Há 106 anos o ator, diretor, produtor, roteirista, montador,
compositor, diretor de fotografia e regente de orquestra, Charles Chaplin,
criou um andarilho pobre, cheio de manias e dono de um bigodinho que marcou a
história do cinema. Chapéu-coco,
bengala, calças largas, casaco apertado, sapatos rotos e enormes, Carlitos era
um doce vagabundo, um cavalheiro solitário, poeta e sonhador que fazia dos
próprios passos dança contra o poder e a tirania. Da sua primeira aparição, no
filme ‘Corrida de Automóveis para Meninos’, de apenas 11 minutos, lançado no
dia 7 de fevereiro de 1914, até os dias de hoje, este personagem encantou o
mundo sem dizer uma só palavra. O eco das suas composições e os gestos mínimos
e mágicos foram dando asas à imaginação e povoando as brincadeiras de criança e
de muita gente adulta também, principalmente em tempos de Carnaval, quando os
papeis sociais são invertidos, a hipocrisia escancarada e o poder questionado.
Eribaldo Bezzerra. Foto: Chico Egídio |
Já passava dos 20 e poucos anos quando o comerciante
aposentado Eribaldo Bezerra saiu pela primeira vez na década de 1960, animando
bailes e sacudindo às ruas de Petrolina. Vestido de palhaço e arrastando
foliões por onde passava, este pedaço histórico e pulsante do Carnaval
pernambucano era a própria caracterização dos festejos pagãos, que antes
serviam para celebrar grandes colheitas e louvar divindades.
A brincadeira começou bem antes, em Caruaru, sua terra natal,
quando depois de pular com um penico furado na cabeça “dizendo que era quepe de
polícia” o ainda adolescente folião pegou um paletó emprestado, uma vara de
bambu e misturando óleo com carvão incorporou pela primeira vez o Carlitos.
Com muito frevo no pé e disposição para o ‘Tríduo Momesco’,
Eribaldo inventou blocos, foi passista, mascarado e casado com Maria das
Mêrces, viveu um Carlitos por demais apaixonado. Qual o personagem original,
que com dois garfos espeta dois pãezinhos e os transforma em pés dançarinos, o
nosso Carlitos do sertão encanta à ‘Terra dos Impossíveis’ dançando por dançar,
brincando por brincar como se a 21 de Setembro fosse o coreto ali na frente e o
Iate Clube não passasse da 1º de Maio, ali de Trás da Banca. Agora, quando a
cidade o homenageia, neste Carnaval 2020, Eribaldo com o fôlego renovado veste
de novo a indumentária e em nome do passo, da batucada, do corso e da alegoria,
abre as comportas para as colombinas, pierrôs e arlequins, purpurinas e Piratas
Reis do Samba. E, antes das restrições impostas pela quaresma, a criança que há
em nós agradece.
Por Carlos Laerte, poeta, jornalista e diretor da Clas Comunicação e Marketing
Foto: Chico Egídio