Alma de guerreiro

. 09 outubro 2009

Júlio Evangelista, sertanejo nascido e criado na caatinga, aos 63 anos demonstra a tranqüilidade e paciência que somente os anos proporcionam. O olhar de guerreiro faz-me lembrar o do meu falecido avô, Antônio Félix, também um bravo guerreiro. Traz na pele as marcas da exposição contínua ao sol causticante do Nordeste e das intempéries da vida, contrastando com a postura ereta e semblante calmo. Disposição para o trabalho nunca lhe faltou, desde cedo labutou na roça com o pai e os irmãos. Cuidar da criação era outra atividade necessária e que Júlio desempenhava constantemente.

Assim como todo sertanejo, sofreu as impiedades da estiagem, mas superou as adversidades com resignação sem jamais perder a esperança. Quando perguntei sobre as dificuldades da vida na roça, sorriu sem constrangimento, na certeza que tudo serviu de aprendizagem. “A gente passou alguns aperreio, né?”, complementou.

No Sítio Bom Socorro, município de Curaçá, onde nasceu, desfrutou da companhia de 11 irmãos. Apesar da casa cheia, o pai de Seu Júlio administrava bem a meninada, ensinando cada um a ter estilo. “Brigar, ninguém brigava porque o velho não queria, sabia lidar”, explica. Ainda adolescente, a distância entre as residências tornou-se um desafio quando queria fazer amigos. Só nas festas ou festejos religiosos é que tinha chance de conhecer gente nova, pois ocupava-se do labor diário permanentemente. “Não tinha sossego”, explica Seu Júlio.

Mesmo entregue às atividades agropastoris, teve tempo de aprender a ler e escrever, o pai incentivava a todos os filhos ter estudo. A escola ficava no sítio Maria Preta, distante duas léguas de casa. Todo o trajeto era feito à pé, o que certamente não é raro nessas paragens.

Nas andanças para a casa de amigos e comemorações de fim de ano, entre um sorriso e outro, um olhar mais detido, Júlio encantou-se por Dalvina. Entre idas e voltas do namoro, enfim casaram-se no ano de 1974.

Aos 30 anos, rumou para Juazeiro trazendo a esposa grávida e dois filhos pequenos. Estabeleceu-se no bairro São Geraldo onde ainda mora, e saiu em busca de emprego. Trabalhou em lavouras; como pedreiro; entregador de gás e, por fim, entrou na Universidade do Estado da Bahia para trabalhar no campo, onde cuidava de um pomar. Nos 32 anos que está na universidade, exerceu algumas funções, entre as quais a de marceneiro, até chegar à atual: cuidar dos jardins e plantas.

Rotina
O dia a dia de Seu Júlio na UNEB começa cedo, com o café da manhã dos estudantes. Quem quiser encontrá-lo, lá está ele despachando. Logo depois, o encontramos aguando os jardins, com a disposição de fazer inveja àqueles que, aos 20 poucos anos, já estão reclamando do cansaço diário. Do convívio familiar, herdou a amabilidade e o tratamento generoso para com os colegas de trabalho, sempre respeitoso, considerando-os como irmãos.

Nesses mais de 30 anos trabalhando na universidade, o que o deixa chateado é pensar que a UNEB era um grande fornecedor de hortifruti da região e foi perdendo espaço para as grandes fazendas irrigadas. Vivia-se na época, a revolução da agricultura na região “A gente tirava era carrada de manga, de milho. Funcionário não comprava verdura, ai tinha tudo”, lembra com saudade.

Simplicidade
Seu Júlio tentou voltar a estudar, porém não poderia deixar a esposa sozinha em casa, preferiu então parar. Passou a se interessar por computador e já tentou aprender a manuseá-lo, mas espera outra chance. Quer operar o caixa eletrônico, dirigir sua vida bancária, hoje facilitada por seu filho Cirilo, também funcionário da UNEB.

Um sonho que ainda pretende realizar é o de ter uma casa própria. Para isso, junta economias na esperança de concretizá-lo sem medir esforços. Afinal, todo guerreiro merece um lugar onde tirar a armadura e descansar. A aposentadoria sairá em dois anos, mas o exemplo de Seu Júlio será lembrado por todos os que conhecem e desfrutam de seu companheirismo na Universidade do Estado da Bahia.

Por Laércio Lucas
Foto Emerson Rocha