Exposição: Canudos 100 Anos

. 20 maio 2009


Registrar personalidades, extrair do cotidiano os momentos de tristeza, violência, dor, flagrantes de alegria e beleza. Estes instantâneos fotográficos caracterizam o trabalho de Evandro Teixeira, considerado um “mago da instantaneidade” e um dos profissionais com uma das mais sólidas carreira do fotojornalismo brasileiro.

A trajetória de Evandro Teixeira poderá ser conferida na próxima sexta-feira (22/05) em Juazeiro. A convite do Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da Bahia, o fotógrafo realizará palestra, às 19h, no Centro de Cultura João Gilberto, onde fará a abertura da exposição Canudos 100 Anos, mostra fotográfica que retrata o cotidiano da cidade e a população de Canudos, cenário da grande guerra ocorrida entre os anos de 1896 e 1897.



Coordenada pelo Mural Galeria Fotógrafo Euvaldo Macedo Filho (MAGEM), a mostra ficará exposta, pela primeira vez, no interior da Bahia, sendo composta por 43 imagens, e estará à disposição do público até o dia 22 de junho no Centro de Cultura João Gilberto.

Natural de Irajuba/BA, o fotógrafo cresceu ouvindo histórias da antiga cidade de Canudos/BA e delas surgiu a vontade de narrar, em imagens, uma história atualizada. Com mais de meio século de dedicação à fotografia, Evandro imprimiu um momento especial em sua carreira ao retratar a cidade e a população de Canudos. Foi um “resgate sonhado”, como ele considera.

A cada viagem pelo sertão, Evandro Teixeira registrava partes daquele cenário. Foram cerca de quatro anos até concluir o trabalho. Durante esse tempo, Evandro reencontrou os sobreviventes e herdeiros da comunidade criada por Antônio Conselheiro, líder messiânico que comandou a população na Guerra de Canudos. “Refiz a trajetória de Conselheiro, conversei com seus herdeiros, registrei lado a lado a antiga e a nova Canudos”, conta. Para o fotojornalista, “Canudos é sinônimo de luta, de resistência, de mudança, de esperança. É a história do país, vivida e contada por gente simples, cuja força parece vir da agrura da terra, da beleza rude do sertão”.

No final do século XIX, Canudos chegou a ter mais de cinco mil casas, tornando-se a maior cidade da Bahia à época, com cerca de 25 mil habitantes. Por meio das fotos captadas por Evandro, é possível desvendar uma região metamórfica, um lugar místico. Percebe-se desde os vestígios da primeira Canudos, destruída pela guerra, até a cidade atual, reconstruída pelos sobreviventes e submersa pelo Açude de Cocorobó. “Debaixo dessa terra e sob a água do açude só tem ossada dos mortos”, disse João de Régis, morador da cidade, a Evandro durante sua pesquisa na região.

As 43 imagens da exposição comovem e surpreendem. Captadas pelo apurado olhar de um baiano, elas revelam a “realidade” dos sertanejos nordestinos. O toque mágico das imagens não está apenas na terra seca ou na vegetação acinzentada, mas nos sentimentos que teimam em transbordar de dentro das molduras. É possível perceber os horizontes infinitos, o silêncio, os olhares de nostalgia. Também a solidão e o abandono de um Brasil explorado, excluído. Segundo Evandro, é muito mais que a imagem de “um sertão pop, onde a pobreza convive com antenas parabólicas. Elas levam a pensar em uma guerra bem atual, em que a terra é disputada palmo a palmo, em uma luta pela mera sobrevivência. A memória de outra guerra surge na paisagem”.

Além de fazer a abertura oficial da mostra Canudos 100 anos, Evandro Teixeira fará uma palestra no sábado (23/05) para os estudantes de Comunicação Social e Pedagogia no Departamento de Ciências Humanas (DCH), a partir das 18h, em comemoração ao Reconhecimento do curso de Comunicação Social – Jornalismo em Multimeios pelo Conselho Estadual de Educação. O evento também terá a participação do historiador e diretor do Centro de Estudos Euclides da Cunha, Manoel Neto, e haverá exibição de documentários.

O fotógrafo Evandro Teixeira

“Sou um homem manejando uma câmera. Quando bem operada, é um fósforo aceso na escuridão. Ilumina fatos nem sempre compreensíveis. Oferece lampejos, revela dores do impasse do mundo. E desperta nos homens o desejo de destruir esse impasse”. É desta forma que Evandro Teixeira descreve o seu envolvimento com a fotografia e o potencial de denúncia e transformação que o simples ato de captar um instante pode provocar.

Nascido em 1935, Evandro teve seu primeiro contato com a fotografia ainda na infância com a produção de jornalzinhos na escola e em seguida um tablóide que circulava nas cidades de Jequié e Ipiaú. Em 1958, formou-se na Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Começou a carreira de fotógrafo durante o primeiro estágio no Diário de Notícias em Salvador. Tempos depois voltara ao Rio de Janeiro, época em que começou no Diário da Noite, pertencente ao grupo de Assis Chateaubriand. Aos 28 anos começou a trabalhar no Jornal do Brasil, no qual permanece até hoje, cobrindo os principais episódios políticos, sociais e esportivos do país e do mundo.

As fotos de Evandro Teixeira compõem acervo de museus do Brasil e do exterior. Sua foto da Passeata dos 100 mil, ocorrida em 1968, tornou-se símbolo dos movimentos populares contra a ditadura militar. À época, alguns de seus registros da ditadura brasileira, feitos entre 1964 e 1968, foram censuradas por militares. “Como todo o meu material era sobre o movimento estudantil, sobre a atuação da polícia, os militares se incomodaram e vetaram”, lembra o fotógrafo.

Evandro Teixeira construiu uma das mais sólidas carreiras do fotojornalismo brasileiro. Seu nome e currículo estão na Enciclopédia Internacional de Fotógrafos, que registra os maiores nomes da fotografia no período de 1839 até os dias atuais. Em 2008, Evandro participou, na Galeria da Leica, em Nova lorque, de uma mostra coletiva dos 40 mais importantes fotógrafos do mundo, ao lado de Sebastião Salgado (os únicos brasileiros da mostra), Henri Cartier Bresson, Robert Capa e Marc Ribaud.

Em 2004, sua vida e obra ficaram registradas no documentário "Evandro Teixeira: Instantâneos da Realidade", trazendo depoimentos de personalidades como o compositor Chico Buarque e o fotógrafo Sebastião Salgado. O documentário do cineasta Paulo Fontonelle traz em uma de suas abordagens o reencontro de Evandro com alguns moradores da antiga Canudos que lutaram ao lado de Antônio Conselheiro e foram retratados no livro Canudos 100 anos, lançado em 1997. “Neste esforço de desvendar a alma das coisas, sou um profissional insatisfeito. Minhas fotografias são tristes. Sou fotógrafo que anda devagar com sua máquina. A ênfase que coloquei no meu trabalho, cristalizando o meu momento numa imagem, não contribuiu para trazer alívio às minhas aflições. O mais importante é o que deixei de fazer e o que deixarei de realizar vida afora”, reflete Evandro no livro Fotojornalismo.

Por Silvana Costa e Cecílio Bastos
Fotos: Evandro Teixeira