Janela Azul: uma abertura para a Literatura no Semiárido Brasileiro

Multiciência 22 janeiro 2025

No final de 2024, o instituto Pró-Livro divulgou a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura, que nos últimos quatro anos, o Brasil registrou uma queda significativa no número de leitores, com uma redução de 6,7 milhões de pessoas que deixaram de ter o hábito de ler. Esses dados acendem um alerta sobre os desafios enfrentados pela promoção da leitura no país, destacando a necessidade de iniciativas que estimulem o interesse pelos livros e o acesso à literatura.

Uma dessas iniciativas é a estante "Janela Azul" que marca um importante passo no projeto “Literatura no Semiárido Brasileiro”, que realizará a entrega no início de 2025 de quatro estantes repletas de livros. Uma das estantes ficará na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no Departamento de Ciências Humanas (DCH-III), enquanto as outras três serão concedidas ao Instituto Dona Raimunda e à Casa Dom José Rodrigues, ambos em Juazeiro-BA, e ao Galeota das Artes, em Curaçá-BA. Este projeto promete ampliar o acesso à literatura e fomentar a cultura local entre crianças e jovens da região. 

FOTO: ACERVO DO PROJETO LITERATURA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO 

A professora doutora Maisa Lins, coordenadora do projeto que realiza a iniciativa, compartilha que a escolha do nome "Janela Azul" para as estantes tem um significado especial, já que é  inspirada pela obra do poeta Manoel de Barros. Ela  explica que a expressão remete à literatura como uma janela para o mundo, uma porta aberta para novas experiências e aprendizados. "A estante é uma janela, um convite à exploração do mundo através da leitura," comenta a professora.

A ação compõem o projeto de extensão “Literatura no Semiárido Brasileiro”, que é um desdobramento da e sua tese de doutorado da coordenadora do projeto,  que explora a relação entre arte e educação. "O projeto nasceu do desejo de integrar o projeto de extensão acadêmica (Literatura e vida), oferecendo uma nova perspectiva sobre a educação no Semiárido Brasileiro," explica Lins. 

A expectativa em torno da entrega das estantes é alta. Maisa Lins acredita que as estantes servirão como um ponto de convergência para estudantes, professores e a comunidade. "Esperamos que essas estantes se tornem um espaço de troca, onde crianças e jovens possam não apenas ler, mas também discutir e compartilhar suas percepções sobre os livros", afirma.

Cada instituição terá um padrinho ou madrinha, geralmente um adolescente ou criança, que assumirá a responsabilidade de incentivar a leitura entre seus pares. "O Instituto Dona Raimunda e a Casa Dom José Rodrigues já têm educadoras e pedagogas entusiasmadas com a ideia, e o Galeota das Artes, que já trabalha com teatro e música, agora terá a literatura como mais uma ferramenta de expressão artística," acrescenta a coordenadora. 

FOTO: ACERVO DO PROJETO LITERATURA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

O projeto Literatura no Semiárido Brasileiro promoveu diversas atividades ao longo do segundo semestre de 2024. Entre as ações realizadas, estavam sessões de contação de histórias com livros infantis, oficinas de escultura conduzidas por Carina Lacerda, momentos dedicados a histórias em quadrinhos (HQs), incluindo também momentos de poesia musicada e cantada, entre outros. .

A monitora bolsista e outros participantes do projeto, passaram por formações no centro de formação na roça ‘Vargem da Cruz’ do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) para compreender e aprender mais sobre o território em que atuam. Essas  atividades reforçam o papel da literatura como uma ferramenta poderosa de transformação e desenvolvimento no Semiárido.

FOTO: ACERVO DO PROJETO LITERATURA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Ilca Ribeiro, pedagoga do Instituto Dona Raimunda, ressalta a importância transformadora do projeto Janela Azul no espaço. Para ela, o projeto não apenas liberou emoções e sentimentos, mas também deu voz às histórias internas das crianças, revelando suas personalidades e vivências. "Cada palavra dita e cada história contada valeram a pena, pois relataram as histórias das nossas almas e os sentimentos próprios das crianças do instituto," destaca Ribeiro.

Joane Souza, pedagoga do Instituto Dona Raimunda e mãe de Marlon Souza, um dos alunos beneficiados pelo projeto, expressa sua alegria e gratidão pela iniciativa. Ela compartilha como a literatura ajudou seu filho,  que antes se sentia mal por ter cabelo crespo, a se aceitar e a se sentir bonito. "Quando Israiane contou a história, ele se libertou, quis até deixar o cabelo crescer, porque agora ele se sentia bem", relata Joanne, emocionada ao ver como a literatura pode transformar a autoestima e a identidade das crianças, com o "Os cachinhos de Cecília". 



FOTO: ACERVO DO PROJETO LITERATURA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

A seleção dos livros para compor as estantes foi criteriosa. A professora Maisa e sua equipe, incluindo a bolsista Israiane Brito, fizeram uma curadoria priorizando obras que refletissem a riqueza cultural e literária do Semiárido. A Companhia das Letrinhas foi escolhida como principal fornecedora devido à qualidade de suas publicações e à presença de obras como por exemplo as de Manoel de Barros, cuja poesia ressoa profundamente com os objetivos do projeto.

Israiane Brito, estudante de pedagogia e bolsista do projeto, destaca a importância dessa seleção. "Queríamos que as crianças e jovens tivessem acesso a livros que falassem sobre a nossa realidade, que trouxessem personagens e histórias com as quais eles pudessem se identificar".  A presença de obras de autores locais, como Thaline Lavaux, também foi uma prioridade, garantindo que a literatura regional tivesse um espaço de destaque nas estantes.

Garantir a continuidade do acesso aos livros é uma preocupação central do projeto. A parceria com o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) e a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) visa ampliar o alcance das estantes e fortalecer a conexão com a comunidade. "Estamos planejando novas iniciativas para 2025, incluindo projetos de pesquisa e extensão que possam dar continuidade a esse trabalho”, aponta a coordenadora. . 

O projeto também conta com a participação ativa de estudantes de pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus Juazeiro e campus Senhor do Bonfim, que participam de oficinas e atividades de mediação de leitura nas instituições parceiras. "A experiência de interagir diretamente com as crianças e jovens é enriquecedora tanto para eles quanto para nós, futuros educadores," destaca Israiane.

O projeto Janela Azul representa uma significativa perspectiva para a promoção da literatura  no Semiárido brasileiro. Ao proporcionar um acervo diversificado e acessível, o projeto não só incentiva a leitura, mas também promove o diálogo cultural e a valorização das identidades locais. Com o apoio de educadores, estudantes e a comunidade, a expectativa é que as estantes "Janela Azul" se tornem um catalisadoras  de mudanças positivas, inspirando uma nova geração de leitores no Semiárido Brasileiro. 

Por Meiwa Magalhães, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.