Por uma Cultura de respeito aos Direitos Humanos

. 23 janeiro 2009
A dor da gente não sai nos jornais. Nessa estrofe cantarolada por Chico Buarque em 1975, os compositores Luiz Reis e Haroldo Barbosa parecem vaticinar a falta de sensibilidade que nos acomete quando lemos sobre crimes ou quando incorremos no desrespeito aos direitos humanos. Diariamente, lemos, assistimos e ouvimos notícias sobre crimes e prisões, compartilhando uma roda-viva de morte e violência.

Algumas das notícias se referem a dor de Joana, como fala a canção. Desesperada, Joana decide se suicidar quando se depara com o abandono de João de Tal. Medicada, ela volta para casa. Sozinha, defronta-se com a sala vazia e com uma notícia de que tentou se matar. A dor de Joana se encerrou ai. Para os jornais, telejornais, rádios, claro! Não importa o motivo. Quem escreve a notícia parece pressupor que o leitor não quer saber o porquê do desespero de alguém que procura interromper a vida. A dor de Joana não precisa sair nos jornais.

Trinta anos depois dos primeiros acordes dessa canção, parece que a dor – símbolo da vida – também não interessa a ninguém. Agora, a dor se metaforiza, assume um outro signo, um simulacro de ausência. A dor é insensível, invisível. Por mais que tenhamos notícias sobre violência, a dor – como símbolo da vida, do ser animado, da existência - não está presente.

Em seu lugar, assistimos diariamente a um festival exacerbado de informação sobre o assassinato de fulano de tal, de sicrano, que não tem nome, não tem história, não tem vida. Ninguém nos oferece respostas para que possamos compreender porque a sociedade se apresenta sem controle social. Contudo, assistimos a execração de pessoas que cometem delitos, infringiram a lei, são acusados de crimes e estão sob investigação. E quase sempre nos deparamos com suas imagens, em alguns casos – pasmem – endereço de residência.

Em uma sociedade no qual predomina o Estado Democrático de Direito, órgãos públicos e meios de comunicação podem e devem informar sobre violência, criminalidade. Mas o que se torna crucial é saber como essas notícias chegam à opinião pública. E o que eu tenho visto, lido, assistido, assemelha-se mais a um circo de horrores do que a uma sociedade civilizada.

A quem interessa, ler, em um blog, a notícia com a imagem de homens sob o jugo da lei com a infeliz frase no título: “conheça as crianças”.? Por acaso, nós, leitores, somos os representantes da lei a quem cabe julgar e sentenciar penas?

A quem interessa, a notícia espetacular da prisão - feita por um agente do Estado - de alguém acusado de assalto ou de tráfico de drogas se não há nenhuma informação – substancial – sobre medidas preventivas para inibir a proliferação da criminalidade em cada esquina? Não seria mais eficiente saber como a segurança pública tem agido para coibi-la? Contudo, o que vejo são as fotos dos acusados e do agente da lei.

Também cabe refletir sobre a função social e jornalística da exposição de pessoas que incorreram em infrações e delitos à sociedade, os quais têm filhos, irmãos, pai, mãe... Alguém já pensou que a imagem exposta pode levar a um outro crime, como atos de vingança contra a família do acusado, por exemplo.

Também é necessário indagar: eles são bichos, animais, do qual os assistimos do outro lado da tela? Não há dor. Não sofremos dor pela infeliz sociedade que estamos construindo. Tudo parece nos conduzir à irracionalidade e a aceitar a sangria desatada de fazer justiça com as próprias mãos, ridicularizar o outro, expor o outro à execração pública. Infeliz, a sociedade que aceita trilhar este caminho.

Este não é o modelo de segurança pública, nem de imprensa nem de sociedade que o Estado de Direito requer. Que a dor da gente seja publicada no jornal, no telejornal, no programa de rádio. Mas que seja respeitado o direito ao outro a existir, a ser um humano, e não um animal, no qual a gente aprecia na tela, na página de jornal e emite um julgamento. Que todos nós possamos colaborar para a construção de uma sociedade que respeita os direitos inalienáveis à vida humana. Somente assim, poderemos entender a dor da gente, passo imprescindível para construir uma sociedade sem violência e com paz.


Andréa Cristiana
Jornalista e professora do DCH-UNEB