A Comunicação deve refletir sobre as Desigualdades de Gênero

Multiciência 08 agosto 2018


Estimular pesquisas com a temática de gênero nas universidades é o desafio que deve envolver alunos, pesquisadores e professores da área da comunicação. Esta foi a principal contribuição do XX Congresso Regional das Ciências da Comunicação – Intercom Nordeste 2018, realizado no Departamento de Ciências Humanas, campus III, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), nos dias 5 a 7 de Julho. O Congresso reuniu mais de 1 mil participantes de todo o Nordeste.


A discussão sobre gênero foi iniciada na Conferência de Abertura pela pesquisadora e professora da Universidade Federal da Bahia, Maira Kubik Mano, que enfatizou a importância da temática discutida no evento para estimular pesquisas na área e produzir dados e, assim, proporcionar um enfrentamento das desigualdades relacionadas à questão de gênero. “Seria fundamental que o Estado pudesse fazer um mapeamento desses problemas para que a gente pudesse pensar em políticas públicas para enfrentá-los”, ressaltou.

Pesquisadores também refletiram sobre a temática nos grupos de discussão, na apresentação de trabalhos durante a Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação – Expocom e na mesa redonda “Os Estudos em Comunicação e a (Des) Construção de Desigualdades de Gêneros, com a participação de pesquisadores e militantes do movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e outros gêneros (LGBT+). Para a transexual e estudante de Pedagogia, Maria Clara Araújo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as várias lutas e reivindicações traçadas durante anos pela comunidade LGBT+ e as mulheres permitiram conquistas sociais, como direito ao voto feminino na primeira metade do século XX ao direito fundamental à identidade de gênero como a mudança de sexo no registro civil sem a necessidade da pessoa fazer a cirurgia ou autorização judicial, como regulamentou o Supremo Tribunal Federal (STF) em março deste ano.


“Apesar dos vários avanços, muito ainda deve ser feito para desconstruir estereótipos na sociedade pelos meios de comunicação de massa, que influenciam a sociedade e têm o dever de pensar em alternativas que viabilizem e representem causas sociais”, declara Maria Clara Araújo. Ela ressaltou ainda que a defesa dos direitos humanos para transexuais, travestis e outros gêneros não existem sem que haja o combate às desigualdades e ao racismo. “É preciso discutir que o racismo é estrutural e estruturante, e não vai ser a ‘branquitude’ que vai defender os direitos de travestis, por exemplo”.

As mídias também têm o dever de esclarecer e mobilizar a sociedade para discutir os direitos da comunidade LGBT+ para trazer experiências e mostrar que as pessoas de diversos gêneros podem concluir o ensino superior, encontrar alternativas de renda e não recorrer ao trabalho sexual como meio de sobrevivência. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Educação e Estatística (IBGE), apenas 2% das travestis estão nesses espaços universitários. A desigualdade também é presente no universo feminino. Mulheres ocupam apenas 37% dos cargos de hierarquia e poder.

Para a jornalista e advogada, Lícia Loltran, autora da obra “Família Homoafetivas: a insistência em ser feliz”, a mulher deve lutar para conquistar seus direitos e quando se discute gênero é necessário incluir questões relacionadas à mulher negra, travestis e a intersexualidade. “No livro, quis visualizar algum tema relacionado a causa LGBT. Como mulher lésbica, já vinha lutando e quis me aprofundar sobre formar uma família e como vivem essas famílias. Às vezes, muitas de nós passamos por muitas lutas quando ousamos exercer nosso direito de constituir uma família”.

Para a pesquisadora e professora da Universidade do Estado da Bahia, Carla Paiva, no momento atual é imprescindível repensar a forma de fazer ciência na comunicação. “É preciso utilizar o gênero como uma estratégia metodológica de análise para desconstruir estereótipos. Quantos de vocês conhecem uma banca que aprovariam um tema sobre gênero? Na defesa do meu doutoramento sobre a representação das mulheres no cinema brasileiro, fui acusada de apresentar uma tese militante. Tive que lembrar aos meus colegas que a academia é um espaço político e que os estudos feministas revolucionaram a crítica cinematográfica, desde os anos 1960. Acredito que o Intercom não vai mais permitir que os estudos de comunicação tangenciem as discursões sobre desigualdades de gêneros. E é necessário incluir disciplinas nos currículos que abram caminhos para que a juventude reconheça valores nas diferenças existentes na identidade, raça e questões sociais”.

Durante a mesa redonda, foi ainda ressaltado que a conceituação de papéis de gênero e LGBT+ faz referência há um conjunto de expectativas sobre as condutas ajustadas e nitidamente distintas que a pessoa deverá manifestar, conforme a sua identidade de gênero, a qual deve ser vista como uma construção social, e não algo biológico ou determinado por pensamento ideológico ou religioso.

Expocom - Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação.



Os estudantes também percebem da temática como algo importante a ser discutido, para Jayanne uma das vencedoras do Intercom Nordeste 2018, apresentar produtos que tratem e viabilizem o gênero é algo importante “Apesar de estarmos abordando uma situação comum na maioria das cidades brasileiras, aqui na região tem uma especificidade, pois o número de mulheres no exercício da prostituição teve um grande aumento no contexto da construção da barragem de Sobradinho, quando centenas de famílias foram desalojadas e mulheres se deslocam para Juazeiro e acabaram se prostituindo. Então, é uma oportunidade de mostrar a realidade da nossa região para comunicadores de todo o país. Nesse sentido produzimos uma rádio reportagem que tenta promover o debater com mulheres que sempre viveram a margem da sociedade, para descolonizar o nosso olhar estereotipado, além de apresenta-las como sujeitos ativos para relatar sua própria história, concluí”.

Repórteres:Moisés Cavalcante/Patrícia Rodrigues