“Nesses últimos tempos, quando aquece ou esfria um pouco, as pessoas já acham que é efeito do aquecimento global”

. 21 agosto 2009


“Dizer que hoje, nós estamos experimentando o aquecimento global é uma inverdade”, afirma Mário de Miranda Vilas Boas Ramos Leitão, estudioso dos acontecimentos metereológicos. Para ele, mais preocupante que o aquecimento global, uma previsão futura, são os problemas que já acontecem em localidades específicas.

Técnico, Bacharel, Mestre e Doutor em Metereologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Mário iniciou sua carreira profissional em 1975. Em 1982, começou a trabalhar como professor universitário, sendo servidor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e, atualmente, leciona na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Em entrevista ao Jornal Mural Repórter, produto da disciplina Entrevista e Reportagem do curso de Jornalismo em Multimeios, Miranda fala sobre o aquecimento no Vale do São Francisco e suas consequências para a região.

Jornal Mural (JM) Como você avalia o aquecimento global hoje?


Mario Miranda (MM): O aquecimento global tem dois aspectos. Quando nele falamos, estamos nos referindo a uma situação futura, que só irá ocorrer aproximadamente daqui a 50 ou 100 anos. Paralelo a isso, em algumas regiões do planeta, localmente existe alguns problemas que já resultam em algum aquecimento, o que não afeta todo o mundo. Há uma confusão bastante generalizada sobre o assunto. Nós não temos uma temperatura fixa ao longo de todos os anos, mas sim um ciclo, onde em determinados épocas a temperatura aumenta e em outros diminui. Nesses últimos anos, quando aquece ou esfria um pouco, as pessoas já acham que é efeito do aquecimento global.

JM: No cenário local, houve alterações climáticas bruscas nas últimas décadas?

MM: No semi-árido nordestino e em outras partes do planeta, a gente tem convivido com uma variação local do clima. Se formos avaliar a floresta amazônica, é perceptível a retirada de toda a vegetação natural de determinadas áreas. Isso, em contrapartida, faz com que a radiação solar que chega a essa superfície se comporte de forma distinta, aquecendo mais o solo, já que agora não existem plantas para absorver essa radiação. Em algumas áreas do Nordeste, a gente desmata achando que a caatinga não representa muita coisa. Na realidade, a caatinga representa para nossa região tanto quanto a floresta exuberante da Amazônia representa para a região Amazônica. Em Juazeiro, Petrolina e mediações, forte pólo produtor na fruticultura nacional, observa-se um desmatamento acentuado da caatinga. Em contrapeso, na medida em que retiramos essa vegetação, implementamos culturas. Em épocas mais secas, quando a caatinga fica completamente sem florir e não transfere vapor d’água à atmosfera, algumas dessas plantas contribuem retirando água do subsolo e jogando na superfície. Nós não sabemos se este tipo de vegetação substitui relativamente ou igualmente a flora regional, mas, de certo modo há uma compensação. Precisamos nos preocupar com esses espaços degradados, os quais chamamos de áreas em processo de desertificação. Isso tem ocorrido muito no nordeste, em especial em regiões da Bahia, Pernambuco e Paraíba. Se não cuidarmos, teremos esse aquecimento muito mais acentuado localmente... isso é preocupante.
JM: De que forma essas alterações podem ser percebidas diariamente?

MM: Para que as chuvas ocorram, é necessário que a atmosfera atinja certo nível de umidade, matéria prima para a formação de nuvens, que são as “fábricas” de chuva. Este ano houve cinco tentativas de precipitação atmosférica, o que não ocorreu devido a baixa umidade na região. Dessa forma, é perceptível uma sensação mais acentuada de calor, pois os raios solares passam com maior facilidade quando a umidade está baixa. A situação é mais agravante na medida em que esses raios alcançam uma superfície escura e produzem um aquecimento exacerbado. Uma pista de asfalto em Juazeiro e Petrolina pode chegar a 70 graus. Os raios aquecem a superfície e ela transfere esse calor para a atmosfera. Em épocas mais quentes, temos a sensação desagradável que o corpo está queimando, diferente de quando a umidade está alta. Nas épocas mais secas, que ocorrem por outubro e novembro, a umidade do ar cai a um nível tão baixo, que as pessoas começam a ter problemas de circulação sanguínea e complicações respiratórias. O nariz geralmente resseca e, para piorar, usamos o ar-condicionado, que termina por retirar o resto da umidade do ar existente naquele ambiente. Na região, durante o período intermediário das 14h às 16h/17h, o índice de umidade já chegou nos últimos dois anos a 11%, um valor extremamente baixo. A Organização Mundial de Saúde afirma que uma umidade abaixo de 30% é prejudicial. Nesse período mais crítico, ela baixa pra menos de 20%. Então, algumas pessoas têm sangramento nasal e dores de cabeça.

JM: O Rio São Francisco de alguma maneira pode ser afetado pelo aquecimento? MM: O aquecimento em si pode afetá-lo, mas não de forma tão acentuada como ele afeta, por exemplo, a barragem de Sobradinho. A água do rio, em movimento, se mistura e não aquece tanto. Quanto maior for a temperatura e menor umidade, maior será a perda de água por evaporação de qualquer barragem. Essa nossa região tem os menores índices de umidade e as maiores taxas de evaporação do Brasil. Aqui, os açudes e barragens, por ano, perdem em média três metros de água só por evaporação. Alguns são mais e outros são menos. A gente ainda não aprendeu a conviver com seca. Um exemplo são os açudes pouco profundos, com menos de três metros de profundidade, e que a água vai toda embora. Aqui, no semi-árido, quando chove, os açudes ficam cheios, bonitos, contudo, quando você vai próximo ao período chuvoso, está tudo seco, ou só tem lama. As pessoas não se preocupam em torná-los profundos para que a água dure. A maioria dos açudes no Nordeste não tem nem dois metros.

JM: Quais as Previsões a longo prazo, se medidas emergenciais não forem adotadas na região do Vale do São Francisco, para a preservação do Ecossistema? MM: As cidades litorâneas como Recife, Salvador teriam sérios problemas. Se já há uma invasão do mar, provocada por uma maré alta ou uma ressaca em áreas habitadas, imagine se o nível do oceano subir cerca de seis metros. Haveria um descongelamento das áreas com gelo. Isso causaria um impacto muito grande. Por outro lado, haveria também uma mudança no mapa de produção agrícola. Regiões que hoje produzem determinadas culturas poderiam neste período de aquecimento mais acentuado, não ter as mesmas condições para a produção.
Nós seres vivos, animais e vegetais, somos adaptáveis. O aquecimento de todo o planeta irá ocorrer aos poucos, gradativamente. Nestas condições, muitos se ajustariam. A própria teoria da evolução mostra isso, nós já passamos por algo parecido a milhões de anos atrás. Na região de Petrolina e Juazeiro, temos em determinadas épocas do ano, no período frio, temperaturas que alcançam menos de 14 graus. Quando chega o verão, a temperatura do ar, muitas vezes, chega a 39 e 40 graus. As plantas não morrem, nós também não morremos, o que irá ocorrer é uma evolução da vida, tanto vegetal quanto animal. Essa é uma questão toda voltada para um possível aquecimento global. Preocupa-me mais, o fato da gente não estar colocando a visão regional nesta situação. Imagine os locais onde a gente já tem uma circunstância complicada, essa degradação toda, da desertificação do Nordeste, as cidades colocando asfalto por tudo que é canto pra “assar gente por ai”.

Em 2008, nós fizemos uma pesquisa em três bairros de Petrolina. Somente na noite de São João, averiguamos que 31 mil quilos de poluentes são jogados na atmosfera, em função da queima da vegetação. Imagine o que isso causa. Já existem cidades como Campina Grande e João Pessoa, na Paraíba, que é proibido fazer fogueira. Acho até um exagero proibir, mas, ao invés de fazer uma fogueira de 50 kg, por que não colocarmos lá três pauzinhos?

Dizer que, hoje, nós estamos experimentando o aquecimento global é uma inverdade. Agora tudo no mundo é aquecimento. Temos que ter ponderação naquilo que se fala. Nesse caso, acho que houve um exagero muito grande por parte da mídia. A Rede Globo até que diminuiu, mas dizia que o Nordeste, nos próximos anos, ia ter muita seca. O ano de 2007 foi mais quente do que 2008, e o ano passado foi mais quente que 2009. Talvez tenha sido a própria ação das culturas aqui na região. Um processo completamente normal.

Alguns cientistas são chamados de céticos, como é o caso do brasileiro Luis Carlos Molion. Na realidade, o que o preocupa não é o aquecimento, mas sim o resfriamento do planeta. Se aquecermos os oceanos, a água deles vai para a atmosfera. Essa água desce, molha e esfria a superfície. Esse pessoal torce pelo aquecimento, para melhorar os índices de chuva nas regiões secas do mundo, veja que contradição. Não tenho uma simpatia pelos discursos a respeito do aquecimento e nem pelo contraditório. Acho fundamental a população ter consciência. Hoje, você olha para a beira da estrada e encontra sacos de salgadinho, garrafas pet e sacos plásticos. Embora muita gente nem imagine, é um efeito que pode prejudicar não só os seres vivos, mas também modificar o balanço de energia e o balanço de radiação, o que acentua o aquecimento. Uma coisa é a superfície natural, outra é uma superfície com objetos poluentes, que vão durar 50, 100, 300 anos para se degradarem.

Daysiane Figueiredo e Ilana Copque
Fotos: Ilana Copque