Alegria nos Clubes de Juazeiro

. 26 julho 2009

Fevereiro de 1950, o carnaval estava próximo. Muita movimentação dos diretores das sociedades Apolo e 28 de Setembro. O espírito competitivo fazia parte da organização das festas carnavalescas. Afinal, era grande a expectativa para quem realizaria a melhor festa. Tudo era feito em silêncio, "segredo absoluto" e poucos sabiam onde eram feitos os carros alegóricos. As escolas de samba "Cacumbú e Piratas" já esquentavam seus tambores e tamborins. Todos os dias, os ensaios começavam das 20 às 23 horas e diariamente chegavam pessoas que vinham de Salvador e de outras cidades para brincar o carnaval.

Assim relembra Charles Muniz Duarte, no livro Memórias de um Juazeirense, os preparativos para as festas feitas pelos clubes em homenagem ao rei Momo em Juazeiro. A cidade sempre teve uma vida social e cultural de nível elevado, que servia de modelo para toda a região do médio e sub-médio São Francisco. No entanto, houve várias mudanças em sua infraestrutura e em seu cotidiano. Entre 1940 e 1950, o porto fluvial de Juazeiro era o segundo mais importante do Brasil e o município possuía um movimentado comércio, já que as barcas do São Francisco faziam o tráfego entre Juazeiro (BA) e Januária (MG).

Foi em 1871, com a vinda do “Saldanha Marinho” que o comércio de Juazeiro começou a expandir-se e experimentou um maior desenvolvimento a partir de 1896, com o advento do terminal da estação ferroviária da leste Brasileiro. Assim, a cidade com sua grande movimentação de comerciantes e visitantes passou a investir em diversão para entreter não só os filhos da terra, mas comerciantes que percorriam o velho Chico, viajando nos navios-gaiolas.


Desta forma, as festividades foram intensificadas, eram realizados bailes infantis, diurnos e grandes noites bailantes para as demais idades. Toda a população queria participar das festas. Mandavam comprar tecidos e adereços na capital para confeccionar as fantasias, luxuosas e ricas em detalhes, inspiradas em palhaços, pierrôs e colombinas, piratas, baianas e inúmeros personagens.


Com a efervescência da época, Juazeiro vivia um momento de paz e muita alegria. Era conhecida como “terra dos artistas”, palco dos poetas, cantores e compositores, além de escritores e teatrólogos. O talento era evidenciado na realização dos diversos bailes, apresentações de orquestras e corais. Na época, a orla fluvial ainda tinha o cais e os clubes, incontáveis e lindos bailes, comemorando datas como Carnaval, São João e Réveillon. Também se apresentavam cantores como Cauby Peixoto e Ângela Maria. Os clubes mais famosos eram as Sociedades 28 de Setembro; Apolo Juazeirense, Beneficentes dos Artífices Juazeirenses, o Clube do Zero e o São Francisco Country Club.

Mensalmente, os clubes realizavam os tradicionais “bailes chiques”, como diz a historiadora Maria Izabel Muniz, “Bebela”. Sociedades Fundadas como Sociedades Filarmônicas, a 28 de Setembro, em 1897, e a Apolo Juazeirense, em 1901, tornaram-se os dois clubes mais frequentados da época. Com isso somente pessoas de famílias tradicionais e com bom poder aquisitivo desfrutavam das festas das respectivas sociedades. De acordo com Bebela, quem não podia entrar na Apolo e na 28 participava da Sociedade Beneficente dos Artífices Juazeirenses, fundado em 25 de dezembro de 1928 por operários, que também comemorava o carnaval.

Segundo Bebela, os bailes nos clubes eram embalados por orquestras que tocavam valsas, blues, boleros entre outros estilos. Havia também os concursos de miss. Ela lembra até que a miss Brasil de 1959, Vera Ribeiro, chegou a participar de um desfile na Sociedade 28 de Setembro. “Toda essa produção de festividades fazia com que houvesse muita disputa entre os clubes, a sociedade 28 de setembro e a Apolo tornaram-se grandes rivais, porque cada uma buscava a conquista dos melhores eventos“,conta Bebela.

Embora existissem várias datas a serem comemoradas, o carnaval era a época mais festiva de Juazeiro, onde eram realizados quatro bailes nos quatro dias de folia. A cidade também promovia o carnaval de rua. E os blocos, tanto da Apolo quanto da 28, faziam um percurso com a orquestra na frente em meio a batalhas de confetes. A partir de 1948, iniciaram as batucadas com seus estandartes e samba-enredos. As mais famosas eram a Cacumbú e Piratas. O Clube do Zero, fundado por Adauto Morais, também realizava bailes.

Como esse clube nunca teve sede, “os bailes eram organizados em casarões alugados da cidade. E eram frequentados por pessoas de baixo poder aquisitivo. Entretanto, era o carnaval cultural, porque mostrava a riqueza dos nossos artistas. Nos bailes cantavam apenas músicas de compositores juazeirenses. Além da diversão, tinha expressão cultural”, acrescenta Bebela. Mudanças Em 1966, evidenciando a chegada da modernidade, foi criado o São Francisco Country Club como uma entidade esportiva e, logo depois, se tornou um clube de referência, devido a instalações modernas, com quadras de futebol de salão, voleibol e basquete, e ainda um conjunto de piscinas.

“O clube polarizava a atenção de todos e realizava festas sensacionais, como o carnaval diurno e os campeonatos esportivos”, conta o ex-diretor do Country Club Augusto Bispo de Moraes. A festa momesca começava no country pela manhã e se estendia até o início da tarde. Ele conta também que, somente após o baile, os foliões se dirigiam à rua da Apolo para acompanhar o desfile dos carros alegóricos. Somente mais tarde, entravam na Sociedade Apolo, 28 de Setembro e nos demais clubes. “Realmente, a festa carnavalesca de Juazeiro era a mais divertida", relembra.

Os campeonatos de futebol e os jogos estudantis também animavam a região, pois na primeira noite de abertura de campeonato aconteciam os concursos da mais bela miss dos clubes. Toda sociedade juazeirense estava presente no evento para torcer por suas candidatas. Essas festividades esportivas terminavam com um baile de gala e a apresentação da miss vencedora. "Juazeiro sempre foi uma cidade festiva, porém hoje se ressente”, lamenta Moraes a não realização de eventos semelhantes.

Hoje, a esteira do tempo modificou as festividades e a forma de entretenimento da população. Os juazeirenses desconhecem muito das iniciativas que faziam a alegria da comunidade. No entanto, embora seja difícil restabelecer algo que ficou esquecido, pode-se lutar pela preservação da memória da história de Juazeiro. “Hoje o que se vê é um carnaval sem expressão, sem alma. A arte e cultura está naquele tempo do Zero, dos Artífices, da 28 e Apolo,”defende Bebela. No presente, o que ficou foi a nostalgia de um tempo áureo, no qual, chegado o fim do último baile no domingo, as pessoas fantasiadas se abraçavam nos salões dos clubes da cidade, comemorando mais um carnaval. Em uma só voz, todos cantavam a marchinha composta por Zé Kéti e Pereira Mattos: “Oh, quanto riso,oh quanta alegria.Mais de mil palhaços no salão,o arlequim está chorando pelo amor da colombina,no meio da multidão”.

Por Juliane Peixinho Fotos Arquivo Maria Isabel Figueredo