Perfil de Manuca Almeida por Wllyssys Wolfgang

. 01 setembro 2008



DO MARGINAL AO PERFORMÁTICO: 30 anos de poesia


Com cordões de bolinhas coloridas, anéis de latinha de refrigerante e uma boneca pendurados no pescoço, boina vermelha quadriculada como seu All Star marrom, Emmanoel Gama de Almeida – Manuca – chega à UNEB meia hora antes da entrevista coletiva para a construção de seu perfil pelos estudantes de comunicação. O professor coordenador da atividade expõe o site e alerta: “Estou mostrando o site a vocês e nem adianta ‘neguinho’ copiar, colar, que eu vou tá ligado”. De humor rápido e elegante, até nas mais capciosas perguntas, Manuca felicita a turma de pretensos jornalistas e, a partir de então, os trata como profissionais.

– Boa Tarde! Quero dizer que no site dá pra vocês colarem, sim! Por quê? Porque desde que eu comecei, venho criando atividades diferentes com a poesia e não vou lembrar de todas aqui.

Os anos 1970 envolveram Manuca pelos caminhos da poesia alternativa, chamada de marginal, que não reflete a acepção da palavra, pois os poetas marginais não transviavam a lei. Eram jovens imersos em um mundo psicodélico, no qual tinham dificuldades em emplacar as suas obras em editoras de grande porte. Não à toa, foram imortalizados como a “geração mimeógrafo”, pois se valiam da máquina para a reprodução das obras. Manuca publicou mais de 30 livretos. A venda era feita nas noites, ao som de drinques de uísque e cheiro de tabaco.

– Eu era um daqueles caras que você via no bar. Você tava com a namorada no bar e eu chegava, batia no ombro e dizia: oh, quer comprar um livro de poesia? E era totalmente inserido dentro daquele contexto. Primeiro, a poesia no Brasil é mais vivida que sentida. A poesia está em todo lugar, neste país lindo e maravilhoso. Mas se qualquer artista emergente for falar poesia em Juazeiro, em São Paulo, ou onde quer que seja, ainda vai ser taxado de ‘xarope’. Não porque está na rua recitando uma poesia, e sim pelo fator principal: a poesia não é uma coisa tão presente na vida das pessoas. Fiz questão de falar isso, porque está em cima dos meus trinta anos de poesia.
O baiano de Aracajú ....Ops! Baiano de Aracajú? Mas ele não é de Juazeiro? Não. Tentando revolver a graça de poucos minutos atrás, titubeando, mas sem perder a palavra, ele explica:

– Eu vou falar a verdade, mas... (olha para os lados) eu digo pra todo mundo que eu nasci em Juazeiro, mas eu não nasci em Juazeiro, infelizmente. Se eu tivesse um trauma, este seria o meu trauma... e assim... mas eu não costumo dizer. Eu fui gerado em Juazeiro. Simplesmente minha mãe paria os filhos dela em Aracajú. (risos) Eu sou um falso baiano... é triste falar isso.
Desde criança, Manuca convivia com a batalha da razão e emoção entre o mundo artístico e o mundo comercial. Os pais comerciantes lhes deram uma educação formal e costumava ouvir que poeta não ganhava dinheiro. Poesia não levava a nada. Mas ele via sempre Carlos Pinto, parceiro de Torquatro Neto, visitando-os e fazendo música. Em 1978, Manuca foi posto de casa para fora. Resolveu ir para Salvador e encontra-se com seu irmão, um típico intelectual, habituado à leitura, da turma de Caetano Veloso, Jorge Mautner e amigo dos poetas concretos da época. Resultado: apresenta Manuca à poesia concreta.

– E um dia depois, meu irmão me pergunta se eu já tinha começado a ler. Eu respondo: sim. Já tinha lido tudo. Ele disse que era impossível. Ele tinha passado quarenta anos tentando entender e não havia conseguido. Ai, a primeira coisa que eu disse a ele é: se aquilo era poesia, eu era poeta. Então, começa a minha história. Já começa na loucura, porque a gente tava falando da mais pura e verdadeira poesia brasileira. Ele me desafiou: disse que eu fizesse um poema. Eu disse que já tinha feito oito.

Desde então, o irmão passou a considerá-lo um poeta, mas Manuca passou a não se achar mais um poeta. Não gostava mais do que escrevia. No entanto, começou a observar que existia algo dentro de seu texto que poderia se chamar de mote ou verso solto e passou a integrar o cenário poético alternativo, como um autor de versos curtos e velozes. A aparente dedicação de Manuca aos versos escondia, na verdade, uma inspiração involuntária que o fazia escrever e escrever. Então, surgem os primeiros poemas de sucesso como Eu queria ser você, Só pra dizer sim; e Se alguém lhe amar como eu, não é alguém, sou eu.

Com o tempo, a necessidade de criação excitava-o e o obrigava a desenvolver mais seu trabalho. Então, lançou os cartões com poesia, na década de 1980. Daí por diante, as publicações foram aumentando e a diversidade também. Publicou poesias em pôsteres, calcinhas e no livro em formato de caixa de fósforo, com os famosos Haikais. Com o decorrer dos anos, foi aumentando a sua participação com a poesia falada – a qual ele atribui a expansão de sua obra – com uma forte linguagem e expressão corporal.

– Eu venho de uma geração que recita poesia e de repente pode sentar no seu colo e te dar um beijo.

Montou rodas de pessoas e recitais com 20 ou 30 pessoas, mas também se apresentou para mais de 40 mil pessoas. Subia em palcos e, com suas performances, atraía multidões sem fim.Desta forma, construiu uma carreira sólida e reconhecida mundialmente. Pouco parou em Juazeiro. A música lhe roubara da sua querida Juazeiro. Manuca dedicou uma parte da sua carreira à música, por questões financeiras e de estabilidade, e foi com ela que obteve projeção.

– Na música, eu vi, que através de uma fração do meu trabalho, consegui ter um retorno comercial e financeiro do que eu produzo. E isso me afastou, de certa forma, da poesia de rua. Eu voltei a recitar poesia há somente três anos, quando criei o Quintal do Poeta, onde posso contar com a presença de pessoas do meio e eu estou sempre no palco.

Manuca soube ladrilhar o seu chão com as palavras e estas não o deixaram calar em momento algum. Entrou para a União do Vegetal, sociedade religiosa espírita, que tem como objetivo a elevação intelectual e virtudes morais, que prega a reencarnação como transcendência espiritual e utiliza o chá Hoasca (erva amazônica) nos rituais, passando a estudar ainda mais o uso da palavra.

– Eu tenho uma ligação muito grande com a palavra por vários motivos, porque eu acho que tenho que ter essa preocupação mesmo, por trabalhar com a palavra; por usá-las nas poesias e por fazer parte da União do Vegetal. Então, nós devemos ter responsabilidade sobre o uso da palavra, porque a gente pode acabar magoando outra pessoa, às vezes até mesmo com uma brincadeira simples.

Produziu Esperando na Janela, com Targino Gondim e Raimundinho do Acordeom, conquistando um dos prêmios mais importantes da música, o Grammy Latino como melhor música brasileira em 2001. Tornou-se trilha sonora do filme Eu, tu, eles, e foi regravada nos EUA e Itália. Só em novelas já conta com mais de oito composições. Um dos principais parceiros é o músico Alexandre Leão.

– A música trouxe a profissionalização do meu trabalho, mas se não tivesse acontecido isso, provavelmente, eu continuaria. Mas escrever poesia é diferente, pois os limites são meus. Já a música você cria para o outro. Eu encontro pessoas que me dizem: oh, é linda a sua música. Mas 95% das músicas, eu fiz no pior momento de criação, porque normalmente foi criada por uma situação profissional – uma coisa mecânica.

Entre os percalços da vida de artista e a púrpura do showbizness, Manuca não perdeu a humildade e, após responder todas as perguntas – mesmo com o tempo escasso – recita vários poemas, a pedido da platéia.

– Não sou poeta pra dizer que te amo
Mas eu te amo como um grande poeta
Eu sou menino pra sonhar acordado
E a realidade é que você me completa
Você é tudo de bom
O meu melhor presente, meu encanto
Que bom que a gente se achou
Eu me pergunto se mereço tanto.

Contudo, não se pode dizer que ele é apenas catedrático com as palavras, ritmos, sons e cultura. Esta afirmação soa pobre e reducionista. Ele não segue apenas linguagens. Cria conceitos e gera emoções as mais díspares que se pode imaginar – em todos os públicos. Conceitos nascem de sua arte.


Por Wllyssys Wolfgang
Perfil produzido na disciplina Redação Jornalística, ministrado pelo professor Emanuel Andrade.