Produtos à base de compostos de carbamato com alto
poder toxicológico e carcinogênico, que têm sido usados nos cultivos de melão,
melancia, cebola, não são recomendados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA) por oferecer risco potencial à saúde das populações do
Vale do São Francisco. Em decorrência do uso
indiscriminado dos agrotóxicos, aumentou a incidência de doenças crônicas não transmissíveis,
como tumores cancerígenos, de acordo com o Relatório da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), publicado em dezembro de 2011.
Desde
2008, o país é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, segundo o professor
Paulo Augusto da Costa Pinto, do Departamento de Ciências e Tecnologias Sociais
(DTCS), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pela Lei 7.802, de 11 de
julho de 1989, é de competência de órgãos federais o controle, fiscalização da
produção, exportação e importação dos produtos agrotóxicos. Contudo, isso não
tem ocorrido em pequenas propriedades e nos mercados do produtor.
Para
o pesquisador, que se especializou em Gestão de Resíduos Orgânicos, na Espanha,
nos “Mercados do Produtor de Juazeiro, considerado o quarto maior do país, e no
de Petrolina não existem registros de análises de resíduos de seus produtos
horti-fruti-granjeiros”. Para o professor, alguns produtos podem ter resíduos e
causar danos à população. Em entrevista ao MultiCiência, Paulo Pinto, esclarece
sobre os riscos do uso indiscriminado de agrotóxicos à saúde e ao meio
ambiente.
MultiCiência: O Brasil é um dos países que mais utiliza agrotóxico. O que isso revela em relação ao futuro na agricultura?
Paulo Pinto: Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Se essa
forma não inteligente de produção agrícola persistir, os resultados em termos
de saúde da população serão cada vez mais desastrosos. No entanto, é crescente
o nível de conscientização das pessoas sobre os efeitos danosos dos
agrotóxicos, sobretudo quando utilizados indiscriminadamente, o que ainda se
faz amplamente em muitas partes do país, inclusive nossa região, o que poderá
sinalizar para dias melhores, não sendo, entretanto, fácil a mudança do
paradigma assumido nas últimas décadas, face aos interesses das empresas dos
agrotóxicos no Brasil.
MultiCiência: De que forma tem
sido o impacto do uso dos agrotóxicos no Vale do São Francisco?
Paulo Pinto:Na região
do Vale do São Francisco conforme tese de doutorado da Dra. Cheila Bedor, em 2008 é notório o
uso abusivo de agrotóxicos, de forma desordenada, constatando-se 23% dos trabalhadores rurais sem orientação
para a compra dos agrotóxicos. Os vendedores desses produtos não estão
devidamente preparados para orientá-los, já que 21% dos produtos são indicados
erroneamente por esses vendedores, quando comparado ao que recomenda o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), enquanto apenas 22% têm sua indicação
correta e 54% não são especificadas. Há produtos indicado por algumas lojas
para ser utilizado nas culturas de cebola, manga e tomate, quando a correta indicação
do MAPA é para as culturas de algodão, feijão, milho, soja e trigo.
Além disso, apesar da obrigatoriedade do receituário próprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados, prevista no artigo 13 da lei brasileira de agrotóxicos, ainda há um número significativo 12 % de lojas na região sem cumpri-la, número esse que deve ser bem maior, uma vez que 78 % dos agricultores dizem não utilizar o receituário na hora da compra.
MultiCiência: De acordo com a Lei os agrotóxicos só podem ser utilizados no país se tiverem um registro em órgão federal competente. Mas, o relatório da Anvisa mostrou a presença de pirimifós-etílico em pepino e triclorform em cenoura, agrotóxicos não registrados no país, em duas amostras, em Minas Gerias e Bahia. Em sua opinião, no Vale há um controle sobre o uso de agrotóxicos?
Paulo Pinto: Sim, no que se refere às fazendas de médio e de grande porte que
exportam seus produtos para a Europa, Estados Unidos e outras regiões. A
tolerância dos mercados externos especificados é quase zero no que concerne aos
resíduos de agrotóxicos nas frutas e hortaliças, sob pena de o exportador e,
ou, produtor exportador perder tudo que foi enviado e ainda pagar para
incinerar a carga, se essa não atender às especificações do mercado comprador.
No que se refere às pequenas propriedades, de um modo geral não há qualquer
controle quanto ao uso de agrotóxicos, pois não há, em muitos casos, quem
recomende ou quem fiscalize seu produto final comercializado nos Mercados dos
Produtores de Juazeiro e de Petrolina. No Mercado do Produtor de Juazeiro,
considerado o quarto maior do país, e no de Petrolina não existem registros de
análises de resíduos de seus produtos horti-fruti-granjeiros, o que é um
tremendo absurdo. Produtos à base inseticida/
nematicida carbamato sistêmico, de alto poder toxicológico e
carcinogênico, dentre outros, que, embora não seja registrado no MAPA para tais
culturas pela alta toxicidade e longo período de carência entre a sua aplicação
e a colheita de frutos, são aplicados nos cultivos de melão, melancia, cebola,
etc., oferecendo risco potencial à saúde das populações do Vale do São
Francisco.
MultiCiência: Em relação aos
agrotóxicos proibidos, porque ainda são utilizados, deve-se a relação custo
beneficio, serem mais baratos ou eficientes? E quais os prejuízos do uso para a
saúde humana e meio ambiente?
Paulo Pinto: O
governo federal concede redução de 60% da alíquota de cobrança do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a todos os agrotóxicos. A última
prorrogação do Convênio estendeu o benefício até 31 de dezembro deste ano. Além
disso, o Decreto 6.006/062 isenta completamente da cobrança do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI), os agrotóxicos fabricados a partir de uma
lista de dezenas de ingredientes ativos, incluindo alguns altamente perigosos
como o metamidofós e o endossulfam, que recentemente tiveram o banimento
determinado pela Anvisa. Na realidade, apesar de todos os incentivos, o
agrotóxico não é barato. É disponível e arrasa em curto prazo as pragas e
doenças, muitas vezes de modo avassalador, matando os agentes tornados pragas e
doenças e seus inimigos naturais, além de poluir a terra, o ar, as fontes de
água, os alimentos e trazendo enfermidades ao ser humano.
MultiCiência: Quanto aos
agrotóxicos já autorizados, realmente são eficazes para estes alimentos?
Paulo Pinto: Geralmente sim, mas, como são produtos xenobiontes, estranhos à vida,
frutos das últimas guerras mundiais adaptados à agricultura, não são as
melhores alternativas à agricultura. Existem outras formas de se
produzir alimentos de forma segura, sustentável, sem uso de agrotóxicos. Assim,
o nosso país em 2006 já dispunha de 800 mil hectares e 15 mil produtores com
agricultura orgânica, sem veneno. No mundo são mais de 35 milhões de hectares
com orgânicos, sendo uma prova de que é possível produzir de forma sustentável,
comprometida com a preservação da vida no planeta.
MultiCiência: De acordo com
o relatório da Anvisa, as amostras insatisfatórias
com níveis de agrotóxicos acima do
Limite Máximo de Resíduos evidenciam sua utilização em desacordo com as
determinações presentes nos rótulos e bulas: maior número de aplicações, quantidades excessivas de agrotóxicos aplicados
por hectare, por ciclo ou safra da cultura, e não cumprimento do intervalo de
segurança. Como
fiscalizar o uso? A quem compete? Como levar essas discussões à sociedade?
Paulo Pinto:
Primeiramente, cada cidadão deve ser um fiscal. Conscientizar-se disso, até
porque sua vida está envolvida. Todos nós estamos envolvidos. Além disso, a Lei
7.802, de 11 de julho de 1989, estabelece no seu Art. 9º, inciso IV, que é competência
da União “controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação” e, no
seu Art. 10º que o Distrito Federal tem a competência de fiscalizar o uso, o
consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno” dos agrotóxicos.
Outros segmentos, como o Estado e o Município também têm competência
estabelecida pela mesma Lei 7.802, de 11 de julho de 1989 nos Artigos 10º e 11º
no que respeita à FISCALIZAÇÃO DO USO de agrotóxicos. A discussão do assunto
deve ocorrer em todos os níveis e espaços, desde as escolas, empresas
agropecuárias, Câmaras de vereadores, Assembléias legislativas e Congresso
nacional, em toda Mídia.
MultiCiência: Quais benefícios trarão para a agricultura brasileira a utilização de produtos como feromônios, fungos, bactérias e insetos destinados ao controle biológico de pragas?
Paulo Pinto: Esses produtos podem proteger às futuras gerações, com melhor conservação do solo contra erosão, proteção à qualidade da água e alimentos sem resíduos de agrotóxicos. Com isso, melhora a saúde dos agricultores e teremos alimentos com sabor natural e com melhor estado nutricional.
Por: Karine Nascimento (texto)
Lorena Santiago (foto)
Matéria publicada no Jornal Gazzeta do São Francisco, quarta-feira na edição 2.226.
Na Agência de Notícias Ciência e Cultura
No site da UNEB