Altíssimos salários não garantem qualidade de ensino

. 16 agosto 2009
O pós-doutor Paulo Batista Machado afirma que a deficiência na formação escolar dos brasileiros não se resume apenas em fatores como o baixo salário de professores, métodos de ensino sem atratividade e desinteresse do alunado. Atual prefeito de Senhor do Bonfim, norte da Bahia, Machado é formado em Filosofia, História e Teologia. Concluiu seu Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, nove anos depois, se tornou Ph.D em Educação pela Universidade do Quebec, em Montreal, no Canadá. Nesta entrevista ao Jornal Mural Repórter, ele descreve sua visão a respeito da educação precária no Brasil.

Jornal Mural (JM): A educação precária do Brasil é a primeira problemática para o ingresso no mercado de trabalho e desenvolvimento do país?

Paulo Machado (PM):
É um fator a ser considerado, mas ele não vem sozinho. Sem a educação de qualidade não se pode avançar, mas há outros fatores decisivos como o ordenamento sócio-econômico, o nível de concentração de renda, de inclusão e exclusão social, o aparato tecnológico.

JM: De todas as soluções para melhorar o ensino no Brasil, a mais eficaz seria investir na qualificação dos nossos professores ou existe uma outra prioridade?

PM: A qualificação dos professores é fundamental, mas não será elemento decisivo se caminhar à margem do padrão mínimo infra-estrutural da escola e se não se desenvolver uma sociedade justa e igualitária.

JM: Como o senhor, como político, entende a problemática de professores sobrecarregados?
PM: Esta luta pela sobrevivência denuncia os baixos salários e a desvalorização da profissão. Os recursos do FUNDEB hoje, e a obrigação constitucional de aplicar 25% na educação permitem salários mais justos e inclusive gratificações pela qualificação profissional docente. Um Plano de Cargos e Salários hoje deve possibilitar uma carga horária e salários que desestimulem a ida para outros espaços profissionais. Pode-se pensar até em uma carga horária de 20, 40 horas e Dedicação Exclusiva.

JM: Alunos que passam mais tempo na escola aprendem mais ou quatro a cinco horas diárias são suficientes para um bom aprendizado?
PM: A escola de tempo integral permite um avanço sistemático na socialização e sistematização dos conteúdos e uma articulação decisiva entre o espaço escolar e os espaços cotidianos e educativos da cidade. Não se pode mais ensinar apenas um turno, isto é algo superado nos países que levam a educação a sério.

JM: Para aumentar os índices de educação, o nosso governo tem implantado diversos programas de alfabetização que formam alunos em menos tempo dentro da sala de aula. Como explicar o interesse em uma boa formação, se o governo parece apenas se importar com as estatísticas?
PM: Esta é uma faca de dois gumes: de um lado os dados estatísticos favoráveis abrem as portas do país ao investimento estrangeiro e garantem possibilidades de crescimento econômico; de outro lado possibilita cursos aligeirados, descontextualizados e de qualidade duvidosa. Sabe-se hoje que uma alfabetização precisa ser consolidada todo o tempo, pela perseverança de projetos que superem o limitado analfabetismo funcional.

JM: No Brasil, ainda vemos muitos professores, principalmente nas escolas públicas, sem nenhuma formação dando aulas de educação física, história e até mesmo matemática. Como são selecionados os nossos educadores?

PM: Tem-se avançado muito. A obrigatoriedade dos concursos, os processos formativos atualmente oferecidos, o aperfeiçoamento e pós-graduação dos professores garantem um nível considerável de qualidade. O desvio de função na docência é um fato ainda em alguns municípios e estados e isto revela uma insensibilidade e irresponsabilidade do gestor educacional.

JM: Para dar aula da 1ª a 4ª série não é obrigatório o diploma universitário. Não seria fundamental que os professores destas séries tenham formação superior?
PM: A tendência é esta e muitos municípios já não possuem em seus quadros professores de nível médio. Iria mais além: precisamos ter até mesmo na educação infantil mestres e doutores, algo que vi ocorrer em Montreal, por ocasião do meu curso de Doutorado.

JM: O aumento salarial para professores com diploma universitário seria um bom incentivo pra uma boa formação de professores e alunos?
PM: Isto não garante necessariamente a qualidade do ensino. Já vi altíssimos salários terem um desempenho pífio, bem abaixo do desempenho de professoras leigas. Poder-se-ia fazer o contrário, gratificar os professores que tenham apenas nível médio, para que estudem e se graduem.

Por Gabriela Canário e Juliane Peixinho
Fonte: Jornal Mural Repórter, uma produção da disciplina Entrevista e Reportagem do curso de Jornalismo em Multimeios ministrada pela docente Andréa Cristiana