Crônicas de Quarentena: um sorriso de contentamento

Multiciência 16 junho 2020
Era uma manhã de sexta-feira, septuagésimo dia de quarentena. O cheiro excitante de café coado ainda passeava pelos 70m² do pequeno apartamento. Fazia sol e, aos poucos, aquela luz luminescente, incapaz de aquecer a redoma gélida que se formara durante a madrugada, invade o ambiente.

Sem pedir licença, os primeiros raios solares entram pela varanda. Observo em silêncio. Tic-tac-tic-tac... Soa o relógio da minha cabeça. E num súbito despertar, enxergo-me no chão da sala, observando os elementares contornos de um “arco-íris” que ali se formava.

De repente, ouço uma voz cautelosa, longínqua, como se temesse assustar-me:

– Parece que você tem encontrado o contentamento que tanto procura – disse.

Eu, ainda absorto, posicionando minha mão sob o piso da sala, vi-me encantado diante da tímida manifestação de cores que agora se projetava entre meus dedos. 

– É lindo, né? – emendei, sem dar a devida atenção ao que fora dito.

– Sim, é muito bonito – respondeu-me ele, sorrindo.

– Interessante – continuei. – Mais cedo, outro arco-íris se refletiu nas páginas do meu livro, e eu, abobalhado, não sabia se continuava a leitura ou se o admirava.

Fez-se breve silêncio, quebrado apenas por uma pequena risada.

Ele achava engraçadas as minhas pausas repentinas, quando me perdia em pensamentos... divagações.

– Oieeee! Está me ouvindo?

– Sim, claro. – respondi rapidamente, como se, em vão, quisesse disfarçar os segundos de ausência contemplativa.– Continue, por favor – reforcei. 

– Eu me referia ao contentamento, lembra? Acho que você está encontrando o contentamento com a existência – repetiu.

Ouvi, mas nada falei.

Diante do meu silêncio, continuou:

– Você sempre fala que a felicidade perpassa pelo contentamento com a existência. E que o contentamento, por sua vez, se manifesta por meio do olhar contemplativo, pelo admirar das pequenas coisas, não é isso?

Ainda em silêncio, mas agora desperto, pensei no que fora dito. Impressionou-me o fato de um pequeno feixe de luz, no chão da sala, fazer brotar essa conversa. Mas eu sabia do que se tratava. Ele se referia às minhas divagações cotidianas sobre felicidade e à busca constante por encontrar o contentamento no mais singelo manifestar da natureza.

Achei interessante, pois eu não havia percebido, mas estava ali, diante de mim, a mais pueril das contemplações: o simples encantar-se diante de um feixe de luz colorida.

– É isso. – respondi timidamente, voltando o olhar para o pequeno arco-íris que, aos poucos, se despedia, perdendo-se na frieza do chão da sala e nos tons amarronzados da minha pele.

– Sim. É o contentamento. – concluí sorrindo.

Mas não foi um sorriso qualquer. Na verdade, eu sorri com os olhos. Sorri feito criança quando avista o mar pela primeira vez. Sorri de contentamento.

Paulo Pedroza é Jornalista em Multimeios, contista e Mestre em Educação, Cultura e Território Semiáridos