Educação e distanciamento social: O que dizem os pais sobre o ensino remoto?

Multiciência 21 maio 2020



A educação em tempo de COVID-19 nos insere em um contexto de muitas inquietudes e incertezas, e ao que parece, nada mais será como antes (trabalho, família, educação e relações). Nos contextos familiares, uma nova rotina foi implementada: muitos pais que não tinham tempo para conviverem com seus filhos, passaram a exercer seu papel em tempo integral; filhos que mantinham suas rotinas com muitas atividades escolares e extra-escolares, viram-se com o tempo ocioso; famílias que perderam seus empregos, agora reajustam as contas; muitos que antes não tinham tempo para conversarem, precisam aprender a lidar com seus conflitos.

Para compreender as demandas desse contexto, propomos reflexões fundamentadas em estudos e escuta dos sujeitos relacionados à educação formal, para construir uma memória sobre a tomada de decisões iniciais, que aos poucos são sistematizadas, quanto aos modos de realização da prática pedagógica, as quais têm demonstrado fragilidades, uma vez que a substituição das aulas presenciais pelo ‘ensino remoto’ não é suficiente, tampouco se configura numa modalidade organizada em EaD (Educação a distância), no favorecimento e garantia da equidade e qualidade da educação.

Os dados a seguir fazem parte de uma pesquisa, pontualmente situada e em andamento, sobre os entendimentos dos sujeitos da educação, organizada em três etapas: (1) pais, (2) alunos, (3) professores e gestores (nesta ordem), a qual é construída paulatinamente a partir de questionamentos dos genitores, ao buscarem respostas sobre a escola, pois passaram a atuar com maior proximidade no acompanhamento e até no ensino das atividades enviadas aos filhos. Nesse sentido, propomos conhecer, a partir dos discursos, as incidências temáticas que aparecem.

No presente texto abordaremos apenas os depoimentos dos pais. Para tanto, foi encaminhada uma pergunta pelas redes sociais, da qual recebemos 20 respostas de municípios diversos dos seguintes estados: Bahia, Sergipe e Pernambuco. Optamos por não expor nomes de cidades, escolas e colaboradores, pois a amostra não é suficiente para conhecer a amplitude territorial, sendo apenas um início de investigação, que acreditamos ser relevante para repensarmos a educação neste momento histórico.

A pergunta direcionada foi: Como vocês veem o ensino-aprendizagem da escola do(s)/da(s) seu(s)/sua(s) filho(s), filha(s) no período de distanciamento social?. Foi informado, ainda, que o objetivo é mapear a realidade atual para buscar alternativas construídas de forma coletiva, compartilhada e comunicativa.

No princípio da Pandemia, o entendimento foi de que se tratava de uma ‘questão de tempo e espaço’. Após a confusão inicial sobre o que fazer sem as aulas presenciais, as orientações foram direcionadas para atividades a distância, as quais não estão claras para os sistemas educacionais, que (re)inventam e (re)estruturam a cada dia. Assim, como esses serviços têm chegado às famílias, entre tantas mudanças psíquicas, cognitivas e financeiras que influenciam diretamente no processo educativo das crianças e adolescentes? É possível compreender as diferenças ocorridas na educação formal, entre escolas públicas e privadas, e consequências?

A diferença entre as duas esferas está principalmente nas ações promovidas, pois subtende-se (que tem sido uma constatação) de que os alunos das escolas privadas têm acesso a internet e condições em dar continuidade, mesmo com as limitações, ao oferecimento das atividades e, os da pública, não. Os pais, com algumas exceções, destacam este aspecto, apontando a desigualdade nos modos como ocorrem e nos processos de ensino-aprendizagem.

Quanto a escola pública, recebemos 5 (cinco) respostas, sendo que 3 (três) destas, informam não haver aula. Entretanto, sugerem às secretarias de educação fazer um levantamento para saber das condições de recepção dos alunos no oferecimento de atividades a distância. Um destes afirma:

“[…] não tem como ter um posicionamento quanto ao ensino nesse período, está péssimo, vendo de uma visão ampla, todos os alunos vão sair com uma perda muito grande …, eu indicaria aula online, por meio de aplicativos para que ao menos … tivessem uma rotina educacional nesse período de distância social. Uma equipe da escola/secretaria fazer uma triagem e identificar os alunos que não tem acesso e essa mesma equipe ou até mesmo outra … ir até às escolas e disponibilizar atividades para que os pais … passassem para recolher e levar para seus filhos. Poderia ser atividades semanais ou quinzenais e no final desse período, os pais voltariam a levar as atividades à escola para que fossem corrigidas e levar novo material.” (R2, FII)


Os que estão vivendo a experiência do ensino remoto, destacam que:

“[…] no final das contas não ajuda em nada, muitas vezes eu que tenho que ajudar minha filha …, porque por parte da escola, a mesma não dá nenhuma orientação e as atividades não são corrigidas, estão simplesmente cumprindo o calendário. A interação com a turma ocorre somente pra passar atividades e recolher as fotos da mesma. (R3, FI)


Ou ainda,

Os professores estão sempre enviando as atividades pelo WhatsApp, enviam vídeos com explicações dos conteúdos, e estão se esforçando para atender da melhor maneira possível,… Apesar dos esforços da equipe escolar e do nosso empenho em casa, entendo que são ações emergenciais, porém, não substituem jamais as aulas presenciais...o espaço, o professor orientando … os colegas, tudo isso contribui para a aprendizagem, eles não aprendem em casa da mesma forma que na escola, certamente os prejuízos para a educação estão sendo diminuídos, mas não totalmente. (R4, EI e FI)

Outro depoimento considera o fato de não haver aula “…acertado, pois é grande a dificuldade de acesso à internet de muitos alunos” (R18, EM). Apesar de poucas respostas, é possível compreender que existem municípios que propõem o ensino remoto, mesmo com o limitado acesso dos alunos, como uma decisão que depende de cada escola, cidade ou estado, não havendo um consenso que atenda a maioria.

Diversamente, as escolas privadas têm promovido suas aulas, como empresas escolares ‘em manutenção’ dos serviços, garantia do acordo firmado com a família no cumprimento da educação e, consequentemente, do ônus financeiro, mesmo que não atenda aos critérios de qualidade propostos inicialmente. Recebemos 15 (quinze) depoimentos, em todas sem exceção, continuam o ano letivo.

Como afirmam alguns, os alunos “[…] estão sendo bombardeados de atividades, de vídeo-aulas, conferências e avaliações. Enquanto na escola pública, nada acontece, tudo parado.”  (R21, FI e FII). Ou visto ainda como um “…massacre, são aulas de manhã, primeiro eles ficaram perdidos como todo mundo, depois encontraram uma plataforma … são várias aulas seguidas … passa a manhã toda com o fone no ouvido.” (R19, FII).

Existem diferenças quanto aos depoimentos, dificuldades para alguns em acompanhar, aprendizagem necessária para outros e até desconfiança sobre o que se tem feito. Quanto aos modos de aprender, há um reforço ‘preocupante’ de que a educação escolar está reduzida a conteúdos, pois, são poucas as experiências que promovem formas diversas de interação, apresentando diferenças pontuais entre a Educação Infantil, o Ensino Fundamental I/II e o Ensino Médio. Na Educação Infantil, por exemplo, existem aqueles que optam pela suspensão das atividades, como o relato a seguir: “Meu filho é do grupo 3, assim, as atividades inicialmente propostas pela escola, a partir de encontros on-line não funcionaram, tendo sido esse relato coletivo, entre as mães de crianças dessa faixa. […] Optei por cancelar a escola este ano” (R5, EI).

Quanto a aprendizagem, outra afirma: “Estou muito frustrada, acredito que será muito desafiador para as escolas conseguirem fechar o ano letivo dando todo o conteúdo necessário. Insuficiente e insatisfatório é a minha percepção.” (R6, FI e FII). Outra mãe acrescenta, “Meus filhos desenvolveram desatenção aos estudos, mesmo com rotina flexível, entraram em um processo de ansiedade com relação as atividades oferecidas pela escola, o uso de computador acaba sendo exaustivo, desviando a atenção, não tendo o diálogo direto com o professor, as aulas ficaram cansativas. Comprometendo assim, a interação entre os colegas: “[…] agora virou um monólogo de 20 minutos ministrado pela professora, a interação entre os colegas e outras formas de aprendizagem foram sendo suprimidas.” (R 20, F I e II)

Portanto, os questionamentos são inúmeros, como, enfatizados nos depoimentos, como, por exemplo, se vale à pena a proposta com atividades remotas, quando em família outras proposições poderiam ser realizadas, como afirma uma mãe da educação infantil, ou ainda, de que não podemos nos furtar de apresentar na ‘contra mão’, a disparidade entre o público e o privado, pois, muitos não oferecem nada, principalmente pelas condições de vidas das crianças e adolescentes. Algumas reflexões pontuais:

• As escolas com propostas diferenciadas, são considerados como aquelas dos ‘materiais interessantes’, incluindo contato com os professores através de chat, conversas em pequenos grupos e plataformas diversas, além da comunicação com os pais, como uma das formas de acompanhamento das atividades em casa. Outro aspecto destacado refere-se ao “…respeitar o ritmo da criança”, num processo considerado “…delicado, bem sensível, nada conteudista” (R19, FI). Pois, como enfatiza uma mãe da EI, "vejo que é importante para a minha filha ver os professores […] é algo que está sendo positivo para a manutenção do vínculo”. (R11, EI)

• Há também a crítica de que os estudantes não são autodidatas, ao mesmo tempo que reconhecem o esforço da escola e professores em adequar-se à “nova demanda”. Assim, é importante “estarmos atentos para possíveis momentos de altos e baixos” (R14, EM);

• Em sua maioria, as atividades requerem supervisão, exigindo a presença constate dos pais, como afirma um deles, “O reforço da aprendizagem sou eu que oriento” (R15, FI). Apesar disso, é considerado importante para “manter a normalidade”. (R17, FI);

• Quanto a aprendizagem, uma mãe afirma que o filho “…tem tido dificuldade de se concentrar no momento online, pois acaba fazendo outras coisas (Chat … plataforma) e se distrai. Acho que o ensino fica fragmentado, os professores não tem garantia do aprendizado, em contrapartida também não temos como ter esse acesso mais direto com a escola.” (R16, FI)

• Na diversidade das propostas encontradas, tem ainda aquelas que transferiram o presencial para a tela do computador através da internet, assim ficam com “O horário todo tomado, como se estivesse em uma sala. Tudo em tempo real … Percebo que ele gosta de ver os colegas, mas os espaços para eles conversarem é quase inexistente.” (R17, FI)

• Ou ainda, propostas que vão mudando no processo: “A principio recebíamos roteiros de aulas e vídeos da professora e a cada semana tínhamos que apresentar vídeos em que os alunos falavam sobre algo que estudaram e postar atividades na plataforma adotada pela escola. O momento em que os vídeos eram compartilhados no grupo do WhatsApp era muito prazeroso … Na semana passada as aulas em tempo real foram implantadas.” (R17, FI)

A imagem abaixo foi realizada a partir das palavras que mais se repetem nas respostas, em tamanho maior, as de maior incidência, como: escolas, aulas, vídeos, alunos, tentativas de entendimentos dos ensinos.


Imagem realizada com o Word Cloud

Algumas considerações:

• A prática proposta não pode desconsiderar as condições contextuais na qual opera;

• A diversidade das opiniões expressam ‘as surpresas’ do momento, de compreensão quanto aos desdobramentos, com exceções. Portanto, as ‘novidades’ das ações não têm tempo de adaptação, havendo uma reinvenção dos modos de fazer, um processo em ebulição;

• O aspecto mais enfatizado é a limitada ou ausência comunicação das escolas com os pais, a maioria envia as atividades que esperam ser realizadas, algumas corrigidas em gabarito ou com a presença em vídeo do professor; nesse sentido, as decisões precisam ser mais dialogadas e comunicadas com cuidado, organização e clareza;

• Os processos sócio-educativos e a formação são filtrados pelas telas dos dispositivos, os quais são decorrentes também das escolhas e medidas tomadas em caráter emergencial. Estamos criando uma experiência educacional “filtrada” pela tela;

• É preciso um mínimo de normalidade às rotinas, cuidado e acompanhamento ao processo formativo e das construções do ensino-aprendizagem, que lhes dê sentido e conexão com a realidade em mutação, contribuindo com a saúde e equilíbrio;

• Maior atenção aos percursos propostos, que estão situados entre ausências de relação com a educação escolar ou exageros de transferência das atividades presenciais para as telas dos dispositivos;

• É evidente a distorção entre a oferta de dispositivos e plataformas oferecidos às escolas privadas e as escolas públicas, acentuando a desigualdade.


Algumas sugestões para o acompanhamento dos filhos na Rotina de estudo:

✓ Perceber o ritmo do estudante, o momento mais adequado para o estudo é quando se sente mais disposto;

✓ Dependendo como a escola estrutura a oferta do ensino, não concentrar todos os vídeo-aulas no mesmo horário, deixar espaços para oxigenar o cérebro com outras atividades, incluindo atividades artísticas e livres;

✓ Criar um roteiro de prioridades das atividades escolares, fazendo uma relação junto com ao estudante;

✓ Colocar o roteiro em um local visível para que crie autonomia;

✓ Os pais devem acompanhar o cumprimento das atividades, dialogando com sensibilidade e acolhimento, lembrando que não é fácil para eles administrarem a nova rotina de ensino;

✓ Evitar punições, sempre entrar com diálogo e reciprocidade, entre o que tem que ser feito e o que pode ser feito depois, sem ser irresponsável;

✓ Perguntar sobre o que tem aprendido, buscando contextualizar o ensino com atividades domésticas como: fazer uma receita culinária, criar histórias, ler livros, assistir filmes, tocar um instrumento, pintar, desenhar, enfim, usem a criatividade;

✓ Buscar ter um clima harmônico na família, informando os acontecimentos sem transformar em uma tragédia, as crianças e adolescentes são sensíveis.



Esta primeira etapa da pesquisa, nos detivemos aos depoimentos das mães. Vale destacar que em ambos sistemas (público e privado) salientam a importância de perceber que as informações, assim como, os acessos às atividades remotas estão marcadas pela desigualdade social, algo a ser incluído no processo de investigação. É preciso saber quantos alunos ficaram sem aulas remotas, pois é uma questão de justiça e respeito na necessária busca e reinvidicação de uma educação de qualidade a todos, seja qual sistema for. Portanto, aproveitamos para nos unir às vozes que ecoam pelo Brasil, por uma educação mais igualitária e inclusiva. Assim #ADIA ENEM!!!


Legenda das siglas:
R1, R2 … : Resposta de colaborador
EI : Educação Infantil
EF I: Ensino Fundamental, anos iniciais do 1° ao 5° ano
EF II: Ensino Fundamental, anos finais do 6° ao 9° ano
EM: Ensino Médio

Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia

Adriana Maria Santos de Almeida Campana 
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br. 

Edilane Carvalho Teles:
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com

Fernanda Lima Souza
Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão Educacional e Formação de Gestores, NUGEF. Pós-graduação (Lato Sensu) em Administração e Planejamento de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida RJ (2007), Pós Graduação (Lato Sensu) Gestão Educacional pela Pitágoras e Pós-graduação (Lato Sensu) em Gestão Pública Municipal pela UNEB. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação da Bahia (2004). Arte-educadora, ex-presidente do CMDCA e FUNDEB. Atualmente trabalha na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Itapicuru, professora da Faculdade Dom Luiz- BA e consultora educacional.

ILUSTRAÇÃO: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios