Transição energética causa impactos socioambientais em serras do Semiárido Baiano

MultiCiência 12 novembro 2025
Apesar de prometer desenvolvimento sustentável, projetos de energia eólica e solar têm provocado desmatamento, perda de biodiversidade e conflitos com comunidades tradicionais no território do Sertão do São Francisco.
Foto: Chesf/Divulgação

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP 30, está discutindo soluções sustentáveis para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC até o final deste século. O evento, que está em sua 30ª edição, segue até o dia 21 de novembro, reunindo representantes de 198 países signatários dos tratados internacionais que discutem sobre o tema. 


Um dos momentos de destaque da abertura da COP 30, realizada em Belém (PA), na última quinta-feira (06/11), foi o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu a transição energética como uma das maneiras mais efetivas de conter o aquecimento global.


“Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, declarou o presidente durante o seu discurso. 


Mas você sabe o que é transição energética? 

A transição energética é o processo de substituição de fontes de energia fósseis como carvão, petróleo e gás natural por outras fontes energéticas consideradas renováveis e sustentáveis, a exemplo da energia solar e eólica. Estas são consideradas as melhores alternativas para se produzir energia de forma limpa e substituir o uso de combustíveis fósseis que são os principais responsáveis pela emissão de gás carbônico ou dióxido de carbono (CO2), que contribui diretamente para o fenômeno do efeito estufa. 


Apesar do discurso de sustentabilidade, projetos de energia renovável têm provocado impactos significativos em regiões como o Semiárido Baiano, especificamente nas cidades de Jaguarari e Campo Formoso, que até 2027 estão previstas obras como o Complexo Eólico Manacá. A instalação é um grande projeto híbrido de energia renovável da empresa Quinto Energy, que inclui 405 torres eólicas e 476 mil placas solares. A empresa recebeu licenciamento ambiental em 2023 e é considerado um dos maiores do país. A construção do complexo impacta diretamente o meio ambiente e as comunidades locais. A região abriga nascentes, aves e espécies raras da Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado.


Comunidades indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais são desproporcionalmente afetados pela transição energética no Brasil. A exploração de seus territórios para construção de barragens, usinas eólicas e a extração de minerais como lítio e cobalto resultam em enormes impactos a essas populações,  a exemplo da perda de seus territórios para exploração desses materiais, acarretando na destruição de memórias culturais destes povos. A exemplo do povo indígena Tuxá que tiveram seu território atingido pela construção da barragem de Itaparica (BA). 


Esses efeitos já são perceptíveis na região Semiárida e preocupam a coordenadora do movimento em defesa das serras brasileiras, o Salve As Serras (SAS), Maria Rosa Almeida. “Estão destruindo a biodiversidade, extinguindo comunidades e comprometendo a produção de alimentos, causando insegurança alimentar.” Ela ainda destaca em tom de denúncia o reflexo dessas ações aos animais e produtores. “Eu volto a falar da produção de alimentos caindo, porque as abelhas desaparecem, os morcegos desaparecem", afirma a coordenadora.

  

MAQUIAGEM VERDE


Ainda de acordo com o SAS, uma das estratégias utilizadas por esses empreendimentos energéticos é a desinformação, que vem sendo utilizada de maneira recorrente para que não se perceba com clareza os impactos irreversíveis das instalações de parques eólicos nos locais onde são instalados. A ação é chamada de Greenwashing, onde as empresas se utilizam de um marketing enganoso para passar a ideia de que são sustentáveis.


“O Estado atua como se fosse parte da empresa para promovê-la não apenas facilitando o licenciamento, mas também dando condições para que as empresas se sintam legitimadas nos territórios, além de acobertar crimes ambientais e aplicar multas irrisórias a elas”, destaca Almeida.


Desse modo, os acordos acabam beneficiando mais as grandes empresas do que os povos originários dessas terras, tornando essa ação mais uma transação, do que verdadeiramente uma transição energética. Visto que o capital se tornou o centro de um debate tão vital em meio às mudanças ambientais que o país enfrenta. 

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TRANSIÇÃO (IN)JUSTA


Nesse contexto, é difícil imaginar um cenário em que o país seja sustentado por energia 100% limpa, que não cause degradação ambiental e impactos sociais. Se faz necessário matrizes energéticas para manter a produção em massa que fomenta o consumismo da sociedade. A China, por exemplo, concentra quase 80% da produção de painéis solares, de acordo com o Programa de Sistema Fotovoltaicos da Agência Internacional de Energia (IEA PVPS). Porém, ainda tem o carvão como maior fonte de energia para suas indústrias. 

Em relação a outras formas de se promover a sustentabilidade, que não seja através da transição energética, Amilton Oliveira Mendes, ex-presidente da Associação de Ação Social e Preservação da Água, Fauna e Flora - ASPAFF,  enfatiza que é necessário o cumprimento da lei. “Eu acredito que o mínimo que a gente poderia estar fazendo para mitigar essas questões é pelo menos seguir a legislação, mas a nossa legislação está sendo flexibilizada, ela está sendo comprometida em nome desses avanços nesse processo de desenvolvimento”, concluiu.


A promessa de uma energia limpa e sustentável ainda esbarra em contradições profundas. Enquanto o discurso político se sustenta na ideia de progresso, comunidades inteiras seguem pagando o preço da chamada transição energética, que continua sendo mais uma transação de poder do que um caminho real para a justiça ambiental.



Por: Gabriel Santiago, Guilherme Leite, Guilherme Passos e João Paulo Coelho, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradores do Multiciência.