O caso do "menino das agulhas"

. 22 dezembro 2009
Pouca gente nos demais estados do Brasil, certamente, sabia da existência da cidade de Ibotirama, um dos 417 municípios da Bahia. Pois bem, agora, depois do caso do menino que está internado, neste momento em Salvador, com cerca de 50, 42 ou 26 (cada dia um número novo) agulhas no corpo, o Brasil todo sabe.

Eu, no meu desprezo para com a programação global e com atenção voltada para a transmissão da CONFECOM (Conferência Nacional de Comunicação), nem sabia do ocorrido. Ao chegar numa comunidade da zona rural de Juazeiro, onde quem não tem antena parabólica em casa só assiste à Tv Globo, logo me perguntaram se eu estava acompanhando o caso do “menino das agulhas” que aconteceu no interior da Bahia, mas que havia repercutido nacionalmente. Me contaram o fato jornalístico, assisti Fátima Bernardes e William Bonner falando ao vivo com o repórter que estava em Ibotirama e, a partir daí, passei a acompanhar algumas das tantas abordagens feitas em todos os telejornais (locais e nacionais) da Rede Globo.


Ibotirama, que é uma das cidades baianas por onde passa o Rio São Francisco – trecho que por sinal encontra-se em total estado de degradação – hoje é conhecida em todo o Brasil. É, com a imensidão geográfica e cultural do nosso páis e com a mídia convencional que temos, só mesmo acontecendo casos esdrúxulos como este para “o país se ver” na Tv.

O fato não é nada comum, realmente desperta a curiosidade, a revolta. Afinal, trata-se de uma criança de dois anos que está sofrendo as conseqüências de atos de três, ou sabe-se quantos, adultos. Entretanto, está sendo mais um caso de super exploração de pauta, como tantos outros que já acompanhamos neste país.

Algo que também tem incomodado bastante na veiculação do caso do “menino das agulhas” é a distorção religiosa, se assim pode-se dizer, que está sendo feita. O aparecimento das 50, 42 ou 26 agulhas no corpo da criança está sendo atribuído a um ritual de magia negra. O ocorrido é, inquestionavelmente, desumano, no entanto, as matérias e falas de apresentadores, na maioria das vezes, tem contribuído para o aumento da criminalização das religiões de matrizes africanas. A magia negra tem sido colocada como uma prática própria das religiões afro-brasileiras, quando, na verdade, não é possível generalizar, pois, assim como nas demais religiões, existem correntes. Embora todas adotem elementos da cultura religiosa africana, existem diferenças entre Candomblé, Umbanda e Quimbanda, tanto pela natureza das entidades cultuadas, como pelo procedimento do culto e uso das forças evocadas. Nem todas as correntes aprovam a prática da magia negra. Contudo, isso não tem sido evidenciado na cobertura jornalística do caso.

É certo que uma das acusadas de cometer o crime parece se intitular “mãe de santo”, entretanto, o jornalismo brasileiro não tem procurado explorar a legitimidade do título. Hoje, o programa “Mais você”, de Ana Maria Braga, após receber e-mail de alguns telespectadores que questionavam algumas falas da apresentadora sobre o tema, trouxe um “pai de santo” para falar sobre o assunto. Porém, a conversa não foi tão esclarecedora, a ponto de Ana Maria, ao iniciar o bloco após a entrevista, pedir desculpas a seu público e prometer explorar mais o assunto no próximo ano.

Só havendo crianças furadas de agulhas ou casos absurdamente semelhantes para o Brasil saber pela televisão da existência de cidades como Ibotirama, na Bahia. O que mais será preciso acontecer para ouvirmos falar de cidades como Marapanim, no Pará, Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul, Boqueirão, na Paraíba e tantas outras que compõem o mapa geográfico e a diversidade cultural do Brasil, mas que não existem para a maioria dos/as brasileiros/as, pois não aparecem na televisão aberta?

Por Érica Daiane da Costa Silva - Estudante de Comunicaçao Social - Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus Juazeiro) e militante da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS).