Hoje abordaremos a escuta sensível de crianças, adolescentes e jovens sobre o distanciamento social. As reflexões aqui postas são direcionadas aos modos diversos, como os estudantes percebem este momento. Para tanto, utilizamos parte das respostas dos questionários divulgados pelas redes sociais na pesquisa intitulada “Os desafios das escolas e das famílias com o ensino remoto”, realizada no Departamento de Ciências Humanas, Campus III, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), direcionados à educação básica, sobre os quais aparecem cidades dos estados da Bahia, Pernambuco, Ceará e Minas gerais. As faixas etárias e segmentos de ensino representados são de um público respondente que varia entre 5 anos de idade à fase adulta, portanto, estudantes da Educação Infantil ao Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, que descrevem como estão passando por este período, com todas as questões que fazem parte do dia a dia, como sentem a pandemia, de suas maneiras particulares e individualizadas, cada um a seu modo. Quanto a resposta do primeiro segmento de ensino, a hipótese é que tenha sido respondida com a ajuda dos genitores, as demais em sua maioria referem-se ao ensino médio.
Foi pensando neles que enviamos questionários com 10 perguntas e, entre elas, Como você está se sentindo no isolamento social? Recebemos de retorno 135 questionários respondidos, com 73% de alunos de escolas públicas e 27% escolas particulares. Pensando a proposta acima, traçaremos um pequeno panorama dos sentimentos que afirmam permear suas experiências neste período, relacionado a manchetes publicadas na internet, como delineamento da realidade pela qual transitam, entre telejornais e redes sociais, e assim, situarmos os momentos e possíveis tensões vividos. A tabela a seguir apresenta as palavras mais repetidas.
Imagem realizada no Word Cloud com a palavras da tabela acima.
Começamos em janeiro, quando um “Misterioso vírus que causa problemas respiratórios tem colocado a China e o mundo em estado de alerta: o coronavírus já se espalhou de seu ponto inicial, a cidade de Wuhan, para outras grandes metrópoles como Pequim e teve centenas de casos oficialmente registrados.” (BBC NEWS 20/01/2020). Naquele momento a ameaça já se manifestava claramente, mas ainda demoraríamos para entender o que significava sua dimensão para a empatia e um possível plano de ação.
Em alguns dias o misterioso vírus se encaminhou para o continente americano, traçando uma rota de tristeza e mortes e, em São Paulo, pouco mais de um mês depois de noticiarem a ameaça, o “Brasil confirma primeiro caso da doença”. (site Ministério da saúde. 26/02/2020). Em março, o "Brasil registra primeira morte por coronavírus". (Gazeta do Povo. 17/03/2020) e decide por “Aulas suspensas e home office”. (Site UOL. 18/03/2020 17h51). Nesse cenário e realidade que se forma, os estudantes afirmam que estão:
“Muito triste com a situação atual no Brasil e no mundo! Estou sentindo um pouco de nervosismo e ataque de ansiedade” (A65)“Ansiosa, triste, tendo variações de humor frequentemente, contudo tento me manter esperançosa e sempre em contato com meus amigos”(A62)“Desesperada, em pânico e quase em depressão”(A43)
Em maio, “Com mais de mil mortes em um dia, Brasil tem um óbito a cada 73 segundos” (Site UOL. 20/05/2020 12h26), e o processo se intensifica “Com uma morte por minuto, Brasil tem mais um recorde em 24h e registra 34 mil mortes”. (CUT Noticias 05/06/2020); “Papa faz referência ao Brasil: uma morte por minuto. Terrível! (@jornaltododia 06/06/2020). Por isso, em meio a isso, o cuidado que precisamos ter ao olhar para estes sujeitos, em sua maioria, sob a nossa responsabilidade num contexto de caos anunciado e de fato, que também incide sobre suas percepções e vidas, como claramente expressam.
“Eu me sinto um pouco triste pois sinto saudades das pessoas que eu não posso encontrar, de ir a escola, de poder sair na rua, sinto também muito tédio, pois são poucas as coisas que tem pra fazer em casa, que quando acaba tenho que fazer tudo de novo, mas também sinto um pouco de alegria por saber que nenhum familiar ou amigo se contaminou com o vírus”(A117)
Nesse período, o Conselho Nacional de Educação sugere que estados e municípios busquem alternativas para minimizar a necessidade de reposição presencial de dias letivos, a fim de permitir que seja mantido um fluxo de atividades escolares aos estudantes, enquanto durar a situação de emergência (MEC, 2020). Mas como buscar alternativas se moramos em um país com tantas diferenças sociais e econômicas? Nos diversos contextos estão os alunos sem aulas remotas, adaptando-se a distanciamentos e tantas novas demandas. E assim, as diferenças gritam e conseguimos ouvir dos estudantes, que pensam:
“Totalmente sem chance de entrar numa faculdade” (A81)“Distante de amigos e parentes e prejudicado em relação aos estudos” (A86)“Sem motivação, não estou conseguindo me concentrar” (A68)“Sedentária e desorganizada” (A10)“Entediado, com falta da escola” (A1)
Portanto, inquietos! Como mínimo, nos convidado a olhar a questão com maior atenção, em especial à diversidade das interações, acessos e enfrentamentos diante das proposições que criamos para suas vidas escolares, em um momento atípico e ainda não compreendido pelo poder público e até por nós, cujas emissões de resoluções, notas e considerações não alcançam a todos. Considerando ainda, todas as problemáticas da vida, além do vírus.
Continuando o panorama das manchetes, tateando e percebendo graves problemas sociais e políticos além da pandemia e da saúde, nos deparamos que a “Manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários', afirma Gilmar Mendes sobre dados de Covid-19.” (site G1 06/06/2020) O que amplia a necessidade de decisões construídas de forma compartilhada com os diversos segmentos da sociedade (família, escola e instituições), para que os conhecimentos sistematizados até o momento vislumbrem saídas ‘saudáveis’, pois em suas ausências podem levar à incompreensões e, assim, dúvidas como as seguintes:
“Preocupada com o bem da população, e retorno das atividades escolares” (A103)
Com toda esta efervescência sanitária, econômica, política e social do momento, unindo aos problemas familiares e sociais, não nos causa estranheza toda a ansiedade, tédio, isolamento, solidão que descreveram.“Estou curiosa com o que acontecerá depois no mundo” (A17)
“Estou me sentindo ansioso e com o psicológico abalado”(A91)
“Desesperada, em pânico e quase em depressão” (A43)
É claro que toda a carga de sentimentos descritas não estão relacionadas exclusivamente à problemática do distanciamento e pandemia, faz parte das relações, construtos, dificuldades e processos da vida de cada um de nós, o que podemos hipotetizar é que intensificam. Como disseram em um dos questionários, não é fixo, único “Mal e bem, um mix de emoções”(A57).
Na pesquisa, o “bem estar” é expresso por 30% das respostas, que possuem palavras como: tranquilo, normal, bem, alegria e feliz.
“Bem tanto mentalmente como fisicamente”(A73)
“Estou me sentindo bem, minha rotina quase não mudou em nada”(A24)
Ter conhecimento dos sentimentos que permeiam os pensamentos e entendimentos dos estudantes nos preocupa, pois aproximadamente 70% de crianças, adolescentes e jovens que responderam de forma espontânea ao questionário, destacam “não estar bem com esta situação”. Sabemos que a insegurança causada pela pandemia leva a uma ansiedade crescente, que pode gerar um grande desconforto. Para entendimento deste momento e demanda, sugerimos aos educadores e pais que promovam conversas sobre a problemática, com o esclarecimento pautado em informações confiáveis e, para isso, destacamos a ciência, com um dos caminhos para compreender a necessidade e urgência que vivemos. Além disso, sugerimos mais uma vez uma rotina pensada, construída e compartilhada com eles, como propusemos na coluna Por que pensar sobre a rotina das crianças e adolescentes? Para os casos mais densos sobre os modos de lidar com a realidade e pressões emocionais, uma vez que por vezes é necessário, uma ajuda profissional para nos fortalecer neste período de tanta oscilação e dificuldade de informações e sentido de normalidade perdida. Hoje, com o passar de quase três meses, vivemos, por assim dizer, um “novo normal”.
Este breve texto pautou-se nas respostas de apenas uma pergunta do questionário, o que elevou a surpresa sobre os modos como sentem uma realidade tão inesperada e como precisam de esclarecimentos para conhecê-la e entender o mundo à nossa volta.
Legenda:
A + número: Aluno e número do questionário respondido.
Referências consultadas:
Coronavírus na China: o que se sabe sobre a misteriosa doença após confirmação de transmissão entre humanos. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51157487 (20/01/2020)
Brasil confirma primeiro caso da doença. https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus. Site Ministério da saúde (26/02/2020)
Brasil registra primeira morte por coronavírus. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/brasil-registra-primeira-morte-por-coronavirus-em-sao-paulo/ .(Gazeta do Povo. 17/03/2020)
Aulas suspensas e home office: como os estados atuam em pandemia. https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/03/14/confira-medidas-adotadas-por-estados-e-municipios-no-combate-ao-coronavirus.htm (Site UOL. 18/03/2020 17h51)
Com mais de mil mortes em um dia, Brasil tem um óbito a cada 73 segundos. https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/05/19/covid-19-mortes-por-segundo-no-brasil.htm (Site UOL. 20/05/2020 12h26)
Com uma morte por minuto, Brasil tem mais um recorde em 24h e registra 34 mil mortes. https://www.cut.org.br/noticias/com-uma-morte-por-minuto-brasil-tem-mais-um-recorde-em-24h-e-registra-34-mil-mor-f373 (CUT Noticias 05/06/2020)
Papa faz referência ao Brasil: uma morte por minuto. Terrível! https://tododia.com.br/brasilemundo/papa-faz-referencia-ao-brasil-uma-morte-por-minuto-terrivel/ (@jornaltododia 06/06/2020)
Manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários', afirma Gilmar Mendes sobre dados de Covid-19. https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/06/manipulacao-de-estatisticas-e-manobra-de-regimes-totalitarios-diz-gilmar-mendes-sobre-divulgacao-de-dados-do-coronavirus.ghtml (site G1 06/06/2020)
Proposta de parecer sobre reorganização dos calendários escolares e realização de atividades pedagógicas não presenciais durante o período de pandemia da COVID-19. https://www.cnm.org.br/cms/images/stories/Links/Texto_Referencia-_Reorganizacao_dos_Calendarios_Escolares_-_Pandemia_da_COVID-19_1.pdf (MEC, 2020)
Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia
Adriana Maria Santos de Almeida Campana
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.
Edilane Carvalho Teles
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com