De repente a voz de Manuca Almeida ecoa na
sala pelas ondas do rádio e preenche o ar com poesia. Ouço os seus
versos: “Se você quer saber que eu te amo olhe bem para os meus olhinhos”,
“Você não precisa de nada além do amor”, enquanto uma música de fundo cria toda
uma ambientação para quem se dispõe a fazer uma imersão pela vida do poeta que
de aracajuano nada tinha além do nascimento, mas pulsava de amor pela vida
juazeirense. Hoje, sua própria vida é relembrada no espaço cultural Memorial
Manuca Almeida, lugar de memória construído no exercício de luta contra o
esquecimento, o apagamento que o tempo sempre traz. Como costumava recitar, “só a
palavra me salva de qualquer abandono”.
Quem visita o espaço realiza uma pequena
viagem no tempo que não nos permite ficar indiferente. Nas paredes brancas e
cinzas, as imagens vão compondo a trajetória
de um jovem magrelo e inventivo que encontra na palavra sentido para a sua
existência. Palavras que ressignificaram os espaços culturais de Juazeiro,
imprimindo pelas ruas, poesia saída do âmago de seu sentimento. “Procurei a
poesia pelo jardim e a poesia estava em mim”.
As fotografias despertam sensações e nos
momentos ali eternizados narram os movimentos culturais dos quais Manuca fez
parte, o Chá das Cinco, o Domingo Delas, suas declamações no Beco da Cultura,
sua loja poética chamada “A Entrada do Céu”. Passam pelos momentos em que
descobre a paixão pela música e começa a ter destaque no cenário mundial como
compositor renomado. Falam dos amigos que encontrou e encantou pelo caminho –
Jimmy Cliff, Maurício de Souza, Carlinhos Brown – dos filmes que participou –
Guerra dos Canudos, Memórias Póstumas de Brás Cubas entre outros – ilustram o
menino sonhador se tornando um homem de sucesso, mas que nunca deixou de
sonhar, pois “sonhos não dormem”.
Escrevia avidamente, em qualquer coisa que
encontrasse, em envelopes bancários, agendas telefônicas, papelões, até mesmo
em pratos de isopor, como testificam os expositores organizados pelo espaço,
guardando uma série de objetos presentes durante a vida do poeta e compositor.
Os gravadores, de diversas marcas e tamanhos que usou para gravar ideias,
músicas, contrastando com os aparelhos tecnológicos mais recentes dos quais fez
uso: smartphone, notebook e ipad, o velho e o moderno, tudo ali representado e
protegido da poeira pelas cúpulas de vidro.
Os cadernos com poemas rabiscados, as
canetas que em forma de tinta derramaram seus pensamentos. O copo com suco de
maracujá ou cajá – seus preferidos – companheiros fiéis durantes as horas de
escrita, o violão em que seus dedos dedilharam acordes e transmitiram amor,
alegria e angústias através da música. Os bonés que nunca abandonaram a cabeça
sonhadora, o dicionário de rimas José Augusto Fernandes – de capa laranja, páginas
sujas, rasurado – ao qual Manuca Almeida várias vezes recorreu quando se
esquecia de uma palavra. Porém, não ia no dicionário à procura de palavras para
rimas, como nos conta a esposa e coordenadora do “Memorial Manuca Almeida”, Lu Almeida.
Seus poemas não têm rimas, são versos curtos e diretos. Ele mesmo dizia, “as
rimas me perseguem, mas eu não dobro a esquina”.
Em outra sala, mais objetos à espera de
olhares curiosos, um expositor que rememora a vitória do Grammy Latino pela
composição da música “Esperando na Janela”, junto com Targino Gondim e
Raimundinho do Acordeon. O expositor tem de tudo, desde a passagem do avião, o
convite para a premiação, a medalha do Grammy e as fotografias capturadas
durante a premiação. No expositor em frente a este, uma outra mesa com
relógios, pulseiras e uma vasta coleção de óculos, de todas as cores e formatos
possíveis, retratando um espírito alegre e incomparável.
Quando questionada a respeito da importância
do lugar como um espaço de poesia e memória, ela explica que é para manter viva
a história de Manuca, divulgar a poesia para as crianças, visto que a presença
dela ainda é muito pouca em nossas vidas. “É para mostrar o seu trabalho e
fazer com que a arte permaneça”.
Não só a arte permanece no espaço proposto,
como por todo canto há vestígios, sim, vestígios de Manuca, que morreu precocemente no dia 11 de novembro de 2017. Ali, a ausência se
faz presença. Tudo ressoa em memória. Há memória nos objetos e ela desabrocha
em texturas, imagens, documentos, vestimentas, coisas e cores e como fragmentos
do passado contam parte da história de um homem que achou na palavra a salvação
para qualquer abandono. Se os sonhos não dormem, a memória e a poesia de Manuca
Almeida também não.
Serviço: Com a pandemia do
Covid-19, as visitas foram suspensas, mas quem quiser saber mais sobre o
memorial, entre em contato pelo número (74) 9911- 4939.
Texto por Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios e bolsista do projeto História e Memória do São Francisco.
Foto: Wellington Martins, estudante de Jornalismo em Multimeios e bolsista do projeto História e Memória do São Francisco.