Moradores ainda residem em casas de barro e pau em Juazeiro

. 15 setembro 2009

Às cinco horas da manhã, a aposentada de 84 anos, Agostinha Rodrigues, já está acordada, realizando uma de suas tarefas diárias: varrer o quintal e a frente de sua casa. Ela veio do interior do município de Curaçá (BA) morar numa casa de taipa no final dos anos 50, mas a enchente de 1961 destruiu a moradia. Para reerguê-la, contou com a colaboração dos filhos, amigos e vizinhos que, através de um mutirão, construíram uma casa de tijolos no lugar da antiga, em seis domingos seguidos. Aos poucos, foi melhorando sua residência e hoje relembra as dificuldades daquele período.

Morar em casas de taipa em Juazeiro não é coisa do passado. Nos bairros periféricos da cidade como Tabuleiro, Itaberaba, Dom José Rodrigues e Malhada da Areia, muitos migrantes vivenciam a realidade que Dona Agostinha viveu. Eles vêm em busca de trabalho e melhores condições de vida, porém são surpreendidos pela falta de vagas nos projetos agrícolas. Como não possuem capacitação profissional, ficam fora do mercado de trabalho. Sem dinheiro para voltar, são obrigados a viver de subempregos no mercado informal e morar em condições subumanas.

Na invasão da Itaberaba, a dona de casa e viúva Maria da Silva Santos (foto) afirma que, em outubro, faz oito anos de sua chegada ao local. Veio com seu marido de Missão Velha, no Ceará, depois de vender tudo que tinha. Ao chegar, compraram uma casa no bairro Itaberaba, mas venderam com medo da violência e foram morar no Jardim Primavera.
“Aqui só existia mato. O pessoal chegou pouco a pouco, desmatou e foi construindo a casinha de taipa. É melhor morar assim do que de aluguel”, afirma a moradora.

Fugir do aluguel é um dos motivos que leva às ocupações de terreno em Juazeiro. Há 17 anos, Maria Quitéria da Silva (foto) chegou à cidade também acompanhando o marido de Juazeiro do Norte, no Ceará. Dona Quitéria explica que, em sua difícil trajetória em busca de um lugar para se abrigar, já morou debaixo de uma árvore, um pé de tambor na Rua de Baixo, próximo ao Abrigo dos Idosos e na garagem do pai de uma amiga.
Também residiu em casa alugada por cinco anos no Alto Cruzeiro e três anos no Lomanto Júnior.

Buscando deixar a vida de inquilina, partiu para um novo desafio quando soube, há dois anos e sete meses, que o Movimento dos Sem Teto ocuparia um terreno próximo a Câmara de Vereadores na Malhada da Areia. Depois de muita luta, perdeu sua casa de taipa construída na primeira tentativa, pois a proprietária requereu na Justiça a reintegração de posse. Segundo ela, a ação foi muito dolorosa: “Oh, dias difíceis foram aqueles! As máquinas derrubaram as cinco casas e só não passaram por cima da gente porque tivemos de sair”, relembra, com tristeza, os 15 dias em que ficou no relento até que seus filhos fizeram a casa de taipa onde reside hoje.

Salvador Batista de Oliveira, colaborador da organização naquela época, explica que cada morador recebeu um lote de 10m X 20m e construiu as casas com os recursos e materiais que tinham disponíveis, pedaços de pau e barro. “Sabíamos e sabemos do perigo, inclusive as autoridades de saúde vêm aqui e dão palestras, aplicam inseticidas, mas quem não tem onde morar faz qualquer coisa para sair do aluguel, além de ser uma forma de pressionar as autoridades por moradia”, afirma.

A atual representante do Movimento dos Sem Teto no município, Gilza Martins de Oliveira, pela primeira vez depois de 20 anos de trabalhos comunitários em seu bairro, Alto do Cruzeiro, assume o compromisso de reforçar a luta dos moradores de invasões. “Já são três comunidades organizadas em associações: a da Malhada da Areia, Água Bela e Canudos, atrás do Alto do Cruzeiro. Agora, é organizar as demais e dar sustentação na luta pela concretização da posse e demais melhorias”, assegura.

As invasões não contam com nenhum serviço público de qualidade. O fornecimento de água e energia elétrica ocorre através de ligações clandestinas; não há escolas ou postos de saúde, mas os moradores afirmam que a maior dificuldade é a falta de emprego. Vivem de pequenos “bicos” quando encontram e se não fosse a Central de Abastecimento de Alimentos (CEASA) a situação seria insuportável. É no local que grande parte das pessoas trabalha como carregadores e sustenta suas famílias.

O maior desejo de quem mora nessas condições é concretizar o sonho da casa própria e receber a documentação. Por isso, parte dos moradores de outras localidades e todos da invasão de Malhada da Areia, além de estarem cadastrados no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), também aderiram ao Programa Minha Casa, Minha Vida e esperam da Prefeitura Municipal de Juazeiro a realização de outros projetos.

A Secretaria de Infra-Estrutura, Obras e Habitação não tem dados sobre o número exato de casas de taipa, mas identifica que pode haver um déficit, em Juazeiro, de 10 mil habitações, segundo levantamento de 2008. A Associação da Malhada da Areia contabiliza 80 casas e cerca de 600 lotes, já nas demais localidades existem muitas casas espalhadas de forma desorganizada nos terrenos.

O município está cadastrado no Programa Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal com 6 mil projetos enviados à Caixa Econômica Federal (CEF) pela prefeitura e 2.600 casas projetadas por empresas parceiras. Também está em fase de conclusão os projetos de 140 casas financiadas pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FINHS) com verbas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A Prefeitura aguarda a aprovação dos projetos pela CEF e também efetuou o cadastro no Pró-Moradia, do Governo Federal.

Dentre os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), há uma verba destinada à melhoria habitacional nos bairros onde acontecem as obras de saneamento. As melhorias vão da reforma de algumas moradias à construção de banheiros e de novas casas para quem mora em habitações insalubres. Até serem construídas as casas de alvenaria, os moradores aguardam esperançosos o dia em que, como Dona Agostinha, também tenham suas residências, para que possam viver com dignidade.

Por Jorge Galego, texto e fotos