Clóvis Paes Landim de Oliveira, honrosamente um cidadão juazeirense

. 17 julho 2010



Pela fresta do portão, avistei-o. Era um senhor de cabelos brancos que estava sentado à mesa e balbuciava algumas palavras em meio aos familiares. Ensaiei palmas, mas desisti e fiquei observando mais um instante. Embora não quisesse interromper, desta vez deixei ecoar o som das palmas para que alguém atendesse. Entrei na casa a pedido de um de seus filhos, sentei num confortável sofá e o aguardei terminar a refeição, mas, ansioso, ele se opôs e veio logo ao meu encontro.

Preocupado, Clóvis Paes Landim de Oliveira morador da cidade de Juazeiro há 52 anos, adiantou-se dizendo: Olhe, não sou filho legítimo de Juazeiro-BA. Contudo, retruquei que a sua vivência na cidade era o mais importante, e, apesar dele não ter nascido aqui, ele já era honrosamente um cidadão juazeirense.

Recorrendo à sua memória, timidamente Clóvis inicia a conversa, relembrando a sua vinda para Juazeiro-BA. Filho de Liberalina Paes landim de Oliveira e Modesto Paulino de Oliveira, Clóvis Paes Landimde Oliveira nasceu em São João-PI, em 1930. Seu pai era tropeiro e comprava mercadorias em Juazeiro, revendendo para diversas cidades até chegar ao Maranhão. Aos 18 anos, o rapaz mudou-se para Remanso-BA e passou a trabalhar como balconista numa loja. Dez anos depois, foi convidado para gerenciar a loja filial em Juazeiro e aqui permaneceu até hoje.

Em 1958, ano da sua chegada, ele relata que Juazeiro-BA ainda era um município pequeno, mas já encontrara, nas suas vivências, lembranças do pai e nas de outros moradores, a Estação Ferroviária da Leste Brasileiro, a Companhia de Navegação Viação Baiana, o porto fluvial situado no cais e um movimentado comércio, que tem seu auge no início do século XX, sendo um importante centro comercial. Grandes casas de exportação como Viana Braga, Sinval da Luz, Campelo, João César comercializavam há anos cereais, algodão, cera de carnaúba, peles de animais, mamona e outras mercadorias. Após as negociações, os produtos eram transportados pelas barcas do São Francisco num continuo tráfego entre Juazeiro (BA) e Januária (MG).


As sociedades Apolo Juazeirense e 28 de Setembro também movimentavam a cidade com a rivalidade na produção das festas e bailes de carnaval. As principais comemorações eram as carnavalescas que aconteciam nos clubes à noite e durante o dia nas ruas da cidade com desfiles de carros alegóricos e guerra de confetes. Aos 80 anos, Clóvis sente a transformação da festividade que hoje ganhou um sentido comercial. “As festas nos clubes eram lindas e os foliões se fantasiavam. Nas ruas tinha os carros alegóricos e brincávamos todos juntos. Hoje é comércio. Quem tem dinheiro para pagar um abadá, entra no bloco. Se você não tem condição de pagar, você fica de fora. Nosso carnaval não era só vestir um abadázinho”, reflete Clóvis.

Mas a partir dos anos 50 aconteceram muitas transformações. A construção da ponte Presidente Dutra na divisa entre Juazeiro-BA e Petrolina-PE. “Quando a ponte ficou pronta, a população ficou muito satisfeita, encantados com seu arqueamento para a passagem do vapor. As pessoas a utilizavam até para fazer passeios”, conta Clovis. Embora a construção da via tenha favorecido o transporte ente as cidades houve conseqüências estruturais irreparáveis como a desativação da estação ferroviária, o desuso dos canoeiros na travessia de Juazeiro-BA à Petrolina-PE. E adiante a demolição do antigo mercado municipal pelo prefeito Américo Tanuri para dar lugar ao monumento artístico, a estátua de São Tiago Maior.

Em 1960, um acontecimento marcante mudou a educação de Juazeiro. A instalação da Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco. “No início, a faculdade não tinha sede. Depois o governo federal cedeu um terreno onde funcionava o horto florestal para construírem. Foi um grande ganho para a região do vale do São Francisco, principalmente para as famílias que não detinham de muitas posses para pagar um ensino particular”, explica Clóvis. Com a instituição, os filhos de Juazeiro não precisavam mais deslocar-se para a capital para adquirir um curso superior. Para Clóvis Paes Landim de OLiveira a fundação da FAMESF foi uma das melhores conquistas que Juazeiro teve. Assim como a construção do Ginásio Rui Barbosa, sete anos antes. “Não tínhamos escolas em Juazeiro. Toda a população estudava em Petrolina nos colégios Auxiliadora e Dom Bosco, tiravam o ginásio lá. Quando quiseram fundar o Rui Barbosa soube que as pessoas questionavam. Pra que esse colégio aqui?”, relembra Clóvis.

O aposentado ou como o mesmo se intitula hoje “vagabundo”, ele aponta uma falha na sociedade Juazeirense que contribuiu para seu crescimento insuficiente durante esses 132 anos de história: a falta de articulação política entre suas lideranças. “Nós perdemos o batalhão do exército para Petrolina-PE. Ele não podia ser feito lá, mas foi. Porque na época não encontraram um terreno devido à política. Antes, se o terreno pertencesse a algum adversário político, as pessoas não faziam negócio. Surgiram oportunidades e Juazeiro perdeu!”, conta Clóvis. Ele acrescenta que a SUDENE e outras empresas não se firmaram em Juazeiro pelo mesmo motivo.

Hoje, não é necessário mais em período eleitoral tecer embates nos altos falantes do senhor Junior Batutino para toda cidade, há outros meios, rádio, televisão e até blogs. Tão pouco a revelação de retratos para a campanha. No entanto, as práticas políticas juazeirenses atuais assemelham-se ainda muito a de outrora. “A disputa era, e continua acirrada. Juazeiro-BA não mudou muito politicamente. Aquele que toma a ponte e vence a eleição uma vez, não quer entregar mais não”, diz Clóvis.

Detentor de muitas memórias, o Clóvis Paes Landim de Oliveira do início do diálogo agora se mostra mais descontraído. Agradece a Juazeiro, princesa do São Francisco como chama, por acolher a ele, a esposa e seus cinco filhos. E se despede da nossa conversa, saudosista, descrevendo a imagem que se eternizará na sua memória: o movimento da Rua da Apolo e a alegria contagiante do povo juazeirense.

Por Juliane Peixinho
Foto: Emerson Rocha/Arquivo