Queixei-me de baratas?

. 15 julho 2010

Crianças navegam no Velho Chico



“Todos os dias se revelam nas pequenas ilusões empoeiradas o destino como um redemoinho atravessa as nossas vidas, destrói os nossos cercados”. Um amigo disse-me um dia – descomprometidamente - esta frase e, sem compromisso também, decorei. Da literatura apregoada em vão momento, achei livre e inesperada como o próprio destino pode vir a ser.


Predestinadamente ou não, Juazeiro atravessou minha vida ou fui eu quem atravessou Juazeiro, não sei bem ao certo quando. Lembro-me, com certa dúvida, que foi no ano de 2005 “e desde então grita esse trovão no meu peito”, como diz a música Tempestade, de Zélia Duncan.


Do momento da minha chegada até hoje, tive tantas experiências e conheci tanta gente que me sinto mais filho desta terra que da terra que me pariu, que ninguém saiba qual seja. Aqui, sou mais feliz e infeliz também.


Digo infeliz porque aprendi a ser um filho nato, com todas as honrarias e créditos a que tenho direito, pois convivi de perto e em graus de envolvimento profundo com os filhos deste lugar. Como na obra de James Cameron, sou um Avatar quase Navi. Portanto, sei como qualquer juazeirense sabe que a relação com a terra de João Gilberto (ironia inevitável) é uma relação de amor e ódio. Mas, por quê? Respondo. E perceba que as minhas respostas também são as dos outros, já que falo por mim muito do que ouço de outros tantos que comigo convivem e demais que entrevistei.


Um deles, disse-me: “Eu não gosto de Juazeiro e é recíproco”. Compreender tal relação de reciprocidade é, antes de mais nada, tentar adivinhar quem primeiro se insatisfez. Baratas saem dos ralos das casas do centro da cidade, habitam os raros cantos frios de nossos banheiros e lavanderias e, surpreendidas com nossa presença, ali permanecem estáticas, ao menos são silenciosas. Aquele ex-prefeito morador do centro, diariamente, tem sua casa perfumada por uma lata de creolina e assim cada um segue criando seu campo de força.


Mas “e daí” que as nossas casas sejam visitadas por esses insetos tão fáceis de conviver por essas bandas? Queixei-me de baratas? Eu ou G.H.? Se Clarice Lispector alcançou um desfecho para sua personagem... Quem está escrevendo o nosso roteiro?


Ufa! Chega de interrogações. A mim importa muito mais afirmar o pouco que sei e que vejo ser negligenciado. A pobreza tornada costumeira dos pedintes nas ruas, a prostituição e uso de drogas nos bares embaixo da ponte, a chocante pobreza de todos os “Altos” que dão nomes aos bairros marginalizados, quer dizer do Alto da Maravilha, Alto da Aliança, Alto do Alencar, Alto do Cruzeiro, Alto Cheiroso, entre outros que me deixam descrente e ansioso por saber quanto tempo levará para que tenhamos respostas significativas.


Do teatro perseverante (outras vezes vendido), da prostituição de mulheres, da abundância de águas do rio, do mau cheiro nas ruas, dos carros importados que destoam da realidade de uma maioria oprimida, do medo cotidiano de ser assaltado, da ausência de saneamento da periferia, da má educação de nossas crianças, da coleta ineficaz do lixo, do descaso com o São Francisco e tudo mais que poderia escolher ser a minha Juazeiro, fico com a hospitalidade do meu povo e com os ares de poesia que a orla em si carrega. Qual orla não carregaria? Importante mesmo é saber refletir. E se me sento contente à beira do rio, contente não me sinto. Que venham as águas, que venham os anos e que outros se sintam mais contentes, mas que não se sentem sem refletir.


Texto e fotografia por Raphael Barbosa