Congresso Brasileiro de Agroecologia que acontece em Juazeiro-BA prepara propostas para a COP 30

A cidade de Juazeiro (BA) é o centro dos debates sobre agroecologia e justiça climática no Brasil. Entre os dias 15 e 18 de outubro de 2025, a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), campus Juazeiro, está sediando o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). 


O evento ocorre praticamente a um mês antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada pela primeira vez no Brasil, em Belém (PA). O congresso que tem como tema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”, tem como um de seus principais objetivos formular propostas que dialoguem diretamente com as discussões da COP 30. 


Identidade visual e tema do evento. Foto: Reprodução das redes da ABA


A organização da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) em conjunto com movimentos sociais, coletivos agroecológicos e instituições de ensino e pesquisa do Nordeste e de todo o Brasil, reconhece que a escolha da cidade de Juazeiro como sede não foi por acaso. É a primeira vez que o CBA acontece em uma cidade do interior do Brasil e no Semiárido brasileiro. A intenção é destacar o potencial do Semiárido e do bioma Caatinga como protagonistas nas ações e proposições para a COP30. 


“O Congresso não é um evento com data para começar e acabar. É um processo de constante construção coletiva e de socialização de saberes, conhecimentos e práticas, que tem culminâncias a cada dois anos. A nossa escolha por Juazeiro combinou perfeitamente com essa característica de continuidade do nosso evento, em que apresentamos e debatemos os desdobramentos dos CBAs anteriores”, disse Gabriela Schenato Bica, vice-coordenadora regional sul da ABA-Agroecologia.


A agroecologia tem papel fundamental na manutenção dos territórios e dos povos, por isso um dos temas que será debatido no congresso é a justiça social e climática. Historicamente, a região Nordeste sempre foi ignorada pelos investimentos públicos, visto que na década de 1960, o Brasil tinha uma população de 80 milhões de habitantes, mas a propriedade da terra estava concentrada nas mãos de uma pequena elite: apenas 70 mil pessoas detinham a posse de 60% de todas as terras do país. Existiam 12 milhões de camponeses que não possuíam nenhuma terra, e um número de 6 milhões deles nunca sequer haviam tido contato com dinheiro, vivendo em um sistema de subsistência e exploração.


No Nordeste viviam 25 milhões de pessoas, porém, 60% das famílias não consumiam carne, 80% não comiam ovos e 50% não bebiam leite. Todos esses dados podem ser encontrados nos acervos do IBGE entre os censos de 1950 e 1960. Hoje o cenário está melhor. Dados do levantamento sobre segurança alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgou, no dia 10 de outubro de 2025, que o número de pessoas que vivem em lares com insegurança alimentar grave (que enfrentam fome diariamente) caiu 23,5% em 2024. 


Para explicar melhor, dois milhões de brasileiros deixaram a fome, passando de 8,47 milhões em 2023 para 6,48 milhões em 2024. Ainda segundo a pesquisa, as regiões Norte (37,7%) e Nordeste (34,8%) ainda são as que mais apresentam domicílios com insegurança alimentar. Em números absolutos, o Nordeste tem mais domicílios afetados (7,2 milhões), seguido pelo Sudeste (6,6 milhões), Norte (2,2 milhões), Sul (1,6 milhão) e Centro-Oeste (1,3 milhão).


É também pela primeira vez que o congresso vai ter uma cozinha popular agroecológica durante o evento, operada pelo MST, MPA e a Rede Povos da Mata, utilizando alimentos produzidos em Juazeiro e região, e fortalecendo as redes de segurança e soberania alimentar. Além disso, a organização busca criar um circuito de trabalhadores, com cozinheiras e agricultores locais, incluindo também novos produtos orgânicos no sistema de vendas da Companhia Nacional de Alimentação (CONAB).


Gabriela Schenato Bica explica que o CBA busca ecoar experiências brasileiras e regionais que lidam com as adversidades e lutam pela construção e manutenção de conhecimentos necessários para as adaptações e à convivência com o clima.


“O 13º CBA celebra um repertório de saberes que há gerações constrói alternativas de resistência e resiliência histórica, que se traduzem em princípios da agroecologia. Reconhecer essa diversidade social e ecológica do Semiárido é o pressuposto de onde partimos para caminhar rumo às transformações necessárias”, completa Bica.


Mapa com as localizações das atrações do evento. Foto: Reprodução das redes da ABA


Outra proposta que deve ser apresentada no congresso é o reconhecimento da Caatinga como um conjunto de ecossistemas capaz de remover carbono da atmosfera, contribuindo para a diminuição do efeito estufa. A liberação de gases de efeito estufa (GEEs) por atividades humanas é o principal causador das mudanças climáticas. O dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) são exemplos de GEEs que têm a capacidade de reter calor na atmosfera e provocar o aquecimento e as alterações nos padrões climáticos do planeta Terra. 


De acordo com o estudo dos pesquisadores Luís Miguel da Costa, Aaron Davitt, Gabriela Volpato, Gislaine Costa de Mendonça, Alan Rodrigo Panosso e Newton La Scala Jr., “uma análise comparativa dos inventários de GEE e da absorção de carbono pelos ecossistemas no Brasil” (A comparative analysis of GHG inventories and ecosystems carbon absorption in Brazil, no idioma da publicação original) em alguns anos a Caatinga, mesmo ocupando aproximadamente 10% do território nacional, vai responder por quase 50% de toda a captura de carbono realizada no país. 


O trabalho publicado na revista Science of the Total Environment, também mostra que durante 2015 e 2022 (período estudado pela equipe), a Caatinga supera outros biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado. É preciso quantificar esses gases emitidos na atmosfera para se realizar um balanço. Esse processo é formado pelo volume de GEEs emitido das atividades e a subtração pelo carbono que é recuperado, por exemplo, por atividades naturais, como a fotossíntese das plantas.


No Brasil, os setores de agricultura e uso da terra se destacam como os principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa do país. É por isso que nos últimos anos, nações, setores econômicos e organizações têm buscado documentar o volume e o perfil de atividades produtivas responsáveis por esses lançamentos, com o objetivo de minimizar e compensar esse impacto. 


Nesse contexto, onde os modos de vida e sistemas agroalimentares são insustentáveis, a agroecologia é destaque como a ciência cidadã que integra práticas ancestrais e inovações para enfrentar desafios climáticos e promover sistemas de produção e consumo de alimentos sustentáveis. O CBA acredita que é preciso deixar como legado que a agroecologia é ferramenta fundamental para a formulação de políticas públicas, no fortalecimento da segurança alimentar e nutricional e na valorização da diversidade sociocultural brasileira.


Se você quer saber mais sobre a programação do 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia, acesse: https://cba.aba-agroecologia.org.br/programacao-do-13o-congresso-brasileiro-de-agroecologia-cba/. Acompanhe também a cobertura do evento pelo Instagram do MultiCiência: https://www.instagram.com/multiciencia/.


Por João Pedro Tínel, estudante do curso de Jornalismo em Multimeios e monitor do MultiCiência.


Renata Freitas: entre palavras, ciência e caminhos do mundo




Foto: arquivo pessoal | Renata Freitas

Renata Freitas cresceu entre sotaques, paisagens e culturas diferentes. Nascida em Recife, Pernambuco, em 1973, ainda adolescente, aos 16 anos, atravessou fronteiras e morou por um período nos Estados Unidos, onde fez o High School ou ensino médio. Foi nesse período que duas disciplinas mudaram sua vida: Jornalismo e Fotografia. O encantamento pelo poder das palavras e das imagens despertou nela a certeza de que queria transformar comunicação em profissão e projeto de vida.

Para ela, a comunicação nunca esteve restrita às redações e assessorias, foi também forma de conexão, ponte entre diferentes realidades e territórios. Renata construiu sua trajetória marcada pela mobilidade, já viveu no Maranhão, Piauí, Ceará, São Paulo e, em cada lugar, guardou histórias que moldaram sua forma de ver o mundo.

Ao longo da carreira, Renata foi desenhando uma trajetória que atravessa redações, salas de aula e espaços de comunicação institucional. Hoje, apresenta-se como jornalista da Assessoria de Comunicação Social da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), onde também coordena a equipe responsável por dar visibilidade às ações da instituição.

Atualmente, graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1997, e tornou-se mestre em Extensão Rural, em 2019, pela Universidade Federal Vale São Francisco (Univasf),  Renata reúne experiências que passam por diferentes áreas do fazer comunicacional, da docência ao jornalismo público, da escrita cotidiana à gestão de equipes.

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1997, e mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em 2019, Renata reúne experiências que passam por diferentes áreas do fazer comunicacional, da docência ao jornalismo público, da escrita cotidiana à gestão de equipes.

Fora do trabalho, Renata cultiva prazeres simples que revelam sua face mais íntima, os passeios ao ar livre com a família, os com amigas para um café, os livros sempre à mão e as viagens que alimentam a curiosidade pelo novo. Cada detalhe costura uma vida que transita entre a intensidade profissional e os afetos cotidianos.

Foto: arquivo pessoal | Renata Freitas no período que estava como docente da UNEB.

Sua entrada no projeto Multiciência aconteceu em um desses momentos de transição que costumam marcar seus caminhos. Enquanto atuava como professora substituta no curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), assumiu a coordenação do projeto após o afastamento para doutorado da professora Andréa Cristiana Santos. A experiência, nascida quase por acaso, revelou-se um ponto de virada. Entre desafios e descobertas, Renata passou a conduzir um projeto que unia jornalismo, ciência e formação humana.

O início foi marcado pela escassez de recursos, mas também pela potência da colaboração. As pautas eram apuradas com os próprios meios dos estudantes, que se reinventavam para transformar ideias em narrativas. “A prática é essencial para a formação do estudante”, costuma afirmar, uma crença que atravessa toda a sua trajetória. Foi nesse contexto que aprendeu a valorizar a criatividade diante das limitações e o compromisso coletivo de fazer jornalismo mesmo quando as condições não eram ideais.

Entre as memórias desse período, Renata destaca a divulgação do projeto de extensão F-Carranca, da Univasf, uma pauta que simboliza a essência do Multiciência, tornar visível o conhecimento que brota do sertão e dar voz à ciência feita com o pé no chão. Mais do que uma agência de notícias, o projeto se afirmava como um exercício de aproximação entre universidade e comunidade, entre saberes técnicos e experiências de vida.

“A ciência e o conhecimento científico são a base de tudo que fazemos na universidade, especialmente nas instituições públicas, e a comunicação reflete isso. Sempre tive interesse em estar em um ambiente que me possibilitasse estar próxima ao conhecimento e que facilitasse estar em constante aprendizado e compartilhando informações e experiências. A Universidade é o melhor lugar para isso.” Renata Freitas

Essa vivência, que uniu ensino, extensão e jornalismo, ainda reverbera em sua prática atual. Renata reconhece que a passagem pela Uneb e pela docência deixaram marcas profundas, especialmente o prazer de acompanhar o crescimento de quem está começando. “Descobri naquela época que existe uma professora que irá habitar dentro de mim por toda a vida”, revela com ternura. Hoje, à frente da Ascom da Univasf, carrega essa mesma vocação, a de mediar histórias, orientar pessoas e cultivar a comunicação como espaço de aprendizagem constante.

Entre coordenar um projeto extensionista e gerir uma equipe de comunicação, Renata vê mais pontes do que diferenças. Ambos exigem sensibilidade, escuta e compromisso com o conhecimento público. No fundo, o que a move é o desejo de traduzir a ciência em linguagem humana, de tornar compreensível o que transforma o cotidiano das pessoas. 

A Multiciência aparece como um entre passado e presente, entre a professora que orientava estudantes curiosos e a jornalista que hoje coordena uma assessoria dedicada à comunicação científica. E é por isso que, ao olhar para trás, ela reconhece nessa Agência um marco afetivo e formador de uma travessia que ensinou que comunicar ciência é, também, comunicar-se com cuidado. 

 “Apresentar um pouco da rotina profissional em um projeto de extensão faz toda a diferença na vida do estudante, que está apenas conhecendo a profissão. E o jornalismo científico é uma área promissora que necessita de profissionais qualificados”. Renata Freitas

Renata segue, assim, alinhavando sua trajetória com a convicção de que comunicar ciência é também informar para o futuro. Entre palavras, ciência e caminhos pelo mundo, no  especial de 20 anos do Multi, sua história lembra que cada pessoa que passou deixou marcas e que, no caso dela, são marcas de uma vida dedicada a aprender, traduzir e compartilhar o conhecimento.

Por Meiwa Magalhães, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do Multiciência.

Elas dominam o pódio: o reconhecimento do trabalho jornalístico desenvolvido pelas estudantes da Uneb em Juazeiro

A presença feminina no jornalismo em multimeios, do Departamento de Ciências Humanas - DCHIII da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, em Juazeiro-BA, não é novidade em termos de reconhecimento, a universidade já coleciona prêmios e conquistas. O que chama a atenção é que, por trás dessas vitórias, desponta majoritariamente a força de mulheres que transformam pesquisa, prática laboratorial e compromisso social em narrativas premiadas. Cada título conquistado reforça não apenas talentos individuais, mas a potência coletiva que sustenta o jornalismo feito no território e a partir dele.

Ruana Mirele é o resultado da dedicação à pesquisa científica
Foto: arquivo pessoal
Premiada em Pesquisa em Comunicação pela no 48º Congresso Brasileiro de Ciências a Comunicação, promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - Intercom, com o trabalho de conclusão de curso “Deepfakes: uma discussão sobre temporalidade e acontecimento nas eleições brasileiras de 2022”, orientado pelo professor Cecílio Bastos, Ruana Mirele dos Santos consolidou-se como jornalista e uma jovem pesquisadora que alia inovação metodológica e relevância social. A conquista, segundo ela, foi marcada por emoção e gratidão.

Mais que um reconhecimento individual, o prêmio representa a celebração coletiva de uma trajetória construída na escola pública, fortalecida na universidade pública e sustentada pelo incentivo de uma família que acredita na educação. “Simboliza a validação de um trabalho, mas também a comemoração de todas as pessoas que contribuíram para que eu desenvolvesse um carinho enorme pela ciência e pela pesquisa”, conta Santos.

Sua escolha pelo tema surgiu de inquietações sobre tecnologia e jornalismo, amadurecidas ao longo de experiências em projetos de pesquisa e extensão da universidade. A partir de um contato com estudos sobre deepfakes, técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial (IA), a curiosidade virou problema de investigação: como essa tecnologia interfere no debate público e nos processos democráticos? Com apoio do orientador, das provocações metodológicas de professores e do diálogo com grupos de pesquisa como o DataLab que discute a temática, Ruana construiu uma análise inovadora que a projetou nacionalmente.

Para a pesquisadora, pensar deepfakes não é demonizar a tecnologia, mas problematizar seus usos. “Vivemos um momento em que a democracia exige atenção renovada e crítica. Minha intenção foi propor uma reflexão fundamentada, revelando aspectos muitas vezes invisíveis, mas que podem fragilizar o debate público e gerar desequilíbrios no cenário eleitoral”, explica.

O professor Cecílio Bastos reforça que o trabalho se destaca por unir criatividade metodológica e originalidade temática, dialogando com urgências do nosso tempo. Para ele, o prêmio reconhece também a força da pesquisa coletiva, fruto do intercâmbio entre o Laboratório de Narrativas e Linguagens Comunicacionais (LabnCom) e o Datalab Design. “Ruana aproveitou cada pilar da universidade, ensino, pesquisa e extensão, ela construiu um trabalho de excelência”, destaca o orientador.

Amanda Rodrigues reforça a importância de pautar o seu povo e o seu território
Foto: Meiwa Magalhães
Vencedora nacional da Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação - Expocom 2025, na categoria ‘Roteiro de Documentário’, a universitária Amanda Rodrigues trouxe para o centro da narrativa jornalística o semiárido baiano e seus modos de vida, com o projeto “Dentro do Meu Interior: A história de quem escolheu ficar”, orientado pela professora Carla Paiva. O roteiro nasceu de uma inquietação pessoal, marcada pela história de sua tia que, contrariando expectativas familiares e sociais, decidiu retornar ao distrito do Junco, no Salitre, em Juazeiro (BA).

A decisão, vista por muitos como retrocesso, despertou em Amanda o questionamento: por que a zona rural, chamada por muitos de “interior”, ainda é associada à falta e à carência? A partir de questionamentos sobre o tema, a estudante construiu uma proposta de narrativa, que ecoa as vozes dos moradores locais e reflete sobre a permanência no território citado como escolha política e afetiva. Ao receber o prêmio, Amanda destacou que a conquista representa um aprendizado sobre acreditar nos próprios processos criativos.
“Foi uma sensação de alegria e de confirmação de que precisamos confiar mais no que fazemos. A professora Carla sempre acreditou muito nesse roteiro, até em momentos em que eu mesma duvidava”, pontuou. Para ela, o reconhecimento nacional amplia a visibilidade de histórias que raramente chegam às telas sem estereótipos, e reforça a importância de produzir comunicação sobre esse território.

Amanda também ressalta que o roteiro não busca romantizar o interior, mas apresentar sua complexidade. “O objetivo é mostrar o interior como ele é, a partir da escuta das pessoas. Existe um movimento para desconstruir a visão inventada sobre o Nordeste, quase sempre reduzido à seca, à miséria, a estigmas. O interior guarda histórias, memórias e culturas que precisam ser valorizadas”, comentou.

A professora Carla Paiva vê a premiação como prova da força da produção acadêmica no curso de jornalismo em Multimeio, de Juazeiro (BA). “O trabalho de Amanda dá destaque a outras possibilidades de bem viver, mostrando que o semiárido não é apenas um espaço de adversidades, mas também de afetividades e de qualidade de vida. Ser reconhecido nacionalmente demonstra que há espaço para narrativas que fogem dos estereótipos e validam o semiárido como território legítimo de morada e de produção de conhecimento”, afirma.

Ariele Lima: dar luz ao ativismo feminino deve ser parte do fazer jornalístico
Foto: Alexandre Santos
Premiada entre os três melhores trabalhos da categoria Jornalismo Universitário no Prêmio Sebrae Bahia 2025, a universitária Ariele Lima conquistou reconhecimento estadual com a reportagem “Guardiãs da biodiversidade e da agroecologia: valorizando saberes tradicionais, grupo de trabalhadoras rurais luta por autonomia financeira no semiárido baiano”, publicada no jornal laboratório “Cobaias”, do curso de Jornalismo em Multimeios do DCHIII da UNEB, sob orientação da professora Talyta Singer.  

A reportagem acompanha a trajetória de um grupo de trabalhadoras rurais do distrito de Massaroca (Juazeiro-BA), que, por meio do Projeto de Empoderamento Econômico das Trabalhadoras Rurais, fortalecem laços comunitários e reivindicam o lugar das mulheres no campo. Entre as iniciativas estão o banco de sementes e as atividades produtivas que buscam afirmar a sustentabilidade econômica aliada à solidariedade, mostrando que a organização coletiva pode ter prosperidade. 

Ariele conta que a reportagem nasceu de forma inesperada. “Quando conheci as mulheres não estava procurando uma pauta, era uma viagem de trabalho. Nesse dia, houve um momento de relaxamento com elas e pude passar muitas horas em convivência. Assim que conheci o projeto, percebi que era uma ótima história. No mesmo dia, conversei com a professora Talyta sobre escrever já pensando no Prêmio Sebrae, e ela topou.”  

A professora Talyta Singer destaca que a conquista de Ariele representa muito mais que um reconhecimento individual, o prêmio evidencia a importância de narrar o território em que se vive. “Se a gente não falar da gente, quem vai falar? Se nós que vivemos essa cidade, essa zona rural, essa cultura, essas contradições, essas realidades múltiplas não formos capazes de contar as nossas próprias histórias, vamos sempre ser espectadores das narrativas dos outros”, afirma.

Ariele destaca que escrever sobre o projeto foi também um processo de reafirmação profissional e pessoal. “Me sinto feliz, sinto que minha escrita honrou a importância do projeto e as histórias dessas mulheres”. Sobre a premiação, ela diz: “tentei não criar muitas expectativas. Na hora que fui chamada fiquei em êxtase”, comentou a estudante. 

As conquistas e futuros possíveis

As histórias de Ruana, Amanda e Ariele atravessam diferentes caminhos, mas se encontram na certeza de que o jornalismo em multimeios feito na UNEB, em Juazeiro, é espaço de criação. Ao mesmo tempo em que afirmam a força feminina no campo acadêmico, suas vitórias anunciam um futuro em que jovens comunicadoras seguem expandindo fronteiras e redesenhando a história sobre o semiárido baiano, a democracia e os modos de viver. Mais do que ocupar o pódio, elas mostram que contar histórias é também transformar e contribuir com a sociedade.

Por Laíse Ribeiro e Meiwa Magalhães, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do Multiciência.



Andréa: Uma menina que gosta de ler e de ciência


Os jornais serviam como material para empacotar alguns produtos e alimentos em Paripiranga, cidade do estado da Bahia, que faz divisa com Sergipe e está dentro do antigo “Polígono das Secas”, uma região localizada no Semiárido Nordestino.


Foi em Conceição de Campinas, distrito desta cidade, em 1 novembro de 1976, que nasceu Andréa Cristiana Santos. Na época, as mulheres que nasciam ali poderiam nunca alcançar uma formação acadêmica. A escola disponível para estudo só oferecia formação até a quarta série, mas Andréa queria mais, tinha apego pelo estudo e conhecimento. Com a ajuda de sua irmã, que tinha acabado de se casar, conseguiu autorização dos pais, Pedro Leal dos Santos e Josefa Leal de Santana, para sair de sua cidade natal e ir morar em Simão Dias (SE), com ela para continuar os estudos. 

Foto: Arquivo 
No Ensino Fundamental II, começou a sonhar em fazer universidade. A meta era entrar na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas em qual curso? Andréa se conectou com seu passado para descobrir o que fazer. Lembrou da mercearia do seu pai e de como os jornais antigos eram usados para embrulhar as mercadorias. A memória sobre a infância enchia a mente de Andréa com matérias que lia, quando via os recortes dos jornais. Decidiu por Jornalismo, era aquilo que a ligava com o mundo local e global. 


Na universidade, mais uma lâmpada acendeu em sua cabeça, descobriu a importância da ciência. Começou a concorrer a bolsas de Iniciação Científica e conseguiu entrar em um projeto para estudar sobre jornalismo e política, mas não ficou somente na pesquisa. Durante a experiência universitária, participou da Agência UFBA em pauta e iniciou assim sua trajetória com a divulgação científica, o que consolidou sua vontade de ser jornalista. “Este foi um momento decisivo para mim, decidir seguir nos estudos. Eu sempre quis ser jornalista e me dediquei a essa área porque entendi que é uma profissão que utiliza instrumentos de transformação social para promover interação entre sujeitos e segmentos sociais.” 


Entre suas experiências de trabalho em comunicação, foi estagiária em associações ligadas aos direitos de funcionários públicos e assessora do Deputado Daniel Almeida. Participou também do grupo Tortura Nunca Mais, na produção de materiais sobre a garantia de direitos humanos e no trabalho de mapeamento de desaparecidos políticos. Além disso, trabalhou como assessora da Federação das Indústrias da Bahia (FIEB) e atuou como trainee da Revista Veja, na área de educação dentro da revista Nova Escola.


A partir das experiências de estágio e trainee, Andréa entrou no mercado de trabalho fazendo parte da redação do jornal Tribuna da Bahia. Na época, o jornal era conhecido como aquele que abria as portas para os recém formados em comunicação. Andréa trabalhava em todas as editorias e gostava de estar perto de todo o processo de produção do jornalismo.


“Eu estava em todo o lugar, acompanhava a coleta de dados pela manhã e passava o dia escrevendo. Sempre ficava perto da edição, querendo que as minhas matérias fossem destaque e eu até ficava olhando a impressão dos jornais. Foi uma experiência muito rica, conversávamos com os editores e chefes de redação para entender melhor como funcionava a rotina produtiva do jornalismo”, lembrou com brilho nos olhos.


Depois disso, recebeu o convite para trabalhar na editoria de jornalismo econômico do Jornal Correio da Bahia e percebeu mais uma vez a importância da utilização das fontes científicas e especializadas. Para ela, quando se participa de uma redação que chegava em toda a Bahia, é necessário apresentar contextualização, dados, fontes e, principalmente, fazer ligação entre o global e o regional.


Andréa decidiu voltar para a academia, agora para um mestrado em 2002. Saiu do jornalismo impresso, se concentrou no Mestrado em História na UFBA e se conectou novamente com as salas de aula. Através de um convite para ser professora substituta, iniciou sua trajetória docente na Faculdade Integradas da Bahia (FIB) ensinando história do jornalismo, e na Faculdade de Ensino Superior de Feira de Santana (UNEF).


Em 2004, surgiu a oportunidade de realizar o concurso para ser professora na Universidade do Estado da Bahia. O curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo em Multimeios foi o destino. Em 15 de março de 2005, mais uma mudança, dessa vez para Juazeiro-BA, onde Andréa tornou-se professora desse curso. No entanto, mesmo estando na área do ensino, a professora não queria se afastar do jornalismo diário. “Eu fui pra área do ensino, mas ser professora de jornalismo é também exercer uma atividade jornalística e ser jornalista também me permite ser professora.”


Para manter viva a experiência da rotina jornalística, Andréa criou em 2005 um projeto de extensão - Agência de Notícias MultiCiência. O projeto nasceu da vocação de Andréa para o realizar o exercício laboratorial do campo jornalístico entre os alunos e divulgar a produção científica do Semiárido e do DCH-III. O MultiCiência funcionava nos laboratórios da UNEB como uma redação formada por estudantes do curso de jornalismo.

Foto: http://multicienciaonline.blogspot.com/2011/07/estudantes-participam-de-curso-sobre.html 

A professora percebeu que o Vale do São Francisco se modificava por conta das universidades e instituições de ensino presentes na região. Então, era preciso pensar como pautar o conhecimento e a diversidade produzidos na região. Nos anos iniciais, a produção da agência era divulgada em jornais locais como Gazzeta do São Francisco, somente a partir de 2008 que o blog do MultiCiência teve as duas primeiras postagens: A Reportagem em Jornalismo Científico e A que se destina o projeto MultiCiência?. 


Em “A Reportagem em Jornalismo Científico”, Albert Einstein é capa de um artigo que fala sobre a divulgação científica e como os jornalistas têm papel fundamental na soberania das nações e na disseminação de informação científica para a população. “Em suma, o jornalismo comprometido com uma informação jornalística o mais abrangente possível e que possa ajudar o leitor a tomar decisões e adquirir auto-governança.” (Trecho retirado do texto, sem assinatura)


O outro “A que se destina o projeto MultiCiência?” explica o objetivo do projeto e estimula a produção de divulgação científica e a participação das universidades e público a participar do blog. “Com a intenção de facilitar o fluxo de informação entre o universo acadêmico e os produtores de comunicação, a Agência de Notícias MultiCiência se propõe a agendar na mídia local projetos de pesquisa e de extensão produzidos no Campus III.” (Trecho retirado do texto assinado por Andréa Cristiana Santos) 


“Na época que iniciamos o MultiCiência nós não tínhamos muito na imprensa a ideia de pautar diversidade dos sujeitos e das pesquisas, mas isso estava presente, quando pensávamos sobre que tipo de ciência queremos produzir ou que tipo de divulgação científica nós proporcionamos para região. É através da produção encantadora do jornalismo, como a fotografia, o texto, o vídeo, que a gente consegue desvelar as contradições do mundo e os problemas da região que conseguimos realizar a transformação nesses cenários”, destacou Andréa.


A professora Andréa explica que o nome “MultiCiência” surgiu a partir da reflexão que fez para pensar a ciência do Semiárido do Vale do São Francisco: “É preciso entender que ela está em tudo, desde a tradição e cultura local até a produção acadêmica das universidades. Por isso o “Multi” se conecta com a “Ciência””, conclui. Andréa ainda complementa que o MultiCiência é a primeira agência de divulgação científica no interior com regularidade a existir e que seguia inspirações de revistas e produções da Fapesp (SP) e das experiências de jornais sobre o tema.


“Eu sempre pensei o jornalismo como campo de conhecimento em uma perspectiva do singular que busca a contextualização, numa perspectiva marxista e do trabalho do pesquisador e jornalista Adelmo Genro Filho. O MultiCiência é um jornalismo crítico e emancipatório da realidade, é sobre como o jornalismo e a produção científica interferem no local”, afirmou com seriedade e otimismo no tom de voz.


Uma das produções que Andréa destaca como relevantes para o MultiCiência foi a participação e cobertura no primeiro Semiárido Show (evento organizado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária - IRPAA -, para apresentar formas de produção que gerem renda, sustentabilidade e convívio com o Semiárido), em 2011.

Foto: https://multicienciaonline.blogspot.com/2011/08/multiciencia-participa-da-divulgacao-da.html 

Outra importante matéria que fez o MultiCiência relevante foi “Essa guerra às drogas de fato é uma guerra contra os pobres, contra a pobreza e contra a periferia”, publicada em 16 de junho de 2010, por Helen Sampaio e Raianne Guimarães. O texto é uma entrevista com o Edward MacRae, doutor em Antropologia Social e professor da UFBA, sobre o consumo de drogas e a criminalização do uso de substâncias entorpecentes.

Foto: http://multicienciaonline.blogspot.com/2010/06/essa-guerra-as-drogas-de-fato-e-uma.html



Para Andréa, o papel do MultiCiência é divulgar que o Semiárido e o interior produzem ciência. Esse projeto está interessado nos problemas e soluções na região, e que essa produção jornalística “quebre os muros e seja livre” para produzir e estar em outros espaços e lugares. Atualmente, mesmo longe da coordenação da Agência, por questões administrativas, a professora Andréa enxerga o futuro do “Multi” como agregador de uma ciência jovem com o protagonismo dos estudantes, buscando falar do Semiárido com uma cultura científica de fato em multimeios, trabalhando com o audiovisual, texto e trabalho com a educação básica.


“Eu não consigo identificar nem traduzir quem eu fui e quem eu sou hoje. Quando eu penso entre a Andréa de hoje e a de antes, eu lembro de minhas raízes. Eu sou uma menina do interior que sempre gostou de ler e que acredita que a ciência é um instrumento de transformação social e que promova o desenvolvimento. O MultiCiência é um desses instrumentos”, contou Andréa com um olhar reflexivo ao lembrar de sua trajetória.


“Sejamos éticos, responsáveis e procuremos seguir o nosso caminho. Um dia, pode se curtir o luto, noutro comemoraremos vitória. Conquistemos, agora, pelo que sempre lutamos: adquirir uma formação ética, cidadã, crítica, especializada e profissional para cumprir a difícil tarefa de ser jornalista neste país.” (Trecho retirado do texto A que se destina o projeto Multi.Ciência?, assinado por Andréa Cristiana Santos)



Por João Pedro Tínel, estudante de Jornalismo em Multimeios e monitor voluntário do MultiCiência.


Arte e denúncia se encontram na obra [às] Margens do Olhar (AMO) do fotógrafo Heitor Rodrigues

Entre o preto e branco das páginas e as cores vivas da parede, histórias ganham rosto, voz e dignidade.

Está em exibição no foyer do Centro de Cultura João Gilberto, em Juazeiro-BA, até o próximo dia 05 de setembro, a exposição das imagens que compõem o fotolivro “[às] Margens do Olhar (AMO)” do fotógrafo baiano Heitor Rodrigues. O trabalho fotodocumental é uma reconstrução das representações imagéticas de pessoas em situação de rua, através da fotografia, buscando dar um novo significado diante dos estigmas e preconceitos impostos a elas.
Foto: Heitor Rodrigues
O livro fotográfico é resultado de uma imersão antropológica do autor pelas ruas de Juazeiro-BA, Petrolina-PE e São Paulo-SP durante um processo que durou mais de dois anos. São 13 fotografias em preto e branco distribuídas em 15 quadros, que juntas contam a realidade das pessoas em situação de rua, mas que, segundo o artista, também revelam o afeto como uma forma de caridade e de ação social, como o trabalho realizado pelo padre Júlio Lancellotti, uma das principais referências na defesa de pessoas em situação de rua e um dos colaboradores da obra do fotógrafo.

O projeto nasceu em janeiro de 2013, quando o fotógrafo se mudou de Feira de Santana-BA para morar em Juazeiro-BA. Ao chegar, ficou impactado com a quantidade de pessoas que viviam pelas ruas da cidade, e como elas estavam presentes em diversos cantos do lugar, principalmente as crianças, que muitas vezes via vendendo algum tipo de alimento pela orla. Mas foi após o período de quarentena, durante a pandemia de COVID-19, em 2020, que o projeto começou a ganhar forma, quando as pessoas em situação de rua passaram a utilizar cartazes nos semáforos de trânsito para se comunicar com a sociedade e denunciar o abandono silencioso com os que não tinham um refúgio durante o isolamento social que atingiu o mundo.

“Todo esse impacto social, reflexo da desigualdade, me motivou a mergulhar nesse universo repleto de vulnerabilidades, utilizando a fotografia como instrumento de memória/denúncia/reflexão”, comenta o fotógrafo sobre o pontapé que deu luz ao projeto AMO.

O trabalho do autor coincide com os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a população em situação de rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), que revelam o aumento contínuo nos números de pessoas que vivem em situação de rua no Brasil. Segundo o estudo de abril de 2025, são mais de 335 mil pessoas que vivem nas ruas do país, agravados pelos resquícios da pandemia de COVID-19 e da precarização das condições de vida e trabalho.

Dessa forma, as fotografias do livro e exposição se revelam como uma forma de denúncia acerca do descaso com as pessoas em vulnerabilidade social, que muitas vezes são marginalizadas e invisibilizadas pelo setor público e pela sociedade. Ao visitar a mostra fotográfica, o autor quer que os visitantes reflitam sobre que tipo de imagem é socialmente empregada a pessoas em situação de rua e que de algum modo revejam os possíveis preconceitos entranhados em si mesmos, para conseguir enxergar uma imagem humana em quem está em situação de vulnerabilidade.

“A fotografia é uma arte que tem um potencial enorme para mudar o mundo. É uma ferramenta de resistência e denúncia, mas principalmente de reflexão. A fotografia costuma mostrar o que muitos não querem ver. Então, espero que esse projeto leve a uma sensibilização da sociedade e do poder público com as pessoas em situação de rua” completa Rodrigues sobre o impacto social das fotografias.
Foto: Heitor Rodrigues
O livro reúne 135 fotografias e relatos colhidos entre 2022 e 2025, além do prefácio da obra escrito pelo padre Júlio Lancellotti. Sua versão física pode ser adquirida por R$100, já a versão digital pode ser encontrada gratuitamente em formato de pdf e e-pub, ambos no site da editora P55 Edição. Parte dos exemplares também serão distribuídos em escolas públicas e na biblioteca municipal de Juazeiro.

 visita à exposição é gratuita e pode ser feita de segunda a domingo, durante todo o dia. Além do Centro de Cultura João Gilberto, o fotógrafo vai levar as imagens para serem expostas no dia 15 de setembro no Centro Pop de Juazeiro, onde vai rolar uma roda de conversa das 09h às 12h. O Centro Pop é uma casa de acolhimento localizada no bairro Maria Gorete, que dá assistência às pessoas que vivem pelas ruas da cidade, lugar onde muitos dos momentos do livro e exposição foram registrados. O projeto AMO tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal.


Por Álison França, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaborador do MultiCiência.

Agosto Lilás reforça combate à violência doméstica e fortalece rede de apoio às mulheres

Criado em 2022 pela Lei nº 14.448, o Agosto Lilás é uma campanha nacional dedicada à conscientização e enfrentamento da violência contra a mulher. O mês foi escolhido por marcar a sanção da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, considerada um divisor de águas no combate à violência doméstica no Brasil.
Caminhada do Agosto Lilás em Petrolina (PE), realizada no dia 22, reforça a luta contra a violência de gênero

A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabeleceu mecanismos mais eficazes para prevenir, punir e assistir mulheres em situação de violência. Embora não tenha sido a primeira legislação sobre o tema, é reconhecida como marco fundamental por ter dado voz às vítimas e fortalecido sua confiança em denunciar.

Segundo pesquisas do DataSenado, após a lei Maria da Penha, as mulheres passaram a se sentir mais protegidas e encorajadas a procurar ajuda, o que levou à criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). Ainda assim, muitas vítimas enfrentam dificuldades para identificar que vivem em um ciclo de violência, que geralmente passa por etapas de tensão, agressão, arrependimento e aparente carinho do agressor.

“Nosso principal papel é fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas e atender vítimas que já estão amparadas pela lei”, explica a sargento Eugênia, da Patrulha Maria da Penha do 5º BPM de Petrolina, que participou da Caminhada Lilás realizada no município no último dia 22.

As ações do Agosto Lilás buscam dar visibilidade ao problema e estimular denúncias. Em Juazeiro, a secretária da Mulher e Juventude, Érica Daiane Costa, ressalta que a violência de gênero está diretamente ligada à desigualdade social. “Muitas mulheres não possuem autonomia financeira e acabam permanecendo em relacionamentos abusivos. Trabalhamos para oferecer cursos, geração de renda e apoio à saúde mental, a fim de garantir que elas alcancem independência”, afirma.

As vítimas podem denunciar de várias formas: pelo 180 (Central de Atendimento à Mulher), pelo 190 (emergência policial) ou acionando a Ronda Maria da Penha da Guarda Municipal de Juazeiro, disponível 24 horas pelo telefone 153 e também pelo WhatsApp (74) 99927-7677. Além disso, o CIAM funciona em horário comercial para acolher e encaminhar mulheres que buscam apoio.

Mais do que um mês de conscientização, o Agosto Lilás representa um chamado coletivo para a transformação social. Ele não apenas relembra a importância da Lei Maria da Penha como também reforça que o enfrentamento à violência contra a mulher exige união entre poder público, sociedade civil e comunidade. Cada denúncia realizada, cada rede de apoio fortalecida e cada mulher acolhida representam passos fundamentais para romper o ciclo da violência. Por isso, o Agosto Lilás não deve ser visto apenas como uma campanha simbólica, mas como um compromisso contínuo com a vida, a dignidade e a liberdade das mulheres brasileiras.

Por Inês Eugênia Cruz, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.




Do candeeiro à tecnologia da irrigação, na trajetória do produtor rural Valdemiro Rodrigues

                                                                                   Foto: arquivo pessoal

No coração do Sertão da Bahia, há um povoado chamado Itamotinga, área rural de Juazeiro. Lá está o mundo todo de Valdemiro Rodrigues Gonçalves. Foi lá que ele nasceu e carrega no rosto o amor e as marcas deixadas pelo sol da Caatinga.  “Didi”, como é conhecido na região, é daqueles produtores rurais que aprendeu com a vida sobre cada palmo de chão, faça sol ou chuva. Nas mãos, a história de quem construiu tudo com esforço e paixão pela agricultura. Aos 63 anos de idade, ele se orgulha de sua história desde que veio ao mundo quando nem havia energia elétrica na casa da família.

“Nasci com parteira, sob a luz de candeeiro”, conta ele que foi criado na roça e desde pequeno ajudava os pais a plantar feijão, mandioca e produzir farinha para o sustento da família. Só na vida adulta foi que teve privilégio do acesso à luz  elétrica. Os estudos foram feitos com dificuldades e alguns atrasos diante das dificuldades financeiras da família.

Após um intervalo de oito anos fora da escola, Didi concluiu a 8ª série do antigo ginasial em 1988. Em 1991, aos 30 anos, formou-se técnico em agropecuária pela Escola Agrotécnica de Juazeiro. Graças ao diploma, lhe surgiram oportunidades de trabalho em diversas empresas. Há pouco mais de 20 anos, deu início a um sonho: a criação do projeto da Agropecuária Santa Isabel, a 5 quilômetros da zona urbana. Tudo começou com quatro hectares irrigados e hoje somam mais de dez.

Sua produção só tem crescido com uma variedade na fruticultura incluindo manga, melancia, melão e, principalmente, uva, como carro-chefe. “A agricultura é minha paixão. Cada dia gosto mais e procuro me aperfeiçoar para atender o mercado”, afirma. A Fazenda Santa Isabel há anos vem agregando inovação tecnológica. O sistema de irrigação é automatizado e funciona durante a madrugada, aproveitando a tarifa reduzida de energia, com economia de até 70% na conta.

                                                                             Foto: arquivo pessoal                                                                          
                               
“Antes, eram quatro homens por hectare. Hoje, com dois, a gente faz tudo”, ressalta. De acordo com Didi, a adoção da fertirrigação - técnica que aplica fertilizantes via água de irrigação - otimizou ainda mais o cultivo, aliando sustentabilidade e produtividade. Apesar dos avanços, o produtor que se identifica como micro empresário observa que competir como pequeno produtor em um cenário dominado por grandes empresas e produtores estrangeiros não é tarefa fácil.

Hoje a propriedade ocupa 30 hectares, sendo 6 de reserva legal e 21 agricultáveis, com 10 hectares de uva e 7 voltados ao cultivo de manga, além de   melancia, melão e feijão. A produção de uva de mesa está concentrada principalmente no Vale do São Francisco, com uma área cultivada superior a 12 mil hectare. Valdemiro adianta que está se voltando para  a produção de uva de mesa, cultivada especificamente para consumo in natura, ou seja, para ser consumida fresca, ao contrário das uvas destinadas à produção de vinho ou sucos.

Os desafios enfrentados na agricultura são muitos. Há cinco anos, ele perdeu 6 hectares de goiaba com mais de quatro mil pés e  expectativa de colher seis caixas de frutas por planta. “Foi um investimento de R$ 150 mil. Entraram vermes microscópicos chamados nematoides, que se disseminaram no pomar. Perdi tudo o que previa faturar, não faturei”, lamentou ele que de certa forma já deu a volta por cima e aposta em parcerias com empresas maiores que já atuam no mercado internacional.

Educação e agroturismo

Além de agricultor, Didi também vem se tornando um exímio educador informal. Desde 2010, quando começou a receber visitas escolares, sua propriedade já foi destino de mais de 400 ônibus, reunindo cerca de 1.200 estudantes de quase todos os estados do Brasil. Tudo começou quando Valdemiro recebeu uma ligação de um amigo sugerindo que ele recebesse uma turma da Escola Agrotécnica do IFPE (Campus Barreiros) em sua agropecuária.

Desde então, a parceria se consolidou e, ao longo de 30 anos, dezenas de alunos, visitaram a propriedade para aprender sobre manejo na fruticultura e irrigação. "A partir dessa visita, o boato correu sobre os resultados e começou a despertar interesses de outras instituições", lembra Valdemiro.

Diversas caravanas da maioria dos estados do país reunindo turistas, empresários, produtores e representantes de várias instituições já circularam pela fazenda sob a coordenação de Valdemiro e sua equipe.  Ele também faz o aparato da comunicação empresarial ao produzir conteúdos sobre as visitas e outras atividades para o Instagram. "Para conquistar o turista, é preciso ter o produto e a história. Muitos que vêm visitar me acharam pelas redes sociais socias", observa

                                                                                Foto: arquivo pessoal

Para Valdemiro, cada visita é uma oportunidade de troca e de possíveis negócios, ao tempo que ajuda produtores de outras regiões a conhecerem nossa complexidade agrícola. “O que eu não souber responder, gravo e depois procuro. Hoje, o celular virou minha biblioteca”, conta.  O nome da fazenda é uma homenagem à mãe: “Isabel era uma santa, a melhor do mundo”, diz, emocionado. Na Santa Isabel, Didi transformou a roça em espaço de aprendizado, acolhimento e troca de saberes.

                                                                                    Foto: arquivo pessoal

Nas postagens de sua rede de comunicação, ele registra os momentos com fotos e vídeos no campo. Também reflete sobre os desafios da agricultura familiar no Vale do São Francisco, uma das regiões mais produtivas do Brasil. Em meio a tecnologias de ponta e concentração de renda, Didi acredita no caminho oposto: o da partilha. “Tem que ter coragem, visão e amor pelo que faz. Aqui é plantar no sol, colher na chuva e aprender o tempo todo”.

Reportagem  produzida na disciplina  de Redação I, sob orientação do professor Emanuel Andrade.

Por Amy Ferreira e Júlia Araújo, estudantes de Jornalismo em Multimeios.




Ciência e inovação tecnológica para soluções sustentáveis na agricultura familiar é o foco do Semiárido Show de 2025

Estrutura da edição passada. 
Crédito: ASCOM Embrapa Semiárido 
Com o foco na inovação tecnológica, a 11ª edição do Semiárido Show busca soluções sustentáveis para o desenvolvimento do semiárido, destacando o protagonismo da agricultura familiar no Vale do São Francisco. O evento traz como tema "Ciência e Inovação para a inclusão socioprodutiva” e acontece de 26 a 29 de agosto, na sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Petrolina -PE.

A temática está alinhada com a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro, em Belém-PA, que promete reunir milhares de pessoas de aproximadamente 200 países para avaliar, discutir e aprovar metas para o combate aos efeitos da crise climática no mundo. Para Lúcia Kiill, chefe-geral da Embrapa Semiárido, a edição de 2025 do Semiárido Show promete ser um espaço inovador, entendendo a importância da agricultura familiar sustentável unida à COP30. A ideia não é somente promover uma agricultura que resista às adversidades do clima, mas que seja parte ativa da solução global para o enfrentamento das mudanças climáticas.

”Esse é um tema que está aliado com à Cop 30, e buscamos com ele promover discussões e pensar políticas públicas em torno de temas centrais para nós, como a sustentabilidade rural, o uso eficiente da água, o manejo sustentável, uso também de energias renováveis, a agricultura de baixo carbono e o combate à desertificação”, destaca Kiill.
Palestra sobre a divisão social do trabalho.
Crédito: Embrapa Semiárido 
Novidade na programação 

Após mais de uma década de realização do Semiárido Show, esta edição contará pela primeira vez com uma mostra e rodada de negócios da Caprinovinocultura. A proposta é oferecer oficinas práticas, demonstrações de manejo e estandes comerciais com produtos voltados à cadeia produtiva de caprinos e ovinos dentro da matriz da agricultura e pecuária familiar, buscando fortalecer a comercialização e a visibilidade dos criadores da região, além de estimular o intercâmbio de conhecimentos técnicos.

Com público estimado em 20 mil visitantes, o evento vai reunir pessoas de vários municípios do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, além de agricultores familiares, técnicos, pesquisadores, estudantes, gestores públicos e representantes de movimentos sociais. 

O Semiárido Show será realizado em um dos campos experimentais da Embrapa Semiárido, que fica na rodovia BR-122, Km 50, em Petrolina, no sertão de Pernambuco. Todas as atividades são gratuitas e vão ocorrer nos períodos da manhã, tarde e noite. Não é preciso se inscrever para participar e a programação pode ser consultada aqui 
(https://www.embrapa.br/semiaridoshow/programacao).

Por Ana Beatriz Menezes e Jailane Braga, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do MultiCiência.