Uma Reflexão sobre Jornalismo, Respeito e Dignidade

. 23 junho 2009
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela não obrigatoriedade do Diploma de Jornalismo para o exercício da profissão, mantenho a mesma certeza cultivada desde quando fiz o vestibular na Universidade Federal da Bahia, em 1996: ser jornalista. Primeiro, foi um desejo, curtido arduamente nas salas de aula, nas leituras, no contato com pessoas, livros, depois uma prática social e profissional. E a certeza nunca me abandonou: exercer a atividade como jornalista. Como já disse várias vezes como professora, o Jornalismo exerce uma função social e envolve um saber científico, isso não muda nem acaba com a decisão do Supremo.

Analisando a trajetória de alunos e egressos, todos têm conhecimentos, habilidades e competências para exercer a profissão com dignidade e sucesso, basta continuar persistindo na busca do saber e no cumprimento de suas habilidades, interesses e competências. Isto não é um mero discurso de autoajuda. É real.

Exercer a profissão de jornalista continuará a ser uma tarefa árdua, difícil, porque o mercado de trabalho no Brasil - para todas as profissões - é árduo, competitivo. Contudo, um aparato jurídico não irá desqualificar uma prática social. Haverá espaços para jornalistas com formação porque a profissão exige um saber cientifico e há uma demanda da sociedade pela informação jornalística de qualidade. Será que iremos nos render ao argumento de que fazer um jornal, uma revista, mediar o fluxo de comunicação, criar produtos informativos entre outros, não exige uma competência especializada?

Um outro argumento para pensarmos é que a nossa profissão se modifica constantemente – sempre se modificou, bem antes da regulamentação e pós-desregulamentação - e nos exige pensar em novas possibilidades, como exemplo a atuação na área de Comunicação Pública, em constante aperfeiçoamento, pois os órgãos públicos sabem que a comunicação viabiliza o fluxo de informação, além da nova tendência de acreditar que promove a apreensão de processos educativos. O Ministério da Saúde tem estimulado a criação de Núcleo em Educação, Comunicação e Saúde, que passa, inevitavelmente, pela mediação de um jornalista/comunicador para estimular o acesso à transmissão transparente e qualificada da informação pública. Não consigo acreditar que toda informação seja gerada espontaneamente sem a presença de sujeitos para criar as possibilidades de visibilidade pública ou de compreender a sociedade complexa na qual estamos inseridos.

Um outro exemplo é que a sociedade necessita de comunicadores para ser um gestor da informação, capacitador e de crítico da mídia, a exemplo do que ocorre na prática social de organizações não-governamental. Na prática dessas organizações, há uma necessidade de comunicadores para exercer funções e fomentar estratégias discursivas e ideológicas contra-hegemônicas. Além de ser o jornalista o profissional capaz de construir uma comunicação horizontal, em que todas tenham possibilidade - de fato – de comunicar-se, como acontece na comunicação alternativa. Sem falar ainda no crescente aumento de revista destinada à educação, que requer habilidades especificas. Esses são alguns exemplos que nos comprovam pela necessidade de um profissional capaz, qualificado e com formação superior, o que foi desprezado pelos membros do STF.

Contudo, apesar da nossa indignação pelo desprezo com o qual fomos tratados pelos membros da corte jurídica do país, devemos lembrar de uma questão ética a ser exercida por jornalistas e cidadãos. Não vamos utilizar os mesmos argumentos do presidente do STF, Gilmar Mendes, que comparou jornalistas a cozinheiros, de forma depreciativa. Não vamos repercutir preconceitos de classe. Ao fazer essa comparação, Gilmar Mendes também disse que o ato de cozinhar, em uma sociedade complexa como a nossa, não envolve técnica nem a arte da culinária. Todos nós temos competências e habilidades distintas, cozinheiros são importantes, jornalistas também têm função especifica.

Tenho ouvido ainda o discurso de que todos podem exercer a atividade de jornalista, inclusive quem tem nível técnico, dita de forma irônica. Podemos nos indignar com tal comparação, mas não reproduzir preconceitos de classe. É claro que nem todos podem ser jornalistas, poderão ser aqueles que dominam conhecimentos necessários ao exercício da atividade jornalística. A preocupação de alguns é a de que, nos próximos concursos públicos, profissionais de nível técnico irão concorrer ao cargo de jornalista. Tenho sinceras dúvidas acerca dessa afirmativa. Todos poderão até concorrer ao mesmo cargo, contudo, como ocorre nos últimos anos, serão selecionados aqueles que dominam conhecimentos necessários a funções específicas. Não vamos reduzir uma profissão nobre a argumentos tão pragmáticos.

Com isso, quero reafirmar que os cidadãos que têm o nível técnico também têm suas habilidades e competências e irão estar no mercado de trabalho buscando uma melhor condição de vida e de trabalho, a que considerar mais compatível. Não devemos, portanto, reproduzir um discurso de quem tem conhecimento no Brasil é somente a pessoa que conquistou um diploma de nível superior. Quem tem nível superior tem conhecimentos sim, assim como existem diversos tipos de conhecimento – do senso comum, técnico, especializado ou cientifico. Além disso, as empresas jornalísticas – realmente sérias, que respeitam o leitor - continuarão contratando profissionais com formação de jornalista e de outros níveis especializados. Nunca, neste país, a profissão de jornalista proibiu o livre exercício da expressão nem o exercício com formação de qualquer cidadão para o segmento jornalístico.

Por fim, depois de tantos desvarios e desqualificações à nossa profissão de Jornalista, dita por magistrados e até mesmos por alguns jornalistas da grande mídia, devemos refletir que somos uma profissão com 200 anos de atividade no Brasil, desde os primeiros jornalistas comprometidos como Cipriano Barata. Jornalista e libertário, ele produziu o seu pasquim – As Sentinelas da Liberdade -, nos porões das prisões em que foi colocado por Dom Pedro I, pois lutava pelo direito à liberdade de expressão e também como instrumento de luta política contra o imperador.

Afinal, comunicar, informar não é somente livre expressão, mas é também instrumento para o exercício do poder, seja de qualquer ordem – manter a hegemonia ou contra-hegemonia. Com base nessa atuação especifica de 200 anos de imprensa no Brasil é que devemos nos orgulhar de ser jornalistas. Além disso, uma prática de 40 anos de imprensa regulamentada não nos retira o direito a ser jornalista de uma noite para outra. Continuemos, continuemos a buscar os nossos sonhos e objetivos de exercemos nossa profissão, nossa identidade como profissional, pois nada se acaba com uma lei. Costumes e tradições enraizadas na sociedade não desaparecem porque leis deixam de ser institucionalizadas de um momento para o outro.

Sejamos éticos, responsáveis e procuremos seguir o nosso caminho. Um dia, pode se curtir o luto, noutro comemoraremos vitória. Conquistemos, agora, pelo que sempre lutamos: adquirir uma formação ética, cidadã, crítica, especializada e profissional para cumprir a difícil tarefa de ser jornalista neste país.


Andréa Cristiana, professora e jornalista por formação.