Educadores discutem impactos da reforma do ensino médio

Multiciência 07 abril 2017
A reforma do ensino médio tem motivado discussão entre educadores, pais e alunos da rede de ensino. A Medida Provisória 746/2006, apresentada no dia 22 de setembro do ano passado, estabelece alterações na estrutura do ensino médio, amplia a carga horária mínima para 1.400 horas e restringe a obrigatoriedade do ensino de artes e da educação física à educação infantil e fundamental, além de tornar optativo o conteúdo de disciplinas como sociologia e filosofia.

No dia 16 de fevereiro deste ano, o presidente Michel Temer sancionou a medida, que tem força de lei desde a publicação no Diário Oficial. A secretária executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães, afirma que a discussão sobre a reforma do ensino médio já ocorre há 40 anos e pretende resolver problemas como indisciplina e evasão escolar nas escolas públicas.

Porém, para pesquisadores da área de educação das cidades de Juazeiro e Petrolina a solução encontrada pelo governo foi equivocada, já que, em quatro meses, o governo “resolveu” o assunto, sem consultar professores, especialistas, pais ou alunos. A aplicação do novo modelo depende da definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),  a ser implantada no próximo ano.

Para o Doutor em Educação e professor de pedagogia da UNEB, Josemar Martins, a reforma foi apresentada em um momento político conturbado que acabou impossibilitando a recepção, interpretação e o debate sobre o que realmente estava para acontecer. “A forma como o texto foi apresentado, dentro de um governo ilegítimo, de uma situação de golpe, em forma de medida provisória fez com que a reforma fosse confundida com várias outras coisas, como mudanças na Lei de Diretrizes de Base (LDB). O próprio texto da reforma não está explicitando um conjunto de coisas,” afirma o professor Pinzoh, como é mais conhecido.

Com as mudanças, apenas português, matemática e inglês, que passa a ser oficialmente o segundo idioma ensinado nas escolas, serão obrigatórios. Hoje, são 13 disciplinas obrigatórias. Artes, educação física, sociologia e filosofia serão componentes optativos. Para completar a grade curricular, os alunos escolherão entre os cinco eixo propostos, de acordo com suas aptidões, como: Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática e Formação Técnico e Profissional. Fica a critério do colégio definir o eixo a ser ofertado.

Professor Josemar Martins (Pinzoh)
Técnica x Humanista

A questão que está em jogo é em relação a formação técnica e a humanista a ser oferecida aos alunos e em quais condições. Segundo Pinzoh, esse debate a respeito de formação mais empírica é antigo, mas a problemática atual é o questionamento a respeito de uma espécie de enxugamento no padrão de formação do estudante e a reiteração de status quo, com a manutenção de diferenças sociais na oferta do ensino. “Os filhos dos trabalhadores receberão uma educação mais rápida e serão direcionados enquanto mão de obra para o mercado de trabalho. Já os filhos das classes mais abastadas receberão um ensino mais aberto, hermenêutico, para que possam pleitear a universidade, mantendo, assim, a elite dirigente dos intelectuais, formadores de opinião e pessoas que possuem postos mais significativos na estrutura da economia brasileira,” afirma.

Para Fábio Guimarães Campos, professor de sociologia do Centro de Educação Profissional do Sertão do São Francisco (CETEP) em Juazeiro a reforma tem lados negativos e positivos, porém utópicos. O professor afirma que é muito difícil para um jovem de 14, 15 anos, idade média de entrada no ensino médio, decidir qual área quer estudar e atuar futuramente, mesmo porque ele ainda não teve experiências com todas as áreas para ser capaz de decidir com qual tem aptidão. “Poder escolher, na teoria, é uma coisa boa, porém um jovem não está preparado. A escolha do vestibular já é prematura, e pior agora, em que se tem que escolher ainda mais cedo,” afirma Fábio.

Para o professor, a priorização dos cinco eixos pode criar distorções entre escolas. A depender da infraestrutura da escola do bairro, o aluno pode não ter o eixo que ele queira cursar. Por uma questão de segurança ou recursos financeiros, ele pode não ir para um outro colégio, então o estudante acaba sendo forçado a cursar algo que não gosta. Além disso, a reforma vai diminuir o conhecimento de mundo do aluno, pois vai direcionar o olhar dele apenas para o mercado profissional, dificultando a perspectiva de construção de um sujeito integral que tem múltiplas potencialidades e possibilidades, com uma vida pessoal além do trabalho.

A previsão é que a reforma traga um ensino técnico e tecnológico, em que o aluno possa dominar a tecnologia e o conhecimento amplo da sociedade. Mas isso não acontece, nem mesmo nos Institutos Federais (IFs). O espaço de diálogo e abrangência de conhecimento ultimamente está limitado às universidades, mas, com a reforma, as universidades estarão menos acessíveis, e consequentemente, esse espaço de discussão do mundo também.

“Acredito que a reforma acabe enfraquecendo esse ensino propedêutico, mais do que já está. A reforma vai formar pessoas que só pensarão em trabalho, mas que não terão conhecimento tecnológico. Então, vai acabar distanciando as classes populares das classes mais abastadas. Com a reforma, a universidade vai formar os engenheiros de cada área. Já as escolas técnicas os trabalhadores braçais,” declara o professor.

Professor Fábio Guimarães Campos
A tentativa de retirar disciplinas estratégicas lembra o que aconteceu durante a ditadura militar, quando componentes como história, filosofia e sociologia foram substituídas por educação moral e cívica, disciplina pensada para sustentar os valores da ditadura. “Esse governo acaba sendo uma expressão do passado. A retirada dessas disciplinas é estratégica porque discutir artes é fundamental para um conhecimento abstrato das relações com o próximo e com o mundo. A atividade física aprimora o cérebro pra poder abstrair, entender, assimilar mais fácil o conteúdo teórico, e além disso você tem filosofia e sociologia que ajudam a pensar os problemas da sociedade como um todo, analisando-os e criticando-os”, afirma Fábio.

Além dos impactos no conteúdo a ser ensinado em sala de aula, os professores reafirmam a existência de um cenário desfavorável para a área da educação, com o aumento da carga horária dos professores, desvalorização ainda maior dos cursos de formação e licenciaturas e um cenário de desvalorização dos docentes, pois poderá ser implantada a reforma da previdência, com o fim da aposentadoria específica para os professores (25 anos para mulheres, 30 anos para homens).

Para discutir essas temáticas, a Agência MultiCiência vai publicar reportagens sobre os impactos da reforma no cotidiano escolar, como a formação dos professores, propostas pedagógicas e a exclusão de expressões como "identidade de gênero"e "orientação sexual" que foram retirados do texto da Base Nacional Comum Curricular.

Entenda o que muda com a reforma do ensino médio





Texto de Mônica Odilia, estudante de Jornalismo em Multimeios