Memória e Poesia no Memorial Manuca Almeida

Multiciência 17 junho 2020

De repente a voz de Manuca Almeida ecoa na sala pelas ondas do rádio e preenche o ar com poesia. Ouço os seus versos: “Se você quer saber que eu te amo olhe bem para os meus olhinhos”, “Você não precisa de nada além do amor”, enquanto uma música de fundo cria toda uma ambientação para quem se dispõe a fazer uma imersão pela vida do poeta que de aracajuano nada tinha além do nascimento, mas pulsava de amor pela vida juazeirense. Hoje, sua própria vida é relembrada no espaço cultural Memorial Manuca Almeida, lugar de memória construído no exercício de luta contra o esquecimento, o apagamento que o tempo sempre traz. Como costumava recitar, “só a palavra me salva de qualquer abandono”.

Quem visita o espaço realiza uma pequena viagem no tempo que não nos permite ficar indiferente. Nas paredes brancas e cinzas, as imagens vão compondo a trajetória de um jovem magrelo e inventivo que encontra na palavra sentido para a sua existência. Palavras que ressignificaram os espaços culturais de Juazeiro, imprimindo pelas ruas, poesia saída do âmago de seu sentimento. “Procurei a poesia pelo jardim e a poesia estava em mim”. 

As fotografias despertam sensações e nos momentos ali eternizados narram os movimentos culturais dos quais Manuca fez parte, o Chá das Cinco, o Domingo Delas, suas declamações no Beco da Cultura, sua loja poética chamada “A Entrada do Céu”. Passam pelos momentos em que descobre a paixão pela música e começa a ter destaque no cenário mundial como compositor renomado. Falam dos amigos que encontrou e encantou pelo caminho – Jimmy Cliff, Maurício de Souza, Carlinhos Brown – dos filmes que participou – Guerra dos Canudos, Memórias Póstumas de Brás Cubas entre outros – ilustram o menino sonhador se tornando um homem de sucesso, mas que nunca deixou de sonhar, pois “sonhos não dormem”.

Escrevia avidamente, em qualquer coisa que encontrasse, em envelopes bancários, agendas telefônicas, papelões, até mesmo em pratos de isopor, como testificam os expositores organizados pelo espaço, guardando uma série de objetos presentes durante a vida do poeta e compositor. Os gravadores, de diversas marcas e tamanhos que usou para gravar ideias, músicas, contrastando com os aparelhos tecnológicos mais recentes dos quais fez uso: smartphone, notebook e ipad, o velho e o moderno, tudo ali representado e protegido da poeira pelas cúpulas de vidro.


Os cadernos com poemas rabiscados, as canetas que em forma de tinta derramaram seus pensamentos. O copo com suco de maracujá ou cajá – seus preferidos – companheiros fiéis durantes as horas de escrita, o violão em que seus dedos dedilharam acordes e transmitiram amor, alegria e angústias através da música. Os bonés que nunca abandonaram a cabeça sonhadora, o dicionário de rimas José Augusto Fernandes – de capa laranja, páginas sujas, rasurado – ao qual Manuca Almeida várias vezes recorreu quando se esquecia de uma palavra. Porém, não ia no dicionário à procura de palavras para rimas, como nos conta a esposa e coordenadora do “Memorial Manuca Almeida”, Lu Almeida. Seus poemas não têm rimas, são versos curtos e diretos. Ele mesmo dizia, “as rimas me perseguem, mas eu não dobro a esquina”.





Em outra sala, mais objetos à espera de olhares curiosos, um expositor que rememora a vitória do Grammy Latino pela composição da música “Esperando na Janela”, junto com Targino Gondim e Raimundinho do Acordeon. O expositor tem de tudo, desde a passagem do avião, o convite para a premiação, a medalha do Grammy e as fotografias capturadas durante a premiação. No expositor em frente a este, uma outra mesa com relógios, pulseiras e uma vasta coleção de óculos, de todas as cores e formatos possíveis, retratando um espírito alegre e incomparável.


Quando questionada a respeito da importância do lugar como um espaço de poesia e memória, ela explica que é para manter viva a história de Manuca, divulgar a poesia para as crianças, visto que a presença dela ainda é muito pouca em nossas vidas. “É para mostrar o seu trabalho e fazer com que a arte permaneça”.

Não só a arte permanece no espaço proposto, como por todo canto há vestígios, sim, vestígios de Manuca, que morreu precocemente no dia 11 de novembro de 2017. Ali, a ausência se faz presença. Tudo ressoa em memória. Há memória nos objetos e ela desabrocha em texturas, imagens, documentos, vestimentas, coisas e cores e como fragmentos do passado contam parte da história de um homem que achou na palavra a salvação para qualquer abandono. Se os sonhos não dormem, a memória e a poesia de Manuca Almeida também não.

Serviço: Com a pandemia do Covid-19, as visitas foram suspensas, mas quem quiser saber mais sobre o memorial, entre em contato pelo número (74) 9911- 4939.

Texto por Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios e bolsista do projeto História e Memória do São Francisco.
Foto: Wellington Martins, estudante de Jornalismo em Multimeios e bolsista do projeto História e Memória do São Francisco.