Sobreviventes de um mundo mutante

. 12 junho 2008


Diferentemente da vida de heróis do “X-Men”, o mundo mágico onde as crianças nascem com habilidades super-humanas e as desenvolvem gradativamente, adaptando-as, garotos e garotas soropositivas crescem envoltas em círculos sociais que anulam os seus poderes. Assim como no desenho animado, o homem comum tem uma grande desconfiança e um intenso medo desses jovens que são considerados como "mutantes", uma ameaça, e, muitas vezes, são excluídos.

A segregação social imposta aos soropositivos é a mesma vivenciada por P. S., de 7 anos, que sonha em ser advogado. Na hora do lazer ou aos domingos, sem ter para onde ir, por conta do desemprego dos pais, ele liga a TV da pequena casa onde mora e assiste aos desenhos animados de seus super-heróis preferidos. “Os do bem ficam em um lugar diferente porque as outras pessoas pensam que são do mal”, comenta P. S. sobre os personagens do desenho animado.

Bem mais resistente que o pássaro preso na gaiola que fica pendurada na parede da sala em casa, P. S. preserva a alegria de criança, sorri, brinca, corre descalço pelos cômodos e mostra interesse em fazer os afazeres didáticos da escola. Talvez ele ainda não saiba, mas já escapou de estatísticas assustadoras. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, em 2002, mais de 4,3 milhões de pessoas morreram de AIDS e este número inclui meio milhão de crianças. Também é alto o número de órfãos. Projeções do UNICEF indicam que em 2010, mais de 20 milhões de crianças com menos de 14 anos terão perdido um dos pais ou mesmo os dois.


Dados do Centro de Informações em DST/HIV/AIDS (CIDA), em Juazeiro, revelam que há um abismo que separa o atendimento psicológico do acompanhamento médico. Muitas vezes, a falta de informação faz com que os pais ou responsáveis resistam a certos programas de acompanhamento voltados para as crianças soropositivas. O excesso de proteção gera um mundo paralelo na cabeça dos jovens, ao tempo que contradiz toda preocupação com o futuro desses meninos e meninas, causando seqüelas e reafirmando a discriminação.


Os registros do CIDHA contabilizam 21 crianças expostas ao vírus HIV. Desse total, sete estão próximas do que chamam de soronegativar, ou seja, quando se constata a inexistência total do vírus no organismo do indivíduo. O Centro ainda aponta três crianças e um adolescente com AIDS, todos de famílias com índices de longevidade, educação e renda baixos. Um fator chama atenção: esses jovens não se rendem frente às dificuldades com que se deparam, porém, não deixam de se sentirem privados, até mesmo pelos próprios pais, de freqüentar certos lugares.


Assistente Social e uma das integrantes da equipe multidisciplinar do programa municipal, Célia Cristina Félix, critica a ausência da família que convive com a situação e não se empenha na busca do debate pelo bem-estar dos jovens dependentes. Para ela, é preciso trabalhar a criança desde a barriga da mãe. Reacender e apoiar movimentos que apresentem campanhas alternativas para o problema. “Acredito que a mídia divulga o que é mais conveniente expor naquele momento”, protestou.


Por Cecílio Ricardo

Colaborador do MultiCiência