Você já ouviu essa frase
"cuidado homem, é mera coincidência"? Conhece os meandros de um Big
Brother? E confinamento, alguma relação com os tempos que vivemos neste 2020?
Se voltarmos ao ano de 1984 do século 20, o que teríamos o ano em que os brasileiros
tomaram as ruas para exigir o fim do regime militar e a volta das eleições
diretas para presidente, cuja campanha Diretas-Já seria derrotada no
Congresso Nacional. Provavelmente seria uma discussão sem tempo para terminar e
talvez não chegaríamos a lugar algum. Do confinamento da casa do BBB ao
assustador isolamento por conta da covid 19, muito embate sem ponto final.
Em meio a tantos episódios,
trataremos neste texto do livro "1984", de George Orwell, uma
das obras mais influentes da literatura mundial, um clássico mais que
contemporâneo, publicado em 1949, quando o ano de 1984 pertencia a um
futuro relativamente distante. Só que esse futuro chegou rápido e como um cometa,
atravessou um novo século, o 21, portanto a narrativa de Eric Arthur Blair, o
George Well, autor nascido na Índia está bem atual diante dos tempos
tenebrosos em que os mortais do planeta vêm atravessando.
Há três anos, o clássico voltou
a ser o livro mais vendido nos EUA, em razão de um homem chamado Donald
Trump. O escritor, de narrativa afiada como um lâmina quente para todas
as direções, foi jornalista, crítico e romancista que também filtrou a
sociedade em outro livro de sucesso, a Revolução dos Bichos. Lançado um pouco após a Segunda Guerra Mundial, “1984” se tornou
a obra mais icônica referente a personificação do poder absoluto. À época, o
cenário carregava a forte lembrança de toda a guerra, do poder nuclear com a
bomba atômica e da força dos governos autoritários.
Winston Smith é o principal
personagem da obra que trabalha no Ministério da Verdade e sua função é editar
reportagens de jornais antigos alterando os fatos para que o passado esteja de
acordo com as diretrizes desse governo. Júlia: uma secreta rebelde, colega de
trabalho de Winston, mas que detestava o governo comandada pelo Big Brother.
Jovem por quem Winston se apaixona.
Big Brother, autocrata da
Oceania, pode ser considerado uma representação simbólica do partido que
comandava o governo, sendo que é uma figura que nunca foi vista por ninguém. A
imagem dele se encontra em toda parte, especialmente em cartazes onipresentes com
os dizerem: “Big Brother is Watching you” (O Grande irmão está te vigiando).
Filtrando os horizontes da
narrativa, o livro se passa no futurístico ano de 1984, e se trata da história do solitário
Winston, funcionário do Ministério da Verdade, em Londres, pertencente à
Oceania. A Oceania, Eurásia e a Lestásia são as três potências remanescente da
nova divisão que viviam em conflitos entre si. A Oceania é uma sociedade
governada por um único partido (Ingsoc), um governo totalitário e repressivo
que controla todos os aspectos da vida de seus cidadãos, comando representado
pelo Grande Irmão (O Big Brother).
Sobre o Partido Dominante, a
sociedade de Oceania é dividida em três classes: a maioria representada pelos
membros do núcleo do Partido, era a classe privilegiada; a classe média,
membros externos do Partido; e os proletas, os que constituem o restante da
população que suportam altíssimas cargas de trabalho e sofrem as maiores
desvantagens sociais.
O Partido é liderado pelo “Big
Brother”, um líder ditador. O Grande Irmão, apesar de nunca ter sido visto
pessoalmente, controla e vê tudo e todos. Todo controle é feito por meio das
“teletelas” que tinham em todas as casas e microfones escondidos nas ruas e
pequenos helicópteros (drones) que filmam dentro das casas.
Não por acaso, o papel da
Polícia do Pensamento era fiscalizar o comportamento dos cidadãos,
repreendê-los e puni-los, caso eles tivessem pensamento próprio e fossem contra
o “Big Brother”. Após algumas atitudes de rebeldia contra o Partido, Júlia e
Winston são desmascarados e presos. Winston é torturado por O’Brien, e com o
tempo ele começa a aceitar o mundo autoritário do governo.Agora, o paralelo entre os EUA de Trump e a Oceania idealizada por Orwell não é centrado no totalitarismo, pois não se discute que o presidente, digamos, destrambelhado e inconsequente, foi eleito democraticamente e se tornou um líder legítimo. Eis que que a coincidência consiste no modus operandi, na forma como Trump e seus aliados vêem o mundo, tratam divergência e encaram o que é verdade. Nesse caso, faz-se oportuno lembrar que houve polêmica sobre a quantidade de pessoas na posse de Trump, comparada com a de Barack Obama, três vezes mais concorrida.
Noutras palavras, o termo "pós-verdade", tornou-se acessível em 2016 e se tornou tão conhecido exatamente por conta da última campanha eleitoral americana. Para o professor de Ciência Política da UNB, Pablo Holmes, em entrevista para o Jornal do Commercio no ano da vitória de Trump, "cada vez mais se projeta formas de ressonância de informação completamente desarticuladas, sem qualquer controle crítico por parte de visões alternativas e contrapropostas. As pessoas podem ouvir somente o que querem".
Voltando ao contexto plural de “1984”, é um livro que traz questionamentos que perduram até os tempos atuais, como a vigilância 24 horas por meio das câmeras existente no mundo. Até que ponto essa vigilância é benéfica para as pessoas? Como ficamos diante da liberdade quando as pessoas estão sendo vigiadas e controladas por câmeras 24 horas?
As “teletelas” descritas em “1984” são como as câmeras de segurança, dos celulares, tablets e computadores que também são capazes de captar e transmitir imagens. Não há como não se questionar incansavelmente o mundo da tecnologia que tem contribuído amplamente para o controle dos cidadãos e assim, a perda da privacidade.
Alguma semelhança com o programa Big Brother da Rede Globo? Alguma observação a respeito da última campanha eleitoral brasileira respaldada com milhares de fakes-news. E alguma lembrança com 1964 quando os direitos democráticos foram triturados por um golpe militar? Enfim, em que aspectos a vitória de Jair Bolsonaro, a facada e os fatos atuais da política brasileira podem ser comparados a certas passagens de 1984? A diferença está na folha do calendário, 2020. E agora para onde vamos em 2024, 2034, 2044, 2054...?
Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutorando em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.
Arte Gráfica: Gabriela Yane, estudante de Jornalismo