados pelas Odetes, mulheres do Sertão do São Francisco, que encontraram na Economia Solidária uma fonte de renda, independência e protagonismo. Elas fazem parte da Associação de Mulheres em Ação da Fazenda Esfomeado - AMAFE, no município de Curaçá, Bahia. "A economia solidária surgiu em minha vida junto com a AMAFE, e eu sou muito grata”, aponta Ana Paula, uma das Odetes.
O nome Odete é uma homenagem a Dona Odete Ferreira, uma senhora dessa comunidade. Hoje, ela tem em torno de 93 anos e carrega um legado de luta e conquistas. Mesmo sem acesso ao estudo, ela foi responsável por criar a primeira associação da Fazenda Esfomeado e conquistou, através das suas lutas, as primeiras tecnologias de convivência com o Semiárido, como a cisterna, para essa região. Dona Odete é considerada um exemplo de luta para essas mulheres e para a comunidade. Diante desse legado, elas escolheram denominar o projeto com seu nome. “Para homenagear essa grande mulher e mostrar para nossa comunidade que nós podemos buscar e fazer o melhor para as pessoas”, afirma Ana Paula Severo.
Segundo Ronalda Silva, coordenadora da incubadora de Economia Solidária da Universidade do Estado da Bahia, a Economia Solidária: “é um conceito que expressa um conjunto de atividades de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito. Caracterizada pelo trabalho coletivo, a autogestão e valorização do ser humano e não do capital, sendo também considerada uma alternativa para o desenvolvimento sustentável.”
A economia solidária é trabalhada de diversas formas, produtos e serviços no Brasil. De acordo com o Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários - CadSol, aproximadamente 1,4 milhão de pessoas são beneficiadas por esse modelo econômico no país, por meio de mais de 20 mil empreendimentos cadastrados. Esses dados evidenciam a importância da economia solidária, principalmente, para empreendimentos movidos por mulheres, como as da Fazenda Esfomeado.
A associação começou no ano de 2010 ainda na casa das mulheres, através de uma formação sobre a produção de sequilhos, oferecida pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). A partir daí, as Odetes não pararam. A casa já não cabia mais, então, construíram uma mini fábrica da agricultura familiar de 3,5 metros quadrados, que acabou sendo barrada pela vigilância sanitária. Mas, era preciso mais para parar essas mulheres. Elas então foram em busca de parceiras para regularizarem suas produções, conseguiram empréstimos e assim ganharam a regularização do imóvel e a autorização da vigilância sanitária.
Por meio de parcerias públicas, as Odetes ainda conseguiram reformar a mini fábrica e um carro. Hoje o empreendimento também já conta com a parceria do Centro Público de Economia Solidária da Bahia - CESOL, que faz um trabalho junto a esses pequenos empreendimentos para melhorá-los. "As melhorias no grupo foram nos produtos, acesso a compra coletiva de embalagens que ajuda a baratear os custos para o empreendimento e comercialização no mercado convencional em Salvador”, informa Sheila Feitosa, agente socioprodutiva e assessora de comunicação do CESOL. Esse centro desenvolve ainda um trabalho de Educomunicação que orienta a formação para gestão das redes sociais das Odetes.
Associação das Mulheres em Ação da Fazenda Esfomeado. FOTO: Ana Paula Severo |
Mulheres do Sertão do São Francisco, presente!
De acordo com Ana Paula Severo, conselheira fiscal da AMAFE, ao descrever as Odetes: “Não é porque a gente mora no interior, na fazenda, que a gente não pode crescer e realizar nossos sonhos.”, afirma. Ela percebe muito do poder feminino em sua história. “Nós somos parte da perspectiva do poder da mulher sobre as decisões sociopolíticas do território.” Atualmente, há 19 associadas e 5 mulheres na área da produção, Ana Paula é uma delas. Ela acrescenta que ao adotar esse modelo de economia solidária não só houve uma melhora no potencial dessas mulheres, como também no diálogo, atuação de lutas e geração de renda para as famílias, "Faço com muito amor, cada geleia, cada biscoito que sai”, assegura. E é assim que surge essa forma de trabalhar a Economia Solidária no contexto do Sertão do São Francisco, através de matérias-primas da região como a palma e do trabalho e cooperativismo de mulheres da comunidade. FOTO: Ana Paula Severo |
Janaiane da Silva é uma dessas mulheres. Viu a vida ser transformada depois de entrar para a Associação. Ela ocupa o cargo de secretária das Odete e conta que esse projeto foi capaz de abrir seus olhos para entender que mulheres devem ter espaço e podem chegar onde quiserem. “As mulheres era só em casa, a partir desse momento que foi criada a ideia e colocada em prática, fomos abrangendo e mostrando para essas outras mulheres que somos capazes de chegar onde queremos”, afirma Janaiane.
Ela ainda conta que as experiências têm sido muito positivas e mudado totalmente sua vida, visto que antes do projeto era considerado apenas uma dona de casa e mãe, mas após a criação desse grupo ela viu que podia ir além das fronteiras do seu lar e das funções maternas. Impactando assim não só a sua vida, mas a de todas as mulheres do projeto, da comunidade e da sociedade geral.
Mas, mesmo diante de tantas conquistas, essas mulheres ainda enfrentam dificuldades pelo caminho e a maior delas é a dos preconceitos de gênero e o machismo, que descredibiliza as Odetes que querem alcançar sua independência e protagonismo, principalmente no sertão. E é essa a maior dificuldade que Janaiane relata haver nesse momento. “É mostrar para a sociedade que as mulheres podem alcançar seus objetivos e dominar o seu território, defender e mostrar o seu potencial.”
Apesar do trabalho contínuo, essas empreendedoras enfrentam também obstáculos na comercialização dos produtos. Uma das formas encontradas para diminuir essa problemática é a participação em eventos, como a Feira da Economia Solidária, que aconteceu nos dias 5 e 6 de abril de 2024, em Juazeiro - BA. A feira é promovida pelo CESOL e 68 feirantes tiveram espaço para comercializar seus produtos, entre eles, as mulheres da AMAFE.