Uma Experiência de Aprendizagem com Manuca Almeida

Multiciência 20 maio 2020

O encontro com um grande poeta e sua poesia deixa qualquer sujeito entumecido, mas quando esse encontro se faz na ausência, muito tardiamente, isso se projeta de outra forma, que só podem ser ditas pela semântica das palavras. Eu vivi essa experiência com a poesia de Manuca Almeida, que foi sempre inteiro, até quando esteve pela metade. Neste caso, eu é que sempre estive pela metade. No momento em que participei dessa evocação de aprendizagem, a minha visão do mundo mudou para sempre. Tudo em que eu acreditava se desmoronou para se reconfigurar por causa das revelações que senti, e fiquei determinado a escrever sobre aquela noite iluminada de palavras, sons e músicas... E, finalmente pretendi organizar as minhas ideias para documentar e testemunhar o meu reconhecimento público da importância da poética daquele que certa vez deixou gravado no coração da aldeia ribeirinha que “Tudo que você guardar/ Pertence ao tempo que tudo transformará...”.
Memorial Manuca Almeida. Foto: Wellington Martins
Pois bem, outro dia fui ao Quintal do Poeta ver o lançamento do catálogo 2020 da CLAS Comunicações. No ensejo, fui tomado pelo encanto das palavras. Foi um evento simples, mas carregado de poesia; justamente a poesia que eu, na minha ignorância, fazia questão de não dar aceno nem me ater com mais apreço e percepção,quase sempre tomado pela polarização daquilo que se concebe como bom ou ruim, e que nunca quis compreender de forma generosa e grandiosa. O evento marcava a presença na ausência do artista em questão, no qual o catálogo homenageava com versos traduzidos por fotografias que ilustravam seus poemas.
Naquele momento, e, pela primeira vez, tive um contato mais direto com o olhar simples da poética deste cidadão sanfranciscano. Logo eu que sempre quis me distanciar das palavras e das suas performances, ora por preconceito, ora porque como acadêmico fui me acostumando com essa ideia nefasta de querer encontrar sempre o pleno, o formidável, o maior, o belo, o grande. No entanto, o que encontrei naquele evento e naquela noiteforam o poeta e sua poesia consolidada, e, hoje, me arrependo por ter ficado tanto tempo imune a grandeza de sua esperdice; isto porque de fato, Manuca Almeida foi um sujeito que soube viver e viver bem!
Memorial Manuca Almeida. Foto: Wellington Martins
Mesmo que muitos o tenham classificado como um escritor menor, e, neste extrato eu me localizo, naquela noite e diante das palavras do também escritor Carlos Laerte pode-se perceber o quanto Manuca era organizado, complexo e profundo. Foi uma sensação tão grandiosa que me convenci que nada, nem ninguém, são maior ou menor, nem quando escrevem, nem quando pintam um quadro ou quando fazem algum tipo de invento para deixar para a posteridade. Ali, no meu canto, e, em profundo silêncio, me atrevi a dizer estas palavras para mim mesmo: “Se fui um poeta de talento, nunca soube de alguém que tenha percebido, mas carrego na alma a sina do meu próprio abandono”. Na verdade, eu estava tentando falar o que eu estava sentindo naquele momento. E como me senti pequeno, mas também me sentia reconfortado com o que eu ia ouvindo nas falas e nas declamações, nas explicações e nas exposições das canções.
Memorial Manuca Almeida. Foto: Wellington Martins
Foi um misto de encantamento, posto que nunca me aproximei do poeta Manuca Almeida por acreditar ver nele algo que para mim não era tão grandioso nem devidamente importante para se levar em consideração quando da feitura da poesia. Tenho que confessar que saí do evento com a alma cheia de novas esperanças, porque mais uma vez, e depois de tantas relutâncias, me convenci que nada é maior do que a intuição e a vivência no fazer poético, e Manuca fez de sua poesia a sua vida. Até quando pensava que seus trejeitos e sua teatralidade eram pura intrujice, meus preconceitos ultrapassavam aquilo que de fato temos que procurar encontrar num sujeito: a simplicidade.
Memorial Manuca Almeida. Foto: Wellington Martins
Eu fui, naquela noite, ao encontro de mim mesmo e na verdade, encontrei o que não estava procurando, mas acredito que de fato encontrei algo que sempre me foi muito caro, pois eu encontrei nas palavras proclamadas o poeta que eu nunca quis conhecer; talvez por se achar grande em demasia, ou simplesmente por não querer sair do lugar confortável de pretender reter para si uma poesia pura, perfeita, irretocável, eloquente e singular.
Portanto, estou dividindo com os muitos leitores destes portais tudo aquilo que senti e vivi naquela magnífica noite em que o poeta Manuca Almeida estava sendo homenageado, ao perceber, depois de tantas intransigências vazias, a necessidade de bradar ao tempo a real importância daquele que me fez descobrir ser importante querer buscar uma justa reconciliação com o mundo...


Por Gênesis Naum de Faris, poeta, escritor, artista plástico, pedagogo e professor da Universidade Estadual do Piaui (UESPI)e coordenador do Núcleo de Estudos Foucaultiano.
Gênesis Naum (Autoretrato).