Multiciência Debate: Jornalista por Formação

. 07 agosto 2008
A necessidade da formação universitária


Por Muniz Sodré, jornalista, escritor e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Em fevereiro de 2007, a Newspaper Association of America anunciou, durante sua convenção anual em Las Vegas, o lançamento de uma campanha nacional para incutir no público leitor a idéia de que o jornal do futuro será uma "multiplataforma de informação", o que implica, na prática, a junção empresarial e cultural do papel com a web. Daí, slogans do tipo "a internet é a melhor coisa que poderia acontecer aos jornais".

Mas será essa também a melhor coisa que poderia acontecer aos jornalistas?

Esta questão tem alguma pertinência para o atual debate sobre a exigência de diploma universitário.

Em princípio, é preciso debater a hipótese de que essa nova face da informação pública possa pôr em crise a própria identidade do jornalismo clássico como mediação discursiva e como funcionalidade específica de um grupo profissional. Disto, um claro sintoma é a questão levantada por um arauto da chamada cibercultura: "Seria ainda necessário, para se manter atualizado, recorrer a esses especialistas da redução ao menor denominador comum que são os jornalistas clássicos?"

Cidadania e humanismo

A resposta, de certo modo, começa a ser dada pelos grandes conglomerados do jornalismo impresso, por meio da progressiva conversão empresarial do papel à eletrônica. Nada impede que o jornalismo troque de suporte preferencial, uma vez que os conteúdos informativos, na medida da independência de sua forma técnica, podem passar de um suporte para outro sem alterar substancialmente a sua natureza. A despeito do potencial midiático da internet, a digitalização em si mesma não é um medium, e sim um processo técnico (informático).

Veja-se o livro: mesmo digitalizado, continua a ser "livro", isto é, a organizar seqüencialmente os conteúdos de acordo com a milenar forma códice (codex), embora ainda sejam grandes as dificuldades de leitura de textos extensos na tela do computador. Daí, as hibridizações formais, já praticadas por alguns jornais, entre a escrita tradicional e a escrita para a tela do computador, oferecendo ao público a opção de leitura de jornal entre resumos e textos maiores.

Ainda o livro: também não se pode passar por cima da evidência de que, em nossa modernidade, a forma códice (escrita unidirecional, páginas organizadas em cadernos e costuradas), depois chamada livro, impôs-se aos usos e aos espíritos como locus do conhecimento centrado, da leitura que constitui pastoralmente a cidadania, da produção do sentido e do real medidos pela escala do humanismo.

Nem produto, nem serviço

O mesmo se dá com o jornal. Pode trocar de suporte técnico, pode mesmo existir na complementação dos suportes (papel e eletrônica), mas continua impelido, como forma moderna e democrática da comunicação, pela ideologia humanista que garante a cidadania. Eventuais descaminhos não podem elidir a evidência de que a imprensa brasileira, por exemplo, jamais deixou, em seus 200 anos de existência, de estar presente, como parte essencial, nas causas que ajudaram a dar à nação a sua face atual – a abolição da escravatura (de cuja campanha participou a maioria dos jornais provinciais) e a criação da República. O jornalismo, no Brasil e no resto do mundo, reflete as questões públicas decisivas para os rumos da nação.

Como conceber hoje o funcionamento dessa instituição "quase-pública", geradora da informação necessária ao cidadão para o pleno funcionamento da democracia, sem uma formação universitária, especializada, de jornalistas? Informação não é mero produto, nem serviço: é o próprio solo da sociedade em que vivemos, é o campo onde joga o cidadão. Se a garantia dessa formação adequada se espelha hoje no diploma, viva o diploma.

Mais informações: Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=497DAC002