Diante da eminência de abertura ‘gradual’ do comércio na maior parte do país, em um momento em que a pandemia parece ser ainda mais letal, paramos para observar em nosso entorno, os modos como adolescentes e jovens lidam com a questão, e o que pudemos constatar é que cada vez mais buscam aproximações e aglomerações com seus pares, como um ‘retorno’ às atividades ‘normais’, se é que podemos assim definir. Desta forma, gostaríamos de refletir junto a vocês, a carta de uma mãe que nos foi enviada, como um compartilhamento da ansiedade e do medo que parecem nos rodear continuamente neste período. O objetivo é um convite e uma reflexão, por isso, direcionamos nosso olhar e preocupação às crianças, adolescentes e jovens que entendem a flexibilização como possibilidade de sair para divertir-se, estar em grupos, aproveitar para matar as saudades de tantos dias longe. Em um momento em que a curva de óbitos supera 45 mil pessoas e ainda demonstra ascendência, consideramos antecipadas tais medidas.
Nesse sentido, a coluna Polifonia, que é movida pelas vozes que estão entre nós, se aproxima de uma mãe que teve uma filha adoecida pelo vírus. Poderia ser um pai, uma tia, um avô, mas importante perceber que compartilhamos suas
angústias, assim como a necessária empatia com a dor das mais de 45 mil famílias. A saúde não pode ser massacrada pela
economia, uma vez que os números não expressam claramente a dor de ter uma
pessoa da família acometida pela doença. Este relato nos traz uma reflexão
sobre a cautela e cuidado
muito necessários no contexto atual.
Relato
No dia 04 de junho de 2020,
minha filha adolescente apresentou febre alta.Fiquei preocupada pois
apresentava dor de cabeça, na lombar e garganta. Inicialmente pensei em dengue,
mas o quinto dia de febre alta indicava algo mais grave. Liguei para uma médica de confiança e ouvi a
palavra que tanto me amedrontava: COVID19, o que me remeteu imediatamente à imagem da morte. Ligo a
televisão e mais de 1.300 pessoas morrem por dia no Brasil. Pânico! Meu coração disparou, minha filha de 16 anos pegou
Covid19, e agora, o que fazer?
Respirei, me concentrei e
soube que teria que cuidar da melhor forma possível, da minha família. Respira! Entrava no quarto sorridente, com máscara, álcool gel e o desejo de tornar leve aquele
momento. Conversávamos sobre filmes, histórias engraçadas, livros em
andamento, um pouco de cada coisa. Tais momentos não eram esquecidos no dia a
dia do cuidar, medicar, alimentar, mas o aumento dos números de infectados e mortos e a proximidade destes casos
com a nossa realidade, não permitia que o repouso
tão necessário acontecesse e fazia com que um misto de angústia e medo tomassem conta do meu corpo.
Calma, respire! E aos poucos
a crise de ansiedade abrandava. Levantava a noite toda para sentir a respiração
de minha menina. A família ligava para saber notícias, mas apesar de incertezas, tentava acalmar a todos,
menos a mim. Com o tempo, minha menina já atingira
o extremo do seu limite emocional e físico; irritada, sem querer
tomar os remédios e nem comer, mãos e pés com a sensação de
queimadura, enjoo, barriga estufada, diarreia, foram muitas tentativas de acalmá-la. Acabou dormindo...Dorme e renove suas energias!
A paz que eu podia perceber
na minha filha dormindo não representava o meu interior aflito, descobrindo os
níveis de gravidade da doença pelas informações que
chegavam a todo momento na televisão e redes sociais. Pela segunda vez entrei
em desespero, fui para o jardim comecei a andar no escuro, respirando, tentando
encontrar uma resposta para tudo isso. Respirava e por mais que eu respirasse,
meu coração
não parava de acelerar, meu
corpo tremia, achei que iria desmaiar. Neste instante comecei a abrir e fechar
os braços, como se fosse voar, respirava, queria chorar, mas não conseguia, a única coisa que sentia era um aperto no coração. Por que a
minha filha? Se ela não saiu de casa? Qual o aprendizado possível?
Fiz um chá, aos poucos fui me acalmando, percebi que tinha que
dormir, pois a noite seria longa. Na manhã seguinte estava exausta, ela ainda
não tinha acordado. Fui tomar café da manhã. Quem sabe outro chá? Aquele calor entrando no
meu corpo me deu uma sensação de acolhimento. Senti que podia chorar, precisava
chorar, tive a sensação que não
estava sozinha e as lágrimas começaram cair. Meu
corpo foi esvaziando. Deixei. Me permiti deixar o som do choro sair, me permiti
arrancar aquele nó que
estava na garganta, me permiti gritar, me permiti deixar sair todos os
sentimentos que estavam contidos dentro de mim durante oito dias, chorar foi um
alívio.
Chegara o dia do teste que
confirmaria a doença e todos estavam ansiosos pelo resultado. Em cinco minutos
saberíamos. Negativo! Alívio? Eu não sabia bem, foi uma mistura de alívio e dúvida. Liguei para a médica e ela com muita
segurança pediu para continuar seguindo as orientações anteriores. Pode ser um
falso negativo! O filme de terror não havia terminado. Mais uma noite de dúvidas e incertezas. O conflito em mim só aumentava, enquanto a família comemorava, eu observava cada um dos sintomas, meu
corpo parecia uma máquina de cuidar, cuidar e
cuidar.
As coisas já estavam mais calmas, meus pensamentos mais leves, quando
meu filho entra no quarto: - Mãe, estou com falta de ar e enjoo. O chão se
abriu novamente e o medo tomou conta de nós dois. Utilizei meus conhecimentos com óleos essenciais para acalmá-lo e fazê-lo dormir.
No décimo dia, minha filha voltou a comer bem, a
brincar e ficar sorridente. O exame específico
do meu filho, nunca foi realizado, pois moramos no interior, mas ele também está bem.
Meu corpo ainda sofre com a tensão. Ainda não temos certeza se eles contraíram o
vírus,
mas do que temos certeza neste contexto? Uma parte do meu corpo respira
aliviado, a outra parte ainda pergunta para eles “você está com
dor na garganta, falta de ar, dor no peito, febre, enjoo?” E no
fundo tenho a sensação de que o filme de terror parece não ter fim.O relato emocionado desta mãe nos faz pensar nas crianças, adolescentes e jovens que no período de fechamento das escolas e demais instituições formativas, possivelmente não estejam realizando os devidos cuidados recomendados pelos órgãos oficiais de saúde. Por isso, nosso apelo é para os pais, mães e demais responsáveis: não é hora de sair ou confraternizar-se ‘pessoalmente, se as escolas estão fechadas, um motivo sério sanitário e de preservação à vida, estáa impedir sua abertura. Assim, pensemos nesta experiência e nas muitas que ouvimos continuamente, para aprendermos e manter a esperança de que vai passar, mas antes disso, calma, esperem! Concluímos afirmando que nosso objetivo aqui é o de promover a conscientização que precisamos sobre o distanciamento social e a superação deste momento da pandemia.
Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia
Adriana Maria Santos de Almeida Campana
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.
Edilane Carvalho Teles
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com
Fernanda Lima Souza
Ilustração: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios