Por: Sheila
Feitosa
Foto: Thaise
Rocha
Cada
localidade apresenta uma tradição singular, um saber único que caracteriza a
identidade de um povo. Na cidade de Juazeiro, localizado no sertão baiano, muitas
histórias, lendas, danças, brincadeiras foram conservadas pela tradição oral e
caracterizam o folclore da região. Como uma forma de preservar a memória local,
a professora Maria Franca Pires se encarregou de descrever o que acontecia ao
seu redor, tomando como referência as histórias que se passavam na cabeça do
povo. Qual juazeirense nunca ouviu falar do “samba de velho”, dos “congos”, a
lenda da “mulher de sete metros” ou do “nego d’água”? Essas tradições populares
ainda permanecem vivas nas lembranças de muitas pessoas.
Com o olhar
direcionado para a cultura popular, Maria Franca Pires guardou durante sua vida
um importante acervo que reúne um vasto material sobre tradições populares,
educação, política regional, distribuídos em livros, recortes de jornais,
fotografias, cartazes, materiais de propaganda, cadernos manuscritos e
registros radiofônicos. O acervo faz parte da pesquisa o Arquivo da
Professora Maria Franca Pires: Memória e História Cultural em Pesquisa na
Região de Juazeiro, e é coordenado pela professora Odomaria Bandeira. O projeto
se tornou objeto de estudo do Departamento
de Ciências Humanas (DCH III) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Natural de
Remanso –Ba, Maria Franca Pires desempenhou um importante papel na sociedade
juazeirense, atuando cedo em alguns setores como educação e cultura. Em vida, a
professora publicou os livros Juazeiro da
Bahia, Guia Turístico de Juazeiro
e Histórias e Lendas do São Francisco.
Já a obra Você acredita em assombração?
foi uma publicação póstuma lançada pelo artista plástico Paulo Marcos, o Parlim.
Marcados
pela oralidade, os registros feitos por Maria Franca Pires, segundo a
professora Odomaria Bandeira, eram baseados nas lembranças e vivências com as pesquisas
sobre cultura popular na região, a exemplo das festas que aconteciam na rua, os
detalhes das roupas dos participantes, o modo como as pessoas curavam as
doenças, o tipo de embarcação que elas utilizavam para fazer a travessia, as
histórias de assombrações que eram contadas.
Para a
professora Odomaria, Maria Franca Pires pode ser considerada uma folclorista
porque a grande preocupação dela era catalogar a cultura
popular da região “Maria não tinha o interesse de entender o que se passava na
cabeça do chefão, do doutor ou do teórico. A referência dela era outra. Era o
que o povo fazia. Se você pegar os cadernos dela, verá que ela escreve o que as
pessoas falam. Utiliza o gravador para gravar músicas que as pessoas cantavam e
uma ou outra conversa. Ela anotava o desenrolar da pesquisa mesmo. Seu trabalho
não tinha a intenção de analisar ou explicar alguma coisa e sim documentar”, explica
a professora.
Odomaria
também afirma que o trabalho realizado no projeto é feito por meio do
inventário de fontes, a partir dos materiais existentes no arquivo. Segundo
ela, a partir de cada material que é documentado, são definidos outros subprojetos
de pesquisa que resultam em alguns produtos. O mais recente, é a animação
infantil, Contando Janeiro, produzida o ano passado, por Moésio Belfort e colaboradores da
pesquisa.
A narrativa conta, de
forma detalhada a história dos reis de bois, muito presente nas anotações de
Maria Franca Pires. “Nosso objetivo com essa animação era dar mais visibilidade
ao trabalho de pesquisa com esse acervo que ela deixou pra gente. Contamos uma
história dos reis de boi à luz da pesquisa dela, mostrando ao mesmo tempo o
trabalho que Maria Franca Pires realizou, seus limites e as limitações da
equipe em relação ao próprio desenvolvimento da pesquisa de reis de boi”,
afirma a professora
O Acervo da professora
Maria Franca Pires fica localizado na UNEB Campus III, Avenida Edgard
Chastinet, s/n bairro São Geraldo.
Além das lendas relacionadas
ao Rio São Francisco, a cidade de Juazeiro também possui lendas urbanas que
foram registrados nos cadernos da professora Maria Franca Pires, e que estão
disponíveis no livro Você acredita em
assombração? Essas histórias arrepiaram muitos jovens juazeirenses que
passava à meia noite, “nos pontos preferidos pelos fantasmas”.
*Mulher
de sete metros
Conta-se que a Praça da Misericórdia era
um lugar mal assombrado, porque lá era
considerado o ponto de encontro dos fantasmas, em especial, a
"Mulher de sete metros”. Ela aparecia, com uma enorme veste
branca, e passeava tranquilamente pela praça. Ninguém nunca conseguiu ver o seu
rosto, mas o seu vulto, assustou muitas pessoas.
Certo dia, um jovem que morava na Rua Pimentel (hoje
Rua Francisco Martins Duarte) vinha de uma festa que acontecia no bairro Atrás
da Banca. Ao chegar à Praça da Misericórdia, seus cabelos arrepiaram-se por que
ele viu passeando pelo jardim a temida mulher de sete metros. O rapaz estava com muito medo. Ele correu
tanto que ao chegar em casa, acabou desmaiando nos braços da mãe.
*Barriga
acorrentada
Você já imaginou ver uma barriga enrolada com
correntes de ferro,subindo sozinha uma rampa? Em Juazeiro, vivia um homem muito
esquisito que era apelidado de Diabo. Ele costumava recitar, com uma voz bem
grossa e medonha, todos os dias os seguintes versos: “Arrastei grossas
correntes pelas ruas da cidade. Não senti tamanho peso, como a tua falsidade”
O Diabo morava
na beira do rio, e lá guardava uma barriga e correntes bem grossas de ferro.
Todas as noites de quinta para sexta-feira, a assombração aparecia e no dia
seguinte, ficavam os comentários das pessoas que tinham visto uma barriga
enrolada em correntes de ferro. Certa vez, um homem bem forte deu de cara com a
barriga e os dois começaram a lutar. O homem acabou desvendando a históriado
pobre Diabo. Acredita-se que o Diabo ainda continua solitário na beira do rio,
mas livre do encantamento que o transformava em uma barriga acorrentada.