Carta sobre a pandemia do COVID-19

Multiciência 18 junho 2020


Diante da eminência de abertura ‘gradual’ do comércio na maior parte do país, em um momento em que a pandemia parece ser ainda mais letal, paramos para observar em nosso entorno, os modos como adolescentes e jovens lidam com a questão, e o que pudemos constatar é que cada vez mais buscam aproximações e aglomerações com seus pares, como um ‘retorno’ às atividades ‘normais’, se é que podemos assim definir. Desta forma, gostaríamos de refletir junto a vocês, a carta de uma mãe que nos foi enviada, como um compartilhamento da ansiedade e do medo que parecem nos rodear continuamente neste período. O objetivo é um convite e uma reflexão, por isso, direcionamos nosso olhar e preocupação às crianças, adolescentes e jovens que entendem a flexibilização como possibilidade de sair para divertir-se, estar em grupos, aproveitar para matar as saudades de tantos dias longe. Em um momento em que a curva de óbitos supera 45 mil pessoas e ainda demonstra ascendência, consideramos antecipadas tais medidas.



Nesse sentido, a coluna Polifonia, que é movida pelas vozes que estão entre nós, se aproxima de uma mãe que teve uma filha adoecida pelo vírus. Poderia ser um pai, uma tia, um avô, mas importante perceber que compartilhamos suas angústias, assim como a necessária empatia com a dor das mais de 45 mil famílias. A saúde não pode ser massacrada pela economia, uma vez que os números não expressam claramente a dor de ter uma pessoa da família acometida pela doença. Este relato nos traz uma reflexão sobre a cautela e cuidado muito necessários no contexto atual.


Relato


No dia 04 de junho de 2020, minha filha adolescente apresentou febre alta.Fiquei preocupada pois apresentava dor de cabeça, na lombar e garganta. Inicialmente pensei em dengue, mas o quinto dia de febre alta indicava algo mais grave. Liguei para uma médica de confiança e ouvi a palavra que tanto me amedrontava: COVID19, o que me remeteu imediatamente à imagem da morte. Ligo a televisão e mais de 1.300 pessoas morrem por dia no Brasil. Pânico! Meu coração disparou, minha filha de 16 anos pegou Covid19, e agora, o que fazer?

Respirei, me concentrei e soube que teria que cuidar da melhor forma possível, da minha família. Respira! Entrava no quarto sorridente, com máscara, álcool gel e o desejo de tornar leve aquele momento. Conversávamos sobre filmes, histórias engraçadas, livros em andamento, um pouco de cada coisa. Tais momentos não eram esquecidos no dia a dia do cuidar, medicar, alimentar, mas o aumento dos números de infectados e mortos e a proximidade destes casos com a nossa realidade, não permitia que o repouso tão necessário acontecesse e fazia com que um misto de angústia e medo tomassem conta do meu corpo.

Calma, respire! E aos poucos a crise de ansiedade abrandava. Levantava a noite toda para sentir a respiração de minha menina. A família ligava para saber notícias, mas apesar de incertezas, tentava acalmar a todos, menos a mim. Com o tempo, minha menina já atingira o extremo do seu limite emocional e físico; irritada, sem querer tomar os remédios e nem comer, mãos e pés com a sensação de queimadura, enjoo, barriga estufada, diarreia, foram muitas tentativas de acalmá-la. Acabou dormindo...Dorme e renove suas energias!

A paz que eu podia perceber na minha filha dormindo não representava o meu interior aflito, descobrindo os níveis de gravidade da doença pelas informações que chegavam a todo momento na televisão e redes sociais. Pela segunda vez entrei em desespero, fui para o jardim comecei a andar no escuro, respirando, tentando encontrar uma resposta para tudo isso. Respirava e por mais que eu respirasse, meu coração não parava de acelerar, meu corpo tremia, achei que iria desmaiar. Neste instante comecei a abrir e fechar os braços, como se fosse voar, respirava, queria chorar, mas não conseguia, a única coisa que sentia era um aperto no coração. Por que a minha filha? Se ela não saiu de casa? Qual o aprendizado possível?

Fiz um chá, aos poucos fui me acalmando, percebi que tinha que dormir, pois a noite seria longa. Na manhã seguinte estava exausta, ela ainda não tinha acordado. Fui tomar café da manhã. Quem sabe outro chá? Aquele calor entrando no meu corpo me deu uma sensação de acolhimento. Senti que podia chorar, precisava chorar, tive a sensação que não estava sozinha e as lágrimas começaram cair. Meu corpo foi esvaziando. Deixei. Me permiti deixar o som do choro sair, me permiti arrancar aquele nó que estava na garganta, me permiti gritar, me permiti deixar sair todos os sentimentos que estavam contidos dentro de mim durante oito dias, chorar foi um alívio.

Chegara o dia do teste que confirmaria a doença e todos estavam ansiosos pelo resultado. Em cinco minutos saberíamos. Negativo! Alívio? Eu não sabia bem, foi uma mistura de alívio e dúvida. Liguei para a médica e ela com muita segurança pediu para continuar seguindo as orientações anteriores. Pode ser um falso negativo! O filme de terror não havia terminado. Mais uma noite de dúvidas e incertezas. O conflito em mim só aumentava, enquanto a família comemorava, eu observava cada um dos sintomas, meu corpo parecia uma máquina de cuidar, cuidar e cuidar.

As coisas já estavam mais calmas, meus pensamentos mais leves, quando meu filho entra no quarto: - Mãe, estou com falta de ar e enjoo. O chão se abriu novamente e o medo tomou conta de nós dois. Utilizei meus conhecimentos com óleos essenciais para acalmá-lo e fazê-lo dormir.
No décimo dia, minha filha voltou a comer bem, a brincar e ficar sorridente. O exame específico do meu filho, nunca foi realizado, pois moramos no interior, mas ele também está bem. Meu corpo ainda sofre com a tensão. Ainda não temos certeza se eles contraíram o vírus, mas do que temos certeza neste contexto? Uma parte do meu corpo respira aliviado, a outra parte ainda pergunta para eles “você está com dor na garganta, falta de ar, dor no peito, febre, enjoo?E no fundo tenho a sensação de que o filme de terror parece não ter fim.

O relato emocionado desta mãe nos faz pensar nas crianças, adolescentes e jovens que no período de fechamento das escolas e demais instituições formativas, possivelmente não estejam realizando os devidos cuidados recomendados pelos órgãos oficiais de saúde. Por isso, nosso apelo é para os pais, mães e demais responsáveis: não é hora de sair ou confraternizar-se ‘pessoalmente, se as escolas estão fechadas, um motivo sério sanitário e de preservação à vida, estáa impedir sua abertura. Assim, pensemos nesta experiência e nas muitas que ouvimos continuamente, para aprendermos e manter a esperança de que vai passar, mas antes disso, calma, esperem! Concluímos afirmando que nosso objetivo aqui é o de promover a conscientização que precisamos sobre o distanciamento social e a superação deste momento da pandemia.

Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia





Adriana Maria Santos de Almeida Campana


Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.

Edilane Carvalho Teles
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com



Fernanda Lima Souza
Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão Educacional e Formação de Gestores, NUGEF. Pós-graduação (Lato Sensu) em Administração e Planejamento de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida RJ (2007), Pós Graduação (Lato Sensu) Gestão Educacional pela Pitágoras e Pós-graduação (Lato Sensu) em Gestão Pública Municipal pela UNEB. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação da Bahia (2004). Arte-educadora, ex-presidente do CMDCA e FUNDEB. Atualmente trabalha na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Itapicuru, professora da Faculdade Dom Luiz- BA e consultora educacional.


Ilustração: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios