Augusto

. 09 abril 2010
Horário de pique em Salvador. Fazia apenas alguns minutos, que a agitação no centro da cidade, com um pontapé certeiro, havia atingido o Augusto. Quando abriu os olhos e se recuperou do sobressalto, já não era possível identificar aquele que tinha lhe atingido. Com as mãos ainda úmidas, devido à chuva da noite anterior, esfregou os olhos a fim de se acostumar com a claridade excessiva daquele dia estranhamente ensolarado. Desde ontem não comia nada, e o som desafinado produzido pelo seu estômago, que reclamava, embalou uma noite iluminada por trovões. De forma vagarosa, Augusto se levantou. As pernas, com sinais explícitos de osteoporose rangeram. O corpo velho já não funciona como antigamente, quando ainda tinha fôlego para correr atrás de alguns trocados. Mal havia terminado de se erguer e uma alma piedosa lhe jogou umas moedas que rodopiaram pelo chão, brilhando feito ouro vivo. Abaixou-se para pegá-las: 20 centavos. Tão era piedosa a alma, que arderia no inferno por fazê-lo se curvar por tão pouco. O suor que salpicava o velho rosto se misturava com a sujeira encrostada de dias sem um banho digno. Com os pés descalços e os fios de cabelo cinza emaranhados, Augusto se sentou no primeiro banco público a vista. A essa altura do campeonato, os camelôs tentavam atrair, com músicas de sucesso apresentadas a todo volume, a clientela apressada que por ali passava. Aquela bagunça sonora, que um dia animou as manhãs do Augusto, agora não passava de um barulho desconexo e longínquo. Ele era meio surdo, uma lembrança desgostosa de um momento de violência e sufoco nas ruas. Inquieto, o senhor que nunca soube a data exata do seu aniversário começou a sacudir uma lata com as duas moedas que ganhou há poucos instantes. Com aquele dinheiro, já era possível comprar um pão e apaziguar um pouco a tormenta da fome. No entanto, precisava de algo para produzir som, já não tinha forças para pedir. Implorou quase toda a vida, e foi por falta de opção. Não gostava da sensação humilhante. Enquanto o tempo teimava em não passar, Augusto observava os prédios altos e as construções antigas. O mundo girava feito roda-gigante e ele permanecia ali, admirando aquela paisagem nem um pouco moderna. Por instantes, esqueceu o quão invisível era para os transeuntes que esbarravam em si, e pareciam querer passar por cima de sua limitada figura. Sentiu-se um estranho naquela rua que era sua casa fria e nada doce. Olhou para o céu, queria afrontar a Deus. Esperou alguns minutos para ver se o soberano se manifestava, mas ele era medroso o suficiente para encarar uma pobre alma, em corpo sob a forma de carcaça. Só saiu do transe quando algumas moedas bateram no fundo de sua lata, fazendo-o esquecer o contato divino. Iria comer, enfim! Ilana Copque, estudante de Jornalismo em Multimios.