Quem
diria que da inteligência do menino sertanejo, um dia, lá na frente, nasceria um dos maiores clássicos do cancioneiro brasileiro? Quem
nunca cantou os versos da Asa Branca? “Quando oiei a terra ardendo/Qual
fogueira de São João/Eu perguntei a Deus do céu, ai/Por que tamanha judiação/Eu
perguntei a Deus do céu, ai/Por que tamanha judiação”. Os versos de Asa Branca
tornaram uma espécie de certificação para o filósofo da sanfona, o maior
pensador das coisas e da gente do Nordeste. O músico que com uma sanfona, um
triângulo e uma zabumba deu alegria a milhares e milhares de nordestinos pelo
mundo. Animou bailes e auditórios de rádios nos grandes centros
do país.
Um
artista que sempre esteve à frente de seu tempo. Para dar vida às suas
inúmeras canções icônicas alinhadas ao ritmo de sua invenção: o baião,
além do tradicional forró, as marchinhas juninas, as quadrilhas, o
xote e o xaxado, entre outros estilos que asfaltaram sua carreira, Gonzaga se
juntou a grandes letristas como Humberto Teixeira, Zé Dantas e Hervé
Cordovil - que lhe serviram os versos das canções que até hoje são as
maiores referências nordestinas. Só para citar alguns: Assum Preto, Baião de
dois, Respeita Januários, Xote Ecológico, Baião, A Vida do Viajante e Xamêgo.
Mas são tantas inesquecíveis canções que retratam o universo do Nordeste em
todas as formas sociais e políticas, com o realce da força e alegria do
nordestino que ao som da sanfona transformou tudo em festa.
O Rei do
Baião, como ficou conhecido no Brasil, retratava em suas canções a pobreza e as
injustiças no Sertão Nordestino. Gonzaga mostrou o Nordeste ao Brasil e ao
mundo. Transportou as dores e alegrias para as canções que pontuaram a
realidade de um povo que nunca perdeu a fé. Tudo começou lá em1920, com apenas
8 anos, Gonzaga foi convidado para substituir um sanfoneiro em uma festa
tradicional, e partir desse episódio recebeu diversos convites para tocar em
eventos da época.
Em 1929,
em consequência de um namoro proibido, foi obrigado a fugir para cidade de
Crato/CE, e em 1930 para Fortaleza/CE, onde serviu ao exército. A partir
de 1939, já na cidade do Rio de Janeiro, Gonzaga passou a dedicar-se à música e
começa a tocar nos mangues, no cais, em bares, nas ruas e nos cabarés da Lapa.
Começou a
participar de programas de calouros, inicialmente sem êxitos. O ponto de
partida para o reconhecimento de seu talento foi no programa do mineiro
Ary Barroso, na Rádio Nacional. Ao vivo apresentou sua “Vira e mexe”, e
ficou em primeiro lugar. A partir de então, começou a participar de vários
programas radiofônicos, inclusive gravando discos como sanfoneiro para outros
artistas, até ser convidado para gravar como solista, em 1941. Daí em diante, o
talento do Rei do Baião começou a ser reconhecido.
Na década
de 1940, Luiz Gonzaga passou a vestir os trajes típicos de cangaceiro,
posteriormente irá substitui-los pelo de vaqueiro, para as suas apresentações.
Nessa fase, suas músicas passaram a ganhar os versos do poeta Miguel
Lima. A parceria deu certo e várias canções fizeram sucesso: “Dança, Mariquinha”
e “Cortando Pano”, “Penerô Xerém” e “Dezessete e Setecentos”. No Rio, conheceu
novo parceiro, o cearense Humberto Teixeira, com quem sedimentou o ritmo
do baião, com músicas que tematizavam a cultura e os costumes nordestinos. Logo
construíram um rosário de outros sucessos além dos citados acima
incluindo “Meu Pé de Serra” , “Juazeiro”, “Mangaratiba” e “Paraíba”.
No ano de
1947, já casado com Helena das Neves e tendo assumido a paternidade de
Gonzaguinha, conhece Zé Dantas, que passou a ser seu parceiro, assumindo o
posto deixado por Teixeira, que se afastara da música devido à vida política.
Juntos compuseram outros clássicos “O xote das meninas”, “Vem Morena”, “A volta
da Asa Branca” e “Riacho do Navio”.
Nos anos
1960, o Brasil passou por uma série de transformações. A cultura nos anos 1960
recebe novos ares e ideias vindos do movimento Bossa Nova, do rock e do
Ieieiê que acabaram ofuscando o brilho de Gonzaga. Acontece que sua genialidade
impressionava por inúmeros artistas da nova geração como Caetano Veloso,
Gilberto Gil e Raul Seixas, para quem, Luiz Gonzaga, era o personagem mais
“elvispresliano” da música brasileira.
De
Londres , no exílio, Caetano Veloso, em seu disco gravado quase todo em inglês,
incluiu o clássico Asa Branca, que fez novas gerações mergulharem na obra
do pernambucano. Entre as décadas de 1970 e 1980, regravações, homenagens e
novas parcerias escreveram um novo capítulo em sua trajetória: Gilberto Gil,
Raimundo Fagner, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e
Dominguinhos, entre outros artistas reforçaram o cordão dos discípulos que
jogaram holofotes na obra do Rei do Baião.
No final
da década de 1970 e início de 1980, seu filho, Gonzaguinha, um dos compositores
em ascensão, sobretudo combativo ao regime militar, se reaproxima do pai, e
saem numa bem sucedida turnê pelo país, o que concedeu novo fôlego à sua
carreira devido a músicas como “Vida de viajante” e “Pense n’eu”. Em 1984,
recebeu o primeiro disco de ouro com “Danado de Bom”. Por conta desse episódio,
foi convidado para fazer shows na Europa. O Rei do Baião morreu, em Recife, em
2 de agosto de 1989. Desde então, vários livros, filmes, documentários e
homenagens póstumas com novas gerações. Nas próximas colunas do Texto ao Texto (Letras e Sons), falaremos da obra e do pensamento de Luiz Gonzaga.
Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutorando em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.