Aparício Rodrigues de Lima: um homem de letras, de memórias, de arte

. 21 outubro 2008





Um homem de letras, memórias, de arte

“A principal essência do amor é a liberdade de amar”


por Illa Grazianne





O que mais chamou atenção foi o chapéu Panamá que usava. Só ouvi sua voz uma vez, estava com seu genro e sua neta à espera da sua filha. Cumprimentamo-nos e não o vi mais. O dono do chapéu Panamá é pai de 13 filhos, os seis homens têm seu nome e recebem em latim a ordem de nascimento: Primus, Secundus, Tertius, Quartus, Quintus e Sextus. As mulheres são Rosas como a mãe Rosália: Rosângela, Rosanara, Rosélia, Rosalie, Rosana e Rosalice.


O patriarca dessa família constituída por dez Aparicios, entre pai, filhos e netos é Aparício Rodrigues de Lima. Nasceu em 17 de janeiro 1921, em Santa Maria da Boa Vista, Pernambuco. Na cidade viveu até 1926, quando sua casa foi escolhida para ser quartel general das forças governamentais que combatiam a Coluna Prestes. Diante disso, mudou- se para a fazenda Pau Pretos em Curaça e, depois, Barro Vermelho, cidades no Estado da Bahia.


Autor de cinco livros, em 2000, aos 80 anos, concluiu “Petrolina e eu através do tempo”, o único livro publicado. Foi graças a ele que Aparício foi convidado a participar do Programa do Jô, na Rede Globo. Nunca gostou da designação livro, por isso referiu- se a ele entre aspas. Apenas pretendia deixar com seus escritos, conceitos filosóficos e lições de vida para os filhos.


Através do seu livro, de depoimentos da família e amigos, conheci o cavalheiro, o galista, o autodidata, um vencedor, enfim, Aparício. No dia 26 de agosto, não resistiu as complicações de um câncer e faleceu, antes da conclusão do seu perfil. Detentor de boa memória, ele costumava narrar sua história com riqueza de detalhes, lembrando de nomes e episódios da sua infância. Um deles foi sua chegada à Petrolina em 1929, e a quantidade de mulheres que lavavam roupa às margens do Rio São Francisco, prática pouco vista nos dias atuais, contudo comum no início do século na Rua do Grude, em frente ao Cais.


Em Petrolina, Aparício passou grande parte da sua vida. Na cidade estudou até o segundo ano ginasial, correspondente hoje, a sexta série. Devido as suas dificuldades em álgebra e por seu pai pagar as mensalidades do colégio através do seu trabalho como alfaiate, sentia- se constrangido e sem motivação para estudar. “Eu tenho que aprender uma arte e pronto. Conheço tanta gente que não é doutor e assim mesmo vive bem,” escreveu.


Assim, parou de estudar e aprendeu o oficio de sapateiro com Emanuel de Souza Dias. Mas, seu pai queria que ele alcançasse outros sonhos, já que ele não quis terminar o ginásio, arranjou-lhe um emprego público de Guarda Arquivista do Posto de Higiene de Petrolina. Depois, foi gerente da Cooperativa Banco de Petrolina Ltda.. Naquele tempo, era o rapaz mais bem pago da cidade. Começou no emprego como contínuo, ele varria a sala do escritório, entregava correspondências e fazia pequenas compras. Com as férias do caixa, passou a ocupar o cargo, até chegar ao cargo de gerente.


Durante toda a sua vida, Aparício gostou de rinhas de galo, cujo esporte favorito lhe rendeu alegrias e tristeza. A maior alegria foi ser homenageado em um campeonato que levou o seu nome. E a tristeza foi ter que dar um dos seus melhores galos a um amigo, pois tinha empenhado sua palavra. E palavra de um homem, para ele, era mais importante do que acordos firmados em cartório.


Casou-se em 1950 com o amor da sua vida. Viu sua esposa, Rosália, pela primeira vez em 1938, quando ela tinha cerca de nove anos. No momento, disse que ela seria a sua esposa. O tempo passou e ele conheceu o irmão da menina. Assim começaram a namorar.


O namoro não era estimado pelos familiares da moça, pois ele era visto na cidade como comunista e herege. “Comunista, porque sempre defendi os pobres, sempre fui contra a má distribuição de renda.”, confessava. Diante disso resolveu afastar - se de Rosa, era assim que ele a chamava. Até que o namoro acabou.


O tempo passou e ela ficou noiva de outro rapaz. Quando ele soube, resolveu procurá-la. Ela, sem titubear, respondeu que ainda gostava dele e, pouco tempo depois, ficaram noivos. O irmão mais velho de Rosália, Luís, não concordava com o casamento e em uma das brigas com a irmã “deu - lhe um pontapé”.


Diante disso, Aparício resolveu casar. “Foi talvez o casamento mais tumultuado de Petrolina. Se não me engano, casei - me no outro dia, contra tudo e contra todos, inclusive os preceitos da igreja, onde me disseram que tinha que correrem os banhos ou proclamas de casamento”, relembrou Aparício, em seus escritos. Para seu amigo Cantarelli, Aparício encontrou uma companheira tão importante quanto ele. “Rosália foi sua felicidade durante toda a sua vida”, ressalta.


Em Ituberá, na Bahia, trabalhou na Firestone Plantation Company, onde aprendeu a falar inglês. Devido ao seu domínio com a língua inglesa, ao voltar a Petrolina, ministrou aulas da disciplina.


Aparício tinha idéias à frente do seu tempo e foi o primeiro a fazer algumas realizações na cidade. Ele inovou ao fazer filmagens com sua câmera Super Oito, foi o primeiro a ter bicicleta e motocicleta e ensinou a sua esposa a dirigir. Além disso, era um grande piadista, segundo seu genro Joaquim. “Ele era capaz de contar piada com qualquer palavra”, afirma.

Aparício deu inicio algumas produções artísticas. Sempre inovando, ele criou algumas obras de arte superpondo materiais diversos, como cerâmica, papel machê, recortes, óculos...


A casa com detalhes coloridos, no centro da cidade, onde passou o fim da sua vida e pôde criar, educar e formar seus 13 filhos, faz lembrar o dono em cada espaço. Ele a decorou minuciosamente. No espaço que construía suas obras, ficou uma inacabada. Mas, o seu legado continua. A sua grande família, a quem ele sempre retratou com muito orgulho, permanece firme, apesar da sua ausência física.

Illa Grazianne é graduanda em Jornalismo em Multimeios (UNEB) e História (UPE).