Luiz Gonzaga mostrou o Nordeste ao Brasil e ao mundo através da sanfona

Multiciência 15 junho 2020
Exú, sertão de Pernambuco, um dos municípios que compõe a região do Araripe e uma das áreas nordestinas afetadas pelas sucessivas secas ocorridas ao longo do século 20. De lá, em 13 de dezembro de 1912,  o mundo ganhou o menino Luiz Gonzaga - filho de Januário José dos Santos, o mestre Januário, “sanfoneiro de 8 baixos” e Ana Batista de Jesus. O casal teve oito filhos e Luiz desde pequeno gostava de ficar vendo o pai tocar sanfona. Protegido do Coronel Manuel Aires de Alencar, aprendeu com as suas filhas a ler e escrever. Aos 13 anos, com o dinheiro que juntou e o emprestado pelo coronel, Luiz comprou sua primeira sanfona

Quem diria que da inteligência do menino sertanejo, um dia, lá na frente, nasceria um dos maiores clássicos do cancioneiro brasileiro? Quem nunca cantou os versos da Asa Branca? “Quando oiei a terra ardendo/Qual fogueira de São João/Eu perguntei a Deus do céu, ai/Por que tamanha judiação/Eu perguntei a Deus do céu, ai/Por que tamanha judiação”. Os versos de Asa Branca tornaram uma espécie de certificação para o filósofo da sanfona, o maior pensador das coisas e da gente do Nordeste. O músico que com uma sanfona, um triângulo e uma zabumba deu alegria a milhares e milhares de nordestinos pelo mundo. Animou bailes e auditórios de rádios nos grandes centros do país.

Um artista que sempre esteve à frente de seu tempo. Para dar vida às suas inúmeras canções icônicas alinhadas ao ritmo de sua invenção: o baião,  além do tradicional  forró, as marchinhas juninas, as quadrilhas, o xote e o xaxado, entre outros estilos que asfaltaram sua carreira, Gonzaga se juntou a grandes letristas como Humberto Teixeira, Zé Dantas  e Hervé Cordovil -  que lhe serviram os versos das canções que até hoje são as maiores referências nordestinas. Só para citar alguns: Assum Preto, Baião de dois, Respeita Januários, Xote Ecológico, Baião, A Vida do Viajante e Xamêgo. Mas são tantas inesquecíveis canções que retratam o universo do Nordeste em todas as formas sociais e políticas, com o realce da força e alegria do nordestino que ao som da sanfona transformou tudo em festa.


O Rei do Baião, como ficou conhecido no Brasil, retratava em suas canções a pobreza e as injustiças no Sertão Nordestino. Gonzaga mostrou o Nordeste ao Brasil e ao mundo. Transportou as dores e alegrias para as canções que pontuaram a realidade de um povo que nunca perdeu a fé. Tudo começou lá em1920, com apenas 8 anos, Gonzaga foi convidado para substituir um sanfoneiro em uma festa tradicional, e partir desse episódio recebeu diversos convites para tocar em eventos da época.

Em 1929, em consequência de um namoro proibido, foi obrigado a fugir para cidade de Crato/CE, e em 1930  para Fortaleza/CE, onde serviu ao exército. A partir de 1939, já na cidade do Rio de Janeiro, Gonzaga passou a dedicar-se à música e começa a tocar nos mangues, no cais, em bares, nas ruas e nos cabarés da Lapa.

Começou a participar de programas de calouros, inicialmente sem êxitos. O ponto de partida para o reconhecimento de seu talento foi no  programa do mineiro Ary Barroso, na Rádio Nacional. Ao vivo apresentou sua “Vira e mexe”, e ficou em primeiro lugar. A partir de então, começou a participar de vários programas radiofônicos, inclusive gravando discos como sanfoneiro para outros artistas, até ser convidado para gravar como solista, em 1941. Daí em diante, o talento do Rei do Baião começou a ser reconhecido.



Na década de 1940, Luiz Gonzaga passou a vestir os trajes típicos de cangaceiro, posteriormente irá  substitui-los pelo de vaqueiro, para as suas apresentações. Nessa fase, suas músicas passaram a ganhar os versos do poeta Miguel Lima. A parceria deu certo e várias canções fizeram sucesso: “Dança, Mariquinha” e “Cortando Pano”, “Penerô Xerém” e “Dezessete e Setecentos”. No Rio, conheceu  novo parceiro, o cearense Humberto Teixeira, com quem sedimentou o ritmo do baião, com músicas que tematizavam a cultura e os costumes nordestinos. Logo construíram  um rosário de outros sucessos além dos citados acima incluindo “Meu Pé de Serra” , “Juazeiro”, “Mangaratiba” e “Paraíba”.

No ano de 1947, já casado com Helena das Neves e tendo assumido a paternidade de Gonzaguinha, conhece Zé Dantas, que passou a ser seu parceiro, assumindo o posto deixado por Teixeira, que se afastara da música devido à vida política. Juntos compuseram outros clássicos “O xote das meninas”, “Vem Morena”, “A volta da Asa Branca” e “Riacho do Navio”.

Nos anos 1960, o Brasil passou por uma série de transformações. A cultura nos anos 1960 recebe novos ares e ideias vindos  do movimento Bossa Nova, do rock e do Ieieiê que acabaram ofuscando o brilho de Gonzaga. Acontece que sua genialidade impressionava por inúmeros artistas da nova geração como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Raul Seixas, para quem, Luiz Gonzaga, era o personagem mais “elvispresliano” da música brasileira.

De Londres , no exílio, Caetano Veloso, em seu disco gravado quase todo em inglês, incluiu o clássico Asa Branca, que fez novas gerações mergulharem  na obra do pernambucano. Entre as décadas de 1970 e 1980, regravações, homenagens e novas parcerias escreveram um novo capítulo em sua trajetória: Gilberto Gil, Raimundo Fagner, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Dominguinhos, entre outros artistas reforçaram o cordão dos discípulos que jogaram holofotes na obra do Rei do Baião.


No final da década de 1970 e início de 1980, seu filho, Gonzaguinha, um dos compositores em ascensão, sobretudo combativo ao regime militar, se reaproxima do pai, e saem numa bem sucedida turnê pelo país, o que concedeu novo fôlego à sua carreira devido a músicas como “Vida de viajante” e “Pense n’eu”. Em 1984, recebeu o primeiro disco de ouro com “Danado de Bom”. Por conta desse episódio, foi convidado para fazer shows na Europa. O Rei do Baião morreu, em Recife, em 2 de agosto de 1989. Desde então, vários livros, filmes, documentários e homenagens póstumas com novas gerações. Nas próximas colunas do Texto ao Texto (Letras e Sons), falaremos da obra e do pensamento de Luiz Gonzaga.

Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutorando em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música  para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.